O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano I — Janeiro de 1858.

(Idioma francês)

Evocações particulares. n


Uma conversão.

A evocação seguinte não desperta menor interesse, embora sob um outro ponto de vista.

Um senhor, que designaremos sob o nome de Georges, farmacêutico numa cidade do sul, havia perdido o pai há pouco tempo, objeto de toda a sua ternura e de uma profunda veneração. O pai do Sr. Georges aliava a uma instrução muito vasta todas as qualidades que distinguem o homem de bem, embora professasse opiniões muito materialistas. A esse respeito o filho partilhava e até mesmo excedia as ideias do pai; duvidava de tudo, de Deus, da alma, da vida futura. O Espiritismo não poderia reconhecer como verdadeiros tais pensamentos. Todavia, a leitura de O Livro dos Espíritos produziu nele uma certa reação, corroborada por uma entrevista direta que tivemos com ele. “Se meu pai — disse pudesse responder-me, não duvidaria mais.” Foi então que ocorreu a evocação que iremos relatar e na qual encontraremos mais de um ensinamento.

— Em nome do Todo-Poderoso, peço se manifeste o Espírito de meu pai. Estais perto de mim? “Sim”. — Por que não vos manifestastes diretamente a mim, quando tanto nos amamos? “Mais tarde”. — Poderemos nos reencontrar um dia? “Sim, breve”. Haveremos de nos amar, como nesta vida? “Mais”. — Em que meio estais? “Sou feliz”. — Estais reencarnado ou errante? “Errante por pouco tempo”.

— Que sensação experimentastes quando deixastes vosso invólucro corporal? “Perturbação”. — Quanto tempo durou essa perturbação? “Pouco para mim; bastante para ti”. — Podeis avaliar a duração dessa perturbação conforme nossa maneira de contar? “Dez anos para ti, dez minutos para mim”. — Mas, não se passou esse tempo todo desde que vos perdi; não há somente quatro meses? “Se estivesses em meu lugar, terias sentido esse tempo”.

— Acreditais agora em um Deus justo e bom? “Sim”. Acreditáveis nele quando estáveis na Terra? “Eu tinha a presciência, mas não acreditava nele”. — Deus é Todo-Poderoso? “Não me elevei até Ele para avaliar a sua força; somente Ele conhece os limites de seu poder, porque só Ele é seu igual”. Ocupa-se Ele dos homens? “Sim”. — Seremos punidos ou recompensados conforme nossos atos? “Se fazes o mal, sofrer-lhe-ás as consequências.” — Serei recompensado se fizer o bem? “Avançarás na tua rota”. — Estou no caminho certo? “Faze o bem e nele estarás”. — Acredito ser bom, mas estaria melhor se um dia, como recompensa, vos encontrasse. “Que esse pensamento te sustente e te encoraje! — Meu filho será bom como seu avô? “Desenvolve suas virtudes, abafa seus vícios”.

— Custo a crer que estamos nos comunicando, tão maravilhoso me parece este momento. “De onde provém tua dúvida?” — De que, partilhando vossas opiniões filosóficas, fui levado a tudo atribuir à matéria. “Vês de noite o que vês de dia?” — Estou, pois, nas trevas, meu pai? “Sim”. — Que vedes de mais maravilhoso? “Explica-te melhor”. — Reencontrastes minha mãe, minha irmã e Ana, a boa Ana? “Eu as revi”. Vede-as quando quiserdes? “Sim”.

— Achais penoso ou agradável que me comunique convosco? “Para mim é uma felicidade, se posso te conduzir ao bem”. — Voltando para casa, o que poderia fazer para comunicar-me convosco, o que me faz tão feliz? Isso serviria para conduzir-me melhor e me ajudaria a melhor educar os meus filhos. “Cada vez que um impulso te conduzir ao bem, sou eu; serei eu a inspirar-te.”

— Calo-me, com receio de importunar-vos. “Se queres ainda, fala”. — Visto que permitis, dirigir-vos-ei ainda algumas perguntas. De que afecção morrestes? “Minha prova havia alcançado seu termo”. — Onde contraístes o abscesso pulmonar que se manifestou? “Pouco importa; o corpo nada é; o Espírito é tudo”. Qual a natureza da doença que me desperta tão frequentemente, à noite? “Sabê-lo-ás mais tarde”. — Considero grave minha afecção, e queria viver ainda para os meus filhos. “Ela não o é; o coração do homem é uma máquina de vida; deixa a natureza agir”.

— Visto que estais presente aqui, sob que forma vos apresentais? “Sob a aparência de minha forma corpórea”. — Estais em um local determinado? “Sim, atrás de Ermance” (a médium). Poderíeis tornar-vos visível a nós? “Para quê? Teríeis medo”.

— Vede-nos todos, aqui reunidos? “Sim”. — Tendes uma opinião de cada um de nós? “Sim”. — Poderíeis dizer-nos alguma coisa? “Em que sentido me fazes essa pergunta?” — Do ponto de vista moral. “De outra vez; por hoje é bastante”.

O efeito produzido no Sr. Georges por essa comunicação foi imenso; uma luz inteiramente nova já parecia clarear-lhe as ideias; uma sessão que houve no dia seguinte, na casa da Sra. Roger, sonâmbula, terminou por dissipar as poucas dúvidas que lhe restavam. Eis um resumo da carta que, a respeito, nos escreveu:

“Essa senhora entrou espontaneamente em detalhes comigo, tão precisos, com respeito a meu pai, minha mãe, meus filhos, minha saúde; descreveu todas as circunstâncias de minha vida com tal precisão, relembrando mesmo certos fatos que há longo tempo se me haviam apagado da memória; numa palavra, deu-me provas tão patentes dessa faculdade maravilhosa da qual são dotados os sonâmbulos lúcidos, que a reação das ideias foi completa em mim desde esse momento. Na evocação, meu pai havia revelado a sua presença; na sessão sonambúlica eu era, a bem dizer, testemunha ocular da vida extracorpórea, da vida da alma. Para descrever com tanta minúcia e exatidão, e a duas centenas de léguas de distância, o que de mim somente era conhecido, era preciso ver; ora, uma vez que isso não era possível com os olhos do corpo, haveria, portanto, um laço misterioso, invisível, que ligava a sonâmbula às pessoas e às coisas ausentes, e que ela jamais tinha visto; havia, pois, algo fora da matéria; o que poderia ser esse algo, senão aquilo que se chama alma, o ser inteligente, do qual o corpo é apenas o invólucro, mas cuja ação se estende muito além de nossa esfera de ação?”

Hoje, não somente o Sr. Georges deixou de ser materialista, como é um dos mais fervorosos e zelosos adeptos do Espiritismo, o que o faz duplamente feliz, pela confiança que o futuro agora lhe inspira e pelo prazer que experimenta em praticar o bem. [v. Período Psicológico, as observações feitas pelo Sr. Georges.]

Essa evocação, bem simples à primeira vista, não é menos notável em muitos aspectos. O caráter do Sr. Georges, pai, reflete-se nas respostas breves e sentenciosas que estavam em seus hábitos; falava pouco, jamais dizia uma palavra inútil; não é mais o céptico que fala: reconhece seu erro; seu Espírito é mais livre, mais clarividente, retratando a unidade e o poder de Deus por estas admiráveis palavras: Só Ele é seu igual; aquele que em vida referia tudo à matéria, diz agora: O corpo nada é, o Espírito é tudo; e esta outra frase sublime: Vês à noite o que vês de dia? Para o observador atento tudo tem uma importância, e é assim que a cada passo encontra a confirmação das grandes verdades ensinadas pelos Espíritos.



[1] Este título de seção foi substituído por Allan Kardec para: “Conversas de além-túmulo” e posteriormente: “Conversas familiares de além-túmulo”.


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