O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VI — Setembro de 1863.

(Idioma francês)

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS.


Revelações sobre minha vida sobrenatural.

Por Daniel Dunglas Home. n
(Sumário)

1. — Esta obra é um relato puro e simples, sem comentários nem explicações, dos fenômenos mediúnicos produzidos pelo Sr. Home. Esses fenômenos são muito interessantes para quem quer que conheça o Espiritismo e os possa explicar, mas, por si sós, são pouco convincentes para os incrédulos que, nem mesmo crendo no que veem, acreditam menos ainda no que se lhes conta. É uma coletânea de fatos mais apropriada aos que sabem, do que aos que não sabem, instrutiva para os primeiros, simplesmente curiosa para os segundos. Nossa intenção não é examinar nem discutir aqui esses fatos, que responderiam a uma necessidade já satisfeita com os artigos que publicamos sobre o Sr. Home na Revista Espírita (fevereiro, março, abril e maio de 1858). Apenas diremos que a simplicidade do relato tem um cunho de verdade que não se poderia ignorar e que, para nós, não há nenhum motivo de suspeição de sua autenticidade. O que se lhe pode censurar é o excesso de monotonia e a absoluta ausência de conclusão e de dedução filosófica ou moral. São também muito frequentes as incorreções de estilo; a tradução, sobretudo em certas partes, se afasta bastante do gênio da língua francesa. Se a dúvida é a primeira impressão naquele que não pode dar-se conta dos fatos, quem quer que tenha lido atentamente e compreendido as nossas obras, principalmente O Livro dos Médiuns, reconhecerá ao menos a sua possibilidade, porque terá a sua explicação.


2. — Como se sabe, o Sr. Home é um médium de efeitos físicos de imenso poder. Uma particularidade notável é que ele reúne em si a necessária aptidão para obter a maioria dos fenômenos desse gênero, e isto num grau de certo modo excepcional. Embora a malevolência se tenha deleitado em atribuir-lhe uma porção de fatos apócrifos, ridículos pelo exagero, resta muito para justificar a sua reputação. Sua obra terá, sobretudo, a grande vantagem de separar o verdadeiro do falso.

Os fenômenos que ele produz nos transportam ao primeiro período do Espiritismo, o das mesas girantes, também chamado período da curiosidade, isto é, dos efeitos preliminares, que tinham por objetivo chamar a atenção sobre a nova ordem de coisas e abrir caminho ao período filosófico. Esta marcha era racional, porquanto toda filosofia deve ser a dedução de fatos conscienciosamente estudados e observados, e a que não repousasse senão sobre ideias puramente especulativas não teria base. A teoria, portanto, devia resultar dos fatos, e as consequências filosóficas deviam resultar da teoria. Se o Espiritismo se tivesse limitado aos fenômenos materiais, uma vez satisfeita a curiosidade, teria sido apenas um modismo efêmero. Tem-se a prova disso pelas mesas girantes, que só tiveram o privilégio de divertir os salões durante alguns invernos. Sua vitalidade estava apenas na sua utilidade. Assim, a extensão prodigiosa que ele adquiriu data da época em que entrou na via filosófica. Foi somente a partir dessa época que ele tomou lugar entre as doutrinas.

A observação e a concordância dos fatos levaram à procura das causas; a procura das causas levou a reconhecer que as relações entre os mundos visível e invisível existem em virtude de uma lei. Uma vez conhecida, esta lei deu a explicação de uma imensidade de fenômenos espontâneos até então incompreendidos e reputados sobrenaturais, antes que se conhecessem as suas causas; estabelecidas as causas, esses mesmos fenômenos entraram na ordem dos fatos naturais e o maravilhoso desapareceu. A propósito, pode-se criticar, e com razão, o qualificativo de sobrenatural que o Sr. Home dá à sua vida em sua obra. Outrora, certamente ele teria passado por um taumaturgo; na Idade Média, se tivesse sido monge, tê-lo-iam feito um santo com o dom dos milagres; simples homem do povo, teria passado por feiticeiro e sido queimado; entre os pagãos, dele teriam feito um deus e lhe erigiriam altares. Mas, novos tempos, novos costumes. Hoje é um simples médium, predestinado pelo poder de sua faculdade a restringir o círculo dos prodígios, provando pela experiência que certos efeitos, ditos maravilhosos, não escapam das leis da Natureza.

Algumas pessoas temeram pela autenticidade de certos milagres, vendo-os cair no domínio público. Como o Sr. Home partilhasse esse dom com uma multidão de outros médiuns, que também reproduziam tais fenômenos à vista de todo o mundo, realmente tornava-se impossível considerá-los como derrogações das leis da Natureza, caráter essencial dos fatos miraculosos, a menos que se admita que fosse dado ao primeiro que chegasse o poder de subverter essas leis. Mas, que fazer? Não se pode impedir de ser aquilo que é; não se pode pôr sob o alqueire aquilo que não é privilégio de ninguém. É preciso, portanto, resignar-se a aceitar os fatos consumados, assim como foram aceitos o movimento da Terra e a lei de sua formação. Se o Sr. Home tivesse sido o único no gênero, morto ele, poderiam negar o que fez; mas como negar fenômenos tornados vulgares pela multiplicidade e pela perpetuidade dos médiuns, que surgem diariamente em milhares de famílias, em todos os pontos do globo? Ainda uma vez, quer queiram quer não, é preciso aceitar o que é e o que não se pode impedir.

Mas se certos fenômenos perdem em prestígio do ponto de vista miraculoso, ganham-no em autenticidade. A incredulidade a respeito dos milagres — forçoso é convir — está na ordem do dia e, por isto, a fé estava realmente abalada. Agora, em presença dos efeitos mediúnicos e graças à teoria espírita, que prova que tais efeitos estão na Natureza, a possibilidade desses efeitos está demonstrada e a incredulidade terá de se calar. A negação de um fato leva à negação de suas consequências. Será preferível negar um fato considerado miraculoso a admiti-lo como simples lei da Natureza? As leis da Natureza não são obra de Deus? A revelação de uma nova lei não é prova de seu poder? Será Deus menor por agir em virtude de suas leis do que as derrogando? Aliás serão os milagres atributo exclusivo do poder divino? A própria Igreja não nos ensina que “falsos profetas, suscitados pelo demônio, podem fazer milagres e prodígios que seduziriam até mesmo os eleitos?” Se o demônio pode fazer milagres, pode derrogar as leis de Deus, isto é, desfazer o que Deus fez. Mas em parte alguma a Igreja diz que o demônio possa fazer leis para reger o Universo. Ora, considerando-se que os milagres podem ser realizados por Deus e pelo demônio, e levando-se em conta que as leis são obra exclusiva de Deus, o Espiritismo, provando que certos fatos encarados como exceção são aplicações das leis da Natureza, atesta, por isso mesmo, muito mais o poder de Deus que os milagres, pois não atribui senão a Deus o que, na outra hipótese, poderia ser obra do demônio.


3. — Dos fenômenos produzidos pelo Sr. Home ressalta outro ensinamento, e o seu livro vem provar o que temos dito muitas vezes sobre a insuficiência das manifestações físicas para, sozinhas, levarem a convicção a certas pessoas. É fato bem conhecido que muitas pessoas, embora testemunhassem as mais extraordinárias manifestações, não se deixaram convencer, porque não os compreendiam e por lhes faltar base para firmar um raciocínio, neles vendo apenas charlatanice. Por certo, se alguém fosse capaz de vencer a incredulidade por efeitos materiais, este seria o Sr. Home. Nenhum médium produziu um conjunto de fenômenos mais surpreendentes, nem em condições mais honestas e, contudo, hoje, bom número dos que o viram operando ainda o tratam como hábil prestidigitador. Para muitos ele faz coisas muito curiosas, mais curiosas que as realizadas por Robert Houdin; e eis tudo. Seria de parecer, no entanto, que em presença de fatos tão extraordinários, tornados notórios pelo número e pela qualidade das testemunhas, toda negação fosse impossível e que a França ia ser convertida em massa. Compreende-se que esses fenômenos fossem rejeitados, quando só ocorriam na América, dada a impossibilidade de serem vistos. Mas o Sr. Home veio mostrá-los à fina flor da sociedade e, mesmo aí, encontrou mais curiosos do que crentes, embora desafiasse toda suspeita baseada no charlatanismo. O que faltava a tais comunicações para convencer? Faltava-lhes a chave para serem compreendidas. Hoje não há um só espírita que, tendo estudado um pouco seriamente a ciência, não admita todos os fatos relatados no livro do Sr. Home, sem os ter visto, ao passo que, entre os que os viram, há mais de um incrédulo, como a provar que aquilo que fala ao espírito e se apoia no raciocínio tem um poder de convicção que não possui o que fere apenas os olhos.

Segue-se que a vinda do Sr. Home tenha sido inútil? Certamente não. Dissemos e repetimos: ele apressou a eclosão do Espiritismo na França, pelo brilho que lançou sobre os fenômenos, mesmo entre os incrédulos, provando que não são cercados de mistérios, nem de fórmulas ridículas da magia, e que se pode ser médium sem ter ar de feiticeiro; enfim, pela repercussão que seu nome e o mundo que frequentou deram à coisa. Sua vinda, pois, foi muito útil, ainda quando fosse apenas para dar ao Sr. Oscar Comettant oportunidade de falar e fazer o espirituoso artigo que se conhece, para o qual só faltou ao autor conhecer o que queria criticar, absolutamente como se um homem, que de música nada entendesse, quisesse criticar Mozart ou Beethoven. (Vide relato da obra do Sr. Home pelo Sr. Comettant, no Siècle de 15 de julho de 1863 e algumas palavras nossas na Revista Espírita do mês de agosto seguinte).



[1] Um vol. In-12; traduzido do inglês. Preço: 3 fr. 50, e não 2 fr., como foi erroneamente anunciado no número precedente da Revista. Pelos Correios, 3 fr. 90.


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