O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano V — Maio de 1862.

(Idioma francês)

Exéquias do Sr. Sanson.

(Membro da Sociedade Espírita de Paris.)  † 
(Sumário)

1. Um dos nossos colegas, o Sr. Sanson faleceu em 21 de abril de 1862, depois de mais de um ano de cruéis sofrimentos. Prevendo a morte, enviara uma carta à Sociedade, datada de 27 de agosto de 1860, da qual extraímos a seguinte passagem:


“Caro e distinto Presidente,

“Em caso de surpresa pela desagregação de minha alma e de meu corpo, tenho a honra de vos lembrar um pedido feito há cerca de um ano: o de evocar o meu Espírito o mais imediatamente possível e tantas vezes quanto julgardes conveniente, a fim de que, membro inútil de nossa Sociedade durante a minha presença na Terra, possa servir-lhe em alguma coisa no além-túmulo, dando-lhe os meios de estudar nessas evocações, fase por fase, as diversas circunstâncias que se seguem ao que o vulgo chama a morte, mas que para nós, espíritas, não passa de uma transformação, segundo as vistas impenetráveis de Deus, mas sempre útil ao fim a que se propõe.

 “Além desta autorização e pedido de me dar a honra dessa espécie de necropsia espiritual, que meu insignificante avanço como Espírito talvez torne estéril, caso em que a vossa sabedoria por certo vos levará a não prosseguir os ensaios além de um certo número, ouso pedir-vos, pessoalmente, bem como a todos os meus colegas, que supliquem ao Todo-Poderoso permitir aos bons Espíritos que me assistam com seus conselhos benevolentes, em particular a São Luís, nosso presidente espiritual, com vistas a me guiar na escolha e no momento de uma reencarnação; porque, desde já, isto me preocupa bastante. Tremo de me enganar quanto às minhas forças espirituais e de pedir a Deus, cedo demais e muito presunçosamente, um estado corporal no qual não pudesse justificar a bondade divina, o que, em vez de servir ao meu adiantamento, prolongaria a minha estada na Terra ou alhures, caso eu falisse.


“Contudo, tendo toda confiança na mansuetude e na indulgente equidade de nosso Criador e de seu divino Filho, e, enfim, esperando sofrer com humildade e resignação a expiação de minhas faltas — salvo aquelas que a misericórdia do Eterno julgar por bem perdoar-me — repito: minha grande preocupação é o medo pungente de enganar-me na escolha de uma reencarnação, caso não fosse auxiliado e guiado pelos Espíritos santos e benevolentes, que poderiam julgar-me indigno de sua intervenção se a isso fossem solicitados apenas por mim; no entanto, a comiseração desses benfeitores poderia ser despertada desde que, pela caridade cristã, fossem invocados por todos vós em meu benefício. Assim, tomo a liberdade de recorrer à vossa proteção, caro Presidente, e a todos os meus honrados colegas da Sociedade Espírita de Paris.”


2. Para correspondermos ao desejo do nosso colega, de ser evocado o mais cedo possível depois da morte, fomos à câmara ardente com alguns membros da Sociedade e, em presença do corpo, estabeleceu-se a conversa que se segue, uma hora antes da inumação. Éramos movidos por um duplo objetivo: o de satisfazer à sua última vontade e mais uma vez observar a situação da alma num momento tão próximo da morte, e isto num homem eminentemente inteligente e esclarecido, profundamente penetrado das verdades espíritas. Queríamos constatar a influência de tais crenças sobre o estado do Espírito, a fim de colher as suas primeiras impressões. Nossa espera, como se verá, não foi vã; por certo cada um encontrará, como nós, um elevado ensino na descrição que ele faz do próprio instante da transição. Acrescentamos, no entanto, que nem todos os Espíritos estariam aptos a descrever esse fenômeno com tanta lucidez quanto ele o fez. O Sr. Sanson deu-se conta de sua morte e de seu renascimento, circunstância pouco comum e que se devia à elevação de seu Espírito.


1. Evocação.

Resposta. – Acorro ao vosso apelo para cumprir a minha promessa.


2. Meu caro Sr. Sanson: cumprimos um dever, que também é um prazer, de vos evocar o mais cedo possível depois da vossa morte, como havíeis desejado.

Resposta. – É uma graça especial de Deus, que permite ao meu Espírito poder comunicar-se. Agradeço a vossa boa vontade; mas estou fraco e tremo.


3. Estáveis tão doente que só agora julgamos ser possível perguntar como vos sentis. Ainda acusais dores? Que sensação experimentais, comparando a situação presente com a de dois dias atrás?

Resposta. – Minha posição é bem feliz, porquanto nada mais sinto de minhas antigas dores; estou regenerado e em estado de novo, como dizeis. A transição da vida terrena à vida dos Espíritos a princípio me havia deixado tudo incompreensível, porque, às vezes, permanecemos alguns dias sem recobrar a lucidez. Mas, antes de morrer, fiz uma prece a Deus, pedindo-lhe poder falar àqueles a quem amo, e Deus me ouviu.


4. Depois de quanto tempo recobrastes a lucidez?

Resposta. – Ao cabo de oito horas. Deus — eu vo-lo repito — me dera uma prova da sua bondade; tinha-me julgado digno e eu jamais lhe serei suficientemente grato por isso.


5. Estais bem certo de que não mais pertenceis ao nosso mundo? Como o constatais?

Resposta. – Oh! certamente. Não; eu não sou mais do vosso mundo; mas estarei sempre perto de vós, para vos proteger e sustentar, a fim de pregar a caridade e a abnegação que foram os guias de minha vida; e, depois, ensinarei a fé verdadeira, a fé espírita, que deve exaltar a crença do justo e do bom. Estou forte, muito forte; numa palavra: transformado. Não mais reconheceríeis o velho enfermo, que devia tudo esquecer, deixando longe de si todos os prazeres, toda a alegria. Sou Espírito: minha pátria é o espaço e meu futuro é Deus, a irradiar-se na imensidade. Gostaria muito de poder falar aos meus filhos, pois lhes ensinaria aquilo que sempre tiveram má vontade para crer.


6. Que sensação produziu em vós o vosso corpo, aqui ao lado?

Resposta. – Pobre corpo meu, ínfimos despojos, deves retornar ao pó! Quanto a mim, guardo boa lembrança de todos os que me estimavam. Olho esta pobre carne deformada, morada de meu Espírito, prova de tantos anos! Obrigado, meu pobre corpo; purificaste o meu Espírito e o sofrimento, dez vezes santo, deu-me um lugar bem merecido, pois que recobro imediatamente a faculdade de vos falar.


7. Conservastes o juízo até o último instante?

Resposta. – Sim, meu Espírito conservou as faculdades. Eu não mais via, mas pressentia; toda a minha vida desdobrou-se ante a minha lembrança e meu último pensamento, minha última prece foi para vos falar, o que agora faço. Depois, pedi a Deus que vos protegesse, a fim de que o sonho de minha vida se realizasse.


8. Tivestes consciência do momento em que o vosso corpo exalava o último suspiro? Que se passou convosco naquele momento? Que sensação experimentastes?

Resposta. – A vida se parte e a vista, ou, antes, a visão do Espírito se extingue; deparamo-nos com o vazio, com o desconhecido e, levados não sei por que sortilégio, nos encontramos num mundo onde tudo é alegria e grandeza. Não sentia mais, não me dava conta e, no entanto, uma felicidade inefável me enchia. Não mais sofria a opressão da dor.


9. Tendes ideia… do que pretendo ler junto à vossa sepultura?


Observação. — Mal eram pronunciadas as primeiras palavras da pergunta o Espírito respondeu, sem deixar que o quesito fosse completado. E respondeu mais, sem ser perguntado, a uma questão que se havia estabelecido entre os assistentes, quanto à oportunidade de ler esta comunicação no cemitério, tendo em vista certas pessoas que poderiam não compartilhar de tais opiniões.


Resposta. – Oh! meu amigo, eu sei, pois vos vi ontem e vos vejo hoje e minha satisfação é muito grande. Obrigado! obrigado! Falai, a fim de que me compreendam e vos estimem. Nada temais, pois respeitam a morte. Falai, pois, a fim de que os incrédulos tenham fé. Adeus. Falai. Coragem, confiança, e que meus filhos possam converter-se a uma crença respeitável.

Adeus.

J. Sanson.


3. Durante a cerimônia no cemitério ele ditou as seguintes palavras:

“Que a morte não vos apavore, meus amigos; ela é uma etapa para vós, se tiverdes sabido bem viver; uma felicidade, se tiverdes merecido dignamente as vossas provas e as tiverdes cumprido convenientemente. Repito: Coragem e boa vontade! Não ligueis aos bens da Terra senão medíocre valor e sereis recompensados; não se pode gozar muito sem atentar contra o bem-estar alheio, e sem causar a si próprio um imenso mal moral. Que a terra me seja leve!”


4. Nota. – Depois da cerimônia, alguns membros da Sociedade se reuniram e receberam espontaneamente a seguinte comunicação, que estavam longe de esperar:


“Chamo-me Bernardo e vivi em 96, n em Passy,  †  então um vilarejo. Eu era um pobre coitado. Ensinava e só Deus sabe os dissabores que tive de suportar. Que tormento prolongado! anos inteiros de preocupações e sofrimentos! e eu amaldiçoei a Deus, ao diabo, aos homens em geral e às mulheres em particular; entre estas nenhuma me veio dizer: Coragem, paciência! Foi preciso viver só, sempre só e a maldade me tornou mau. Desde então erro pelos lugares onde vivi, onde morri.

“Eu vos ouvi falar hoje. Vossas preces me sensibilizaram profundamente. Acompanhastes um bom e digno Espírito e tudo quanto dissestes e fizestes me comoveu. Eu estava em numerosa companhia e, em comum, oramos por todos vós, pelo futuro de vossas santas crenças. Orai por nós, que necessitamos de socorro. O Espírito de Sansão, que nos acompanhava, prometeu que pensaríeis em nós. Desejo reencarcerar-men a fim de que minha prova seja útil e conveniente ao meu futuro no mundo dos Espíritos. Adeus meus amigos; falo assim porque amais os que sofrem. Para vós: bons pensamentos, futuro feliz.”


Como esse episódio se liga à evocação do Sr. Sanson, julgamos por bem mencioná-lo, porque encerra eminente assunto de instrução. Cremos cumprir um dever recomendando esse Espírito às preces de todos os verdadeiros espíritas; elas não poderão senão fortalecê-lo em suas boas resoluções.

A conversa com o Sr. Sanson foi retomada na sessão da Sociedade, na sexta-feira seguinte ao dia 25 de abril e deve ser continuada. Aproveitamos a sua boa vontade e as suas luzes para obter novos esclarecimentos, tão precisos quanto possível, sobre o mundo invisível, comparado com o visível, principalmente sobre a transição de um ao outro, o que interessa a todo o mundo, considerando-se que todas as criaturas, sem exceção, haverão de passar por isso. O Sr. Sanson prestou-se com a sua benevolência habitual. Aliás, como se viu, era seu desejo antes de morrer. Suas respostas formam um conjunto muito instrutivo e de um interesse tanto maior quanto emanam de uma testemunha ocular, que analisa ela mesma suas próprias sensações, exprimindo-se ao mesmo tempo com elegância, clareza e profundidade. Publicaremos a continuação em nosso próximo número.

Um fato importante a ser destacado é que o Sr. Leymarie, médium que serviu de intermediário no dia do enterro e nos dias subsequentes, jamais tinha visto o Sr. Sanson e não conhecia o seu caráter, nem a sua posição, nem os seus hábitos. Não sabia se tinha filhos e, menos ainda, se estes partilhavam ou não de suas ideias sobre o Espiritismo. É, pois, de modo inteiramente espontâneo que o Sr. Leymarie fala do assunto, revelando-se o caráter do morto pelo lápis do médium, sem que a imaginação deste último pudesse influenciar no que quer que fosse.

Um fato não menos curioso, e que prova não serem as comunicações o reflexo do pensamento, é a de Bernardo, em quem nenhum dos assistentes poderia pensar, porque, desde que o médium tomou o lápis, supôs-se que provavelmente seria um desses Espíritos habituais, Baluze ou Sonnet. Neste caso, dever-se-ia perguntar: do pensamento de quem aquela comunicação seria o reflexo?


5. DISCURSO DO SR. ALLAN KARDEC NO ENTERRO DO SR. SANSON.


Senhores e caros colegas da Sociedade Espírita de Paris,

É a primeira vez que conduzimos um de nossos colegas à sua última morada. Este a quem vimos dizer adeus vós o conhecestes e soubestes apreciar as suas eminentes qualidades. Lembrando-as aqui eu não diria senão o que todos já sabeis: coração eminentemente reto, de uma lealdade a toda prova, sua vida foi a de um homem de bem em toda a acepção do termo; penso que ninguém protestará contra este testemunho. Essas qualidades ainda eram realçadas por uma grande bondade e uma extrema benevolência. Haverá necessidade de ter praticado ações brilhantes e de deixar um nome à posteridade? Por certo isto não lhe daria um lugar melhor no mundo onde agora se encontra. Se, pois, sobre a sua tumba não vamos deitar uma coroa de louros, todos quantos o conheceram aqui depositam, na sinceridade de sua alma, coroas mais preciosas ainda: as da estima e da afeição.

Como sabeis, senhores, o Sr. Sanson era dotado de uma inteligência pouco comum e de uma grande justeza de apreciação, ainda mais desenvolvida por uma instrução, ao mesmo tempo variada e profunda. De uma simplicidade patriarcal na maneira de viver ele hauria, dos recursos de seu próprio espírito, os elementos de uma incessante atividade intelectual que aplicava em pesquisas, em invenções, sem dúvida muito engenhosas, mas que, infelizmente, não lhe trouxeram nenhum resultado. Era um desses homens que jamais se aborrecem, porque estão sempre a pensar em algo sério. Embora sua posição o tivesse privado daquilo que faz as delícias da vida, seu bom humor jamais se alterava. Creio não exagerar dizendo que ele era o tipo do verdadeiro filósofo, não do filósofo cínico, mas daquele que está sempre contente com o que tem, sem jamais se atormentar pelo que não possui.

Esses sentimentos por certo constituíam o fundo de seu caráter, mas, nos últimos anos, foram singularmente fortalecidos por suas crenças espíritas; elas o auxiliaram a suportar longos e cruéis sofrimentos com uma paciência e uma resignação verdadeiramente cristãs. Não há um só dentre nós que, o tendo visto em seu leito de dor, não se tenha edificado com a sua calma e com a sua inalterável serenidade. Desde muito tempo ele previa o seu fim, mas, longe de se assustar, o esperava como a hora da libertação. Ah! é que a fé espírita proporciona, nesses momentos supremos, uma força da qual só se dá conta aquele que a possui, e essa força o Sr. Sanson a possuía em grau supremo.

O que é, então, a fé espírita? talvez perguntem alguns dos que me ouvem. — A fé espírita consiste na convicção íntima de que temos uma alma; que esta alma, ou Espírito, o que é a mesma coisa, sobrevive ao corpo; que é feliz ou infeliz, conforme o bem ou o mal que fez durante a vida. Dirão que isso é do conhecimento de todos. Sim, exceto dos que creem que tudo se acaba quando morremos, e estes são mais numerosos do que se pensa neste século. Assim, segundo estes últimos, os despojos mortais que temos sob os nossos olhos e que estarão, dentro de alguns dias, reduzidos a pó, será tudo quando restaria daquele a quem pranteamos. Assim, viemos prestar homenagem a quem? a um cadáver; porque de sua inteligência, de seu pensamento, das qualidades que o faziam amar, nada restará, tudo será aniquilado, como sucederá conosco, quando morrermos! Esta ideia do nada que nos aguarda não tem algo de pungente, de glacial?

Quem é que, em presença desse túmulo entreaberto, não sente correr um arrepio nas veias, só de pensar que amanhã, talvez, o mesmo lhe acontecerá e que, depois de umas padejadas de terra, lançadas sobre o seu corpo, tudo estará terminado para sempre? Depois de tudo isto, quem não pensará mais, não sentirá e não amará de modo mais intenso? Mas ao lado dos que negam, há o número maior ainda dos que duvidam, por não terem uma certeza positiva, e para os quais a dúvida é uma tortura.

Todos vós que credes firmemente que o Sr. Sanson tinha uma alma, que pensais em que se tenha ela tornado? onde está? o que faz? Direis: Ah! se pudéssemos saber! jamais a dúvida teria entrado em nosso coração. Sondai bem o fundo dos vossos pensamentos e convencei-vos de que já aconteceu, a vários dentre vós, falando da vida futura, dizer: “E se não fosse assim?” E dizíeis isso porque não a compreendíeis, porque dela fazíeis uma ideia que não podia conciliar-se com a vossa razão.

Pois bem! o Espiritismo vem fazê-la compreendida; vem, por assim dizer, tocá-la com o dedo e fazer com que seja vista; vem torná-la tão palpável, tão evidente, que negá-la seria negar a própria luz.

Em que se tornou, então, a alma do nosso amigo? Está aqui, ao nosso lado, ouvindo-nos e penetrando o nosso pensamento, julgando o sentimento que cada um alberga nesta triste cerimônia. Esta alma não é o que vulgarmente pensam: uma chama, uma centelha, algo vago e indefinido. Não a vereis, conforme as ideias supersticiosas, correr à noite pela terra como um fogo-fátuo. Não; ela tem uma forma, um corpo como em vida; mas um corpo fluídico, vaporoso, invisível aos nossos sentidos grosseiros e que, no entanto, sob determinadas condições, pode tornar-se visível. Quando este envoltório está gasto e não mais pode funcionar, cai, como a casca de um fruto maduro e a alma o abandona como se deixasse uma roupa velha, que já não serve para nada. É este envoltório da alma do Sr. Sanson, é esta velha roupa que o fazia sofrer, que está no fundo da cova: é tudo o que há dele; mas conservou o envoltório etéreo, indestrutível, radioso, que não está sujeito nem às doenças, nem às enfermidades. É assim que está entre nós. Mas não penseis que esteja só; aqui se acham milhares deles no mesmo caso, que assistem às despedidas que fazemos àquele que parte, e que vêm felicitar o recém-chegado por ter-se libertado das misérias terrestres. De sorte que, se neste momento, o véu que os oculta à nossa vista pudesse ser levantado, veríamos toda uma multidão a nos acotovelar, circulando entre nós, e nesse número veríamos o Sr. Sanson, não mais impotente e deitado no seu leito de sofrimento, mas alerta, lépido, locomovendo-se sem esforço, de um local a outro, com a rapidez do pensamento, sem ser detido por nenhum obstáculo.

Estas almas, ou Espíritos, constituem o mundo invisível, em meio ao qual vivemos sem o perceber, de modo que os parentes e amigos que perdemos estão mais perto de nós depois da morte do que se, em vida, estivessem num país estrangeiro.

É a existência desse mundo invisível que o Espiritismo demonstra, pelas relações que com ele é possível estabelecer, e porque aí encontramos aqueles que conhecemos. Já não se trata de uma vaga esperança: é uma prova patente. Ora, a prova do mundo invisível é a prova da vida futura. Adquirida esta certeza, as ideias mudam completamente, porque a importância da vida terrena diminui à medida que cresce a da vida futura. Esta a fé no mundo invisível que possuía o Sr. Sanson. Via e compreendia tão bem que, para ele, a morte era apenas um limiar a transpor, a fim de passar de uma vida de dores e de misérias para uma vida bem-aventurada.

A serenidade de seus últimos instantes era, pois, ao mesmo tempo, o resultado de sua confiança absoluta na vida futura, que ele já entrevia, e uma consciência irreprochável, que lhe dizia nada dever recear. Esta fé tinha sido haurida no Espiritismo, porque — forçoso é reconhecer — antes da época em que conheceu esta doutrina consoladora era céptico, embora não fosse materialista. Mas suas dúvidas cederam ante a evidência dos fatos que testemunhou; desde então, tudo mudou para ele.

Colocando-se, pelo pensamento, fora da vida material, não mais a via senão como um dia maravilhoso entre um número infinito de dias felizes. Longe de se lamentar da amargura da vida, bendizia os sofrimentos como provas que deveriam acelerar o seu progresso.

Caro Sr. Sanson, sois testemunha da sinceridade do pesar de todos nós que vos conhecemos e cuja afeição sobrevive à vossa morte. Em nome de todos os meus colegas presentes e ausentes, em nome de todos os vossos parentes e amigos, eu vos digo adeus, mas não um eterno adeus, o que seria uma blasfêmia contra a Providência e uma negação da vida futura. Nós, espíritas, menos que as demais pessoas, não devemos pronunciar esta palavra.

Até à vista, pois, caro Sr. Sanson. Que possais fruir, no mundo em que vos encontrais agora, da felicidade que mereceis e vir estender-nos a mão, quando chegar a nossa vez de nele entrar.


6. Permiti-me, senhores, pronunciar uma curta prece sobre esta tumba, antes que ela seja fechada:


“Deus Todo-Poderoso, que a vossa misericórdia se estenda sobre a alma do Sr. Sanson, que acabais de chamar. Possam as provas que sofreu na Terra lhe serem levadas em conta, e as nossas preces suavizar e abreviar as penas que talvez ainda tenha de suportar como Espírito!

“Bons Espíritos que viestes recebê-la, e sobretudo vós, seu anjo-da-guarda, assisti-a, para auxiliá-la a se desembaraçar da matéria; dai-lhe a luz e a consciência de si mesma, a fim de subtraí-la da perturbação que acompanha a passagem da vida corporal à vida espiritual. Inspirai-lhe o arrependimento das faltas cometidas e que lhe seja permitido o desejo de as reparar, a fim de apressar o seu progresso para a vida eterna bem-aventurada.

“Alma do Sr. Sanson, que acabais de entrar no mundo dos Espíritos, estais presente entre nós; vedes e nos ouvis, porquanto entre vós e nós não há senão o corpo perecível, que há pouco deixastes e que logo será reduzido a pó.

“Esse corpo, instrumento de tantas dores, ainda está lá, ao vosso lado. Vós o vedes como o prisioneiro vê as cadeias de que acaba de se libertar. Abandonastes o vosso invólucro grosseiro, sujeito às vicissitudes e à morte, apenas conservando o envoltório etéreo, imperecível e inacessível aos sofrimentos. Se já não viveis pelo corpo, viveis a vida do Espírito, e esta vida é isenta das misérias que afligem a Humanidade.

“Não mais tendes o véu que oculta aos nossos olhos os esplendores da vida futura; doravante podereis contemplar novas maravilhas, enquanto ainda estamos mergulhados nas trevas.

“Ireis percorrer o espaço e visitar os mundos em completa liberdade, enquanto nos arrastamos penosamente na Terra, retidos pelo nosso corpo material, que se nos assemelha fardo por demais pesado.

“O horizonte do infinito vai desdobrar-se diante de vós e, na presença de tanta grandeza, compreendereis a esterilidade de nossos desejos terrenos, de nossas ambições mundanas e de nossas vãs alegrias, transformadas em delícias pelos homens.

“Entre os homens a morte não passa de uma separação material que dura alguns instantes. Do lugar do exílio, onde ainda nos retém a vontade de Deus, bem como os deveres que devemos cumprir na Terra, nós vos seguimos em pensamento até quando nos for permitido reunir-nos a vós, como agora vos reunis àqueles que vos precederam.

“Se não pudermos ir até vós, podeis vir a nós. Vinde, pois, entre os que vos amam e que amastes; sustentai-os nas provas da vida; velai pelos que vos são caros; protegei-os conforme o vosso poder e abrandai os seus pesares pelo pensamento de que agora estais mais feliz e pela certeza consoladora de que um dia estaremos reunidos num mundo melhor.

“Que, doravante, para a vossa felicidade futura, possais ficar inacessível aos ressentimentos terrenos! Perdoai aos que cometeram faltas para convosco; como eles vos perdoam as que podeis ter cometido para com eles.” Amém.



[1] N. do T.: Estaria o Espírito se referindo ao ano de 1796?


[2] N. do T.: Grifo nosso. No original: réincarcérer.


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