O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IV — Fevereiro de 1861.

(Idioma francês)

Escassez de médiuns.

(Sumário)

1. — Embora publicado há pouco tempo, O Livro dos Médiuns já provocou, em várias localidades, o desejo de formar reuniões espíritas íntimas, como aconselhamos. Mas nos escrevem que param ante a escassez de médiuns. Por isso julgamos por bem dar alguns conselhos sobre os meios de os remediar.

Um médium, sobretudo um bom médium, é incontestavelmente um dos elementos essenciais de toda assembleia que se ocupa do Espiritismo; mas seria erro pensar que, em sua falta, nada mais resta a fazer senão cruzar os braços ou suspender a sessão. Não compartilhamos absolutamente a opinião de uma pessoa que comparava uma sessão espírita sem médiuns a um concerto sem músicos. Em nossa opinião, existe uma comparação muito mais justa: a do Instituto e de todas as sociedades científicas, que sabem utilizar o seu tempo sem ter constantemente sob os olhos os meios de experimentação. Vai-se a um concerto para ouvir música. É, pois, evidente que se os músicos estiverem ausentes, o objetivo falhou. Mas numa reunião espírita vamos, ou pelo menos deveríamos ir, para nos instruirmos. A questão agora é saber se se pode fazê-la sem médium. Seguramente, para os que vão a essas reuniões com o único objetivo de ver efeitos, o médium é tão indispensável quanto o músico no concerto; mas para os que, acima de tudo, buscam instruir-se, que querem aprofundar as diversas partes da ciência, em falta de um instrumento de experimentação terão mais de um meio de o obter. É o que tentaremos explicar.

Inicialmente diremos que se os médiuns são comuns, os bons médiuns, na verdadeira acepção da palavra, são raros. A experiência prova diariamente que não basta possuir a faculdade mediúnica para obter boas comunicações. É preferível privar-se de um instrumento do que o ter defeituoso. Certamente para os que buscam, nas comunicações, mais o fato que a qualidade, que as assistem mais por distração do que para esclarecimento, a escolha do médium é completamente indiferente. Mas falamos dos que têm um objetivo mais sério e veem mais longe. É a eles que nos dirigimos, porque estamos certos de que nos compreendem.

Por outro lado, os melhores médiuns estão sujeitos a intermitências mais ou menos longas, durante as quais há suspensão parcial ou total da faculdade mediúnica, sem falar das numerosas causas acidentais que podem privar-nos momentaneamente de seu concurso. Acrescentemos também que os médiuns inteiramente flexíveis, os que se prestam a todos os gêneros de comunicações, são ainda mais raros. Geralmente possuem aptidões especiais, das quais importa não os desviar. Vê-se, pois, que se não houver provisão de reserva, podemos ficar desprevenidos quando menos o esperamos, e seria desagradável que em tal caso fôssemos obrigados a interromper os trabalhos.

O ensino fundamental que se vem buscar nas reuniões espíritas sérias é, sem dúvida, dado pelos Espíritos. Mas que frutos tiraria um aluno das lições dadas pelo mais hábil professor se, por seu lado, ele também não trabalhasse? Se não meditasse sobre aquilo que ouviu? Que progresso faria a sua inteligência se tivesse constantemente o mestre ao seu lado para lhe mastigar a tarefa e lhe poupar o esforço de pensar? Nas assembleias espíritas os Espíritos preenchem dois papéis; uns são professores que desenvolvem os princípios da ciência, elucidam os pontos duvidosos e, sobretudo, ensinam as leis da verdadeira moral; outros são materiais de observação e de estudo, que servem de aplicação. Dada a lição, sua tarefa está acabada, enquanto a nossa começa: a de trabalhar sobre aquilo que nos foi ensinado, a fim de melhor compreender, de melhor captar o sentido e o alcance. É com vistas a nos deixar tempo livre para cumprirmos o nosso dever – que nos permitam essa expressão clássica – que os Espíritos suspendem algumas vezes as suas comunicações. Bem que eles querem nos instruir, mas com uma condição: a de lhes secundarmos os esforços. Cansam-se de repetir sem cessar e inutilmente a mesma coisa. Advertem; contudo, se não são ouvidos, retiram-se, a fim de que tenhamos tempo para refletir.


2. — Na ausência de médiuns, uma reunião que se propõe algo mais que ver manejar um lápis tem mil e um meios de utilizar o tempo de maneira proveitosa. Limitar-nos-emos a indicar alguns, sumariamente:


Reler e comentar as antigas comunicações, cujo estudo aprofundado fará com que seu valor seja mais bem apreciado.

Se se objetar que seria uma ocupação fastidiosa e monótona, diremos que ninguém se cansa de ouvir um belo trecho de música ou de poesia; que depois de haver escutado um eloquente sermão, gostaríamos de o ler com a cabeça fria; que certas obras são lidas vinte vezes, porque cada vez nelas descobrimos algo de novo. Aquele que não é impressionado senão por palavras, se aborrece ao ouvir a mesma coisa duas vezes, ainda que fosse sublime; faltam-lhe sempre coisas novas para o interessar ou, melhor, para o distrair. Aquele que medita tem um sentido adicional: é mais tocado pelas ideias do que pelas palavras, razão por que gosta de ouvir ainda aquilo que lhe vai ao Espírito, sem se limitar ao ouvido.


Contar fatos de que se tem conhecimento, discuti-los, comentá-los, explicá-los pelas leis da ciência espírita; examinar-lhes a possibilidade ou a impossibilidade; ver o que têm de plausível  ou de exagero; distinguir a parte da imaginação e da superstição, etc.


Ler, comentar e desenvolver cada artigo de O Livro dos Espíritos e de O Livro dos Médiuns, assim como de todas as outras obras sobre o Espiritismo.

Esperamos que nos desculpem por citar aqui as nossas próprias obras, o que é muito natural, já que para isso foram escritas. Aliás, de nossa parte não passa de uma indicação, e não de uma recomendação expressa. Aqueles aos quais elas não convierem estão perfeitamente livres para pô-las de lado. Longe de nós a pretensão de imaginar que outros não as possam fazer tão boas ou melhores. Apenas acreditamos que, até o momento, nelas a ciência é encarada de modo mais completo do que em muitas outras, além de responderem a um maior número de perguntas e de objeções. É a esse título que as recomendamos. Quanto ao seu mérito intrínseco, só o futuro lhes será o grande juiz.

Daremos um dia um catálogo racional das obras que, direta ou indiretamente, tratam da ciência espírita, na Antiguidade e nos tempos modernos, na França ou no estrangeiro, entre os autores sacros e os profanos, quando nos tiver sido possível reunir os elementos necessários. Esse trabalho naturalmente é muito longo, e ficaremos muito reconhecidos às pessoas que no-lo quiserem facilitar, abastecendo-nos de documentos e de indicações.


Discutir os diferentes sistemas sobre a interpretação dos fenômenos espíritas.

Sobre o assunto, recomendamos a obra do Sr. de Mirville e a do Sr. Louis Figuier, que são as mais importantes. A primeira é rica em fatos do mais alto interesse, hauridos em fontes autênticas. Só a conclusão do autor é contestável, porque em toda parte só vê demônios. É verdade que o acaso o serviu ao seu gosto, pondo-lhe sob os olhos aqueles que melhor podiam servi-lo, enquanto lhe ocultava os inumeráveis fatos que a própria religião encara como obra dos anjos e dos santos.


3. — A Histoire du merveilleux dans les temps modernes — Google Books, pelo Sr. Figuier, n é interessante sob outro ponto de vista. Ali se encontram fatos longa e minuciosamente narrados, não se sabe muito bem por quê, mas que devem ser conhecidos. Quanto aos fenômenos espíritas propriamente ditos, ocupam a parte menos considerável dos quatro volumes. Enquanto o Sr. de Mirville tudo explica pelo diabo e outros o explicam pelos anjos, o Sr. Figuier, que não crê nos diabos, nem nos anjos, nem nos bons e nem nos maus Espíritos, explica tudo, ou pensa tudo explicar, pelo organismo humano. O Sr. Figuier é um cientista; escreve com seriedade e se apoia no testemunho de alguns sábios. Pode-se, pois, considerar o seu livro como a última palavra da ciência oficial sobre o Espiritismo. E esta palavra é a negação de todo princípio inteligente fora da matéria. Lamentamos que a Ciência seja posta a serviço de tão triste causa, embora não seja responsável por isso, logo ela que nos desvenda incessantemente as maravilhas da Criação, escrevendo o nome de Deus em cada folha, e nas asas de cada inseto; culpados são os que, em seu nome, se esforçam para convencer que, após a morte, não restam mais esperanças.

Por esse livro os espíritas verão a que se reduzem os raios terríveis que deveriam aniquilar suas crenças. Aqueles que poderiam ter sido abalados pelo temor de um choque, serão fortificados ao constatarem a pobreza dos argumentos que se lhes opõem, as inumeráveis contradições resultantes da ignorância e da falta de observação dos fatos. Sob esse aspecto a leitura pode ser-lhes útil, fosse ainda para poderem falar com maior conhecimento de causa, o que não faz o autor em relação ao Espiritismo, que nega sem o haver estudado, pela simples razão de negar todo poder extra-humano. O contágio de semelhantes ideias não é de temer, pois elas trazem em si mesmas o antídoto: a instintiva repulsa do homem pelo nada. Proibir um livro é provar que o tememos. Nós aconselhamos a leitura do livro do Sr. Figuier.

Se a pobreza dos argumentos contra v Espiritismo é manifesta nas obras sérias, sua nulidade é absoluta nas diatribes e artigos difamatórios, nos quais a raiva impotente se trai pela grosseria, pela injúria e pela calúnia. Seria dar-lhes demasiada importância lê-las nas reuniões sérias. Ali nada há a refutar, nada a discutir e, consequentemente, nada a aprender; não teremos senão que as desprezar.

Vê-se, pois, que fora das instruções dadas pelos Espíritos, existe ampla matéria para um trabalho útil. Acrescentamos mesmo que colheremos nesse trabalho numerosos elementos de estudo para submeter aos Espíritos, em perguntas às quais inevitavelmente ele suscitará. Mas se for necessário suprir a ausência momentânea de médiuns, não se deve cometer o erro de passar sem eles indefinidamente. É preciso nada negligenciar, a fim de os encontrar. Para uma reunião, o melhor é ir buscá-los no próprio meio; e, se se reportarem ao que dissemos sobre o assunto em nossa última obra, n às páginas 306 e 307, ver-se-á que o meio é mais fácil do que se pensa.



[1] [História do Maravilhoso nos Tempos Modernos — Vide, do mesmo autor: História do maravilhoso e do sobrenatural.]


[2] N. do T.: Allan Kardec se refere a O Livro dos Médiuns, publicado no mês anterior.


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