O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VII — Dezembro de 1864.

(Idioma francês)

O Sr. Jobard e os médiuns mercenários.

EXEMPLO NOTÁVEL DE CONCORDÂNCIA.
(Sumário)

1. — Uma sonâmbula médium, que pretende ser adormecida pelo Espírito Jobard, n dizia ter recebido uma comunicação dirigida a um outro médium, a quem aconselhava cobrar as consultas dos ricos e dá-las gratuitamente aos pobres e aos operários. O Espírito lhe indicava o emprego do dia, sem poupar elogios a suas eminentes faculdades e a sua alta missão. Tendo alguém levantado dúvidas sobre a autenticidade dessa comunicação, e sabendo que o Espírito Jobard se manifesta frequentemente na Sociedade, pediu-nos que a submetêssemos a um controle.

Para maior segurança, dirigimos imediatamente a seis médiuns estas simples palavras: “Perguntai ao Espírito Jobard se ele ditou à Sra. X…, em sonambulismo magnético, uma comunicação por um outro médium, que o estimula a explorar a sua faculdade. Precisaria desta resposta para amanhã.” Tivemos o cuidado de não os prevenir desta espécie de concurso, de modo que cada um se julgou o único chamado a resolver a questão.

Contávamos com a elevação do Espírito Jobard para se prestar à circunstância, e não se ofender ou se impacientar com esta pergunta, que lhe devia ser dirigida quase simultaneamente de seis pontos diferentes.

No dia seguinte recebemos as respostas abaixo, que fizemos acompanhar de algumas reflexões.


2 (20 de outubro de 1864. – Médium: Sr. Leymarie.)

Pois quê! então, caros amigos, meu nome serve de escudo a toda espécie de gente! Há muito tempo habituei-me a esses plagiadores desonestos que, sucessivamente, me fazem assumir todas as cores, como se eu fosse um camaleão; tomam-me por um palerma. Entretanto, minha vida passada, meus trabalhos e as numerosas provas de identidade, dadas à Sociedade Espírita de Paris, afastam qualquer equívoco quanto aos meus sentimentos. Sou o mesmo, seja como Espírito encarnado, seja como Espírito livre, e minha missão junto a todos vós, meus amigos, é de devotamento e, sobretudo, de desinteresse.

O Espiritismo é uma ciência positiva; os fatos sobre os quais se assenta ainda não estão completos. Mas tende paciência, vós que sabeis esperar, e esta ciência, que nada inventou, já que é uma força da Natureza, provará, aos menos clarividentes, que seu objetivo, todo moral, é a regeneração da Humanidade e que, fora de todas as ciências especulativas, seu ensino é o oposto do materialismo, que procede por hipótese. Proceder com análise, estabelecer fatos para remontar às causas, proclamar o elemento espiritual, depois da constatação, tal é a sua maneira de agir, clara e sem rodeios; é a linha reta, a que deve ser o guia de todo espírita convicto.

Rejeito, pois, o joio do trigo, todos os interesses mesquinhos, os devotamentos pela metade, os compromissos imorais, que são a chaga de nossa fé.

Desde que vos dizeis espíritas, tenho o direito de vos perguntar o que sois, o que quereis ser. Pois bem! se tendes fé, sois, antes de tudo, caridosos. Aos vossos olhos, todos os encarnados sofrem uma provação; como espectadores, assistis a muitos desfalecimentos e, nesse rude combate da vida, no qual os vossos irmãos buscam a luz, vosso dever, de privilegiados que vistes e sabeis, é dar generosamente o que Deus também vos distribuiu com generosidade.

Médiuns, não vos deveis orgulhar, porque a mão que dispensa pode retirar-se de vós. Quando, por vosso intermédio, um Espírito vem consolar, encorajar, ensinar, deveis estar feliz e agradecer a Deus, que vos permite ser a boa fonte, onde os que têm sede vêm saciar-se. Mas esta água não vos pertence, pois pertence a todos: não a podeis vender, nem ceder, porque este domínio não é deste mundo. Queríeis que vos expulsásseis, como aos vendedores do templo?

Ricos ou pobres, acorrei e pedi: cada um de vós tem seu sofrimento secreto; os andrajos de um tornar-se-ão a púrpura de outro numa nova existência, e é por isto que a mediunidade não é usurária: diante dela todos os encarnados são iguais.

Olhai à vossa volta: são ricos, são pobres os que fazem profissão do dom providencial? Eles vendem a ciência dos Espíritos, e o óbolo que recolhem é a gangrena do seu espiritualismo. Fizeram bem em dizer espiritualismo, porque, como sabeis, os espíritas reprovam toda venda moral; a venalidade não é o seu caso. Repelimos do nosso seio todas essas escórias vergonhosas, que fazem rir os assistentes introduzidos em sua loja.

Quanto a mim, caro mestre, respondei àqueles ou àquelas que querem comerciar com o meu nome que, por mais palerma que eu pudesse ser, jamais o seria bastante para apor minha assinatura em escritos falsificados, atribuídos ao vosso devotado,


Jobard.


3 (Médium: Sra. Costel.)

Venho reclamar e protestar contra o abuso que fazem do meu nome. Os pobres de espírito — e os há muito entre os Espíritos — têm o hábito lamentável de apossar-se de nomes que lhes sirvam de passaporte junto a médiuns orgulhosos e crédulos.

Certamente eu não ficaria muito à vontade para defender a nobreza de meu pobre nome, sinônimo de ingênuo. Contudo, espero tê-lo colocado bem alto no julgamento dos que me conheceram para temer solidarizar-me com as banalidades imputadas à minha assinatura. É, pois, apenas por amor à verdade que protesto não haver adormecido nenhuma sonâmbula, nem exaltado nenhum médium. Comunico-me muito raramente, pois tenho muita coisa a aprender para servir de guia e instrutor dos outros.

Em princípio, reprovo a exploração da mediunidade, por uma razão muito simples: não gozando o médium de sua faculdade senão de maneira intermitente e incerta, jamais pode algo prejulgar ou se fundar sobre ela. Assim, erram as pessoas pobres quando abandonam a profissão para exercerem a mediunidade no sentido lucrativo do vocábulo. A pretexto de desempenharem uma missão, muitas delas abandonam o lar, do qual desertam por orgulhosas satisfações e pela importância passageira que lhes concede a curiosidade mundana. Espero que esses médiuns se enganem de boa-fé; mas, enfim, eles se equivocam. A mediunidade é um dom sagrado e íntimo, que não pode ter um consultório aberto. Os médiuns muito pobres para se consagrarem ao exercício de sua faculdade devem subordiná-la ao trabalho que os faz viver. Com isto nada perderá o Espiritismo: ao contrário, muito ganhará em dignidade.

Não quero desencorajar ninguém, nem frustrar nenhuma boa vontade, mas convém que nossa cara doutrina esteja ao abrigo de toda acusação perniciosa. Não se deve suspeitar da mulher de César; tampouco dos espíritas.

Eis o que é dito, e desejo que não reste a menor dúvida quanto às palavras do vosso velho amigo,


Jobard.


4 (Médium: Sr. Rul.)

Como poderiam crer que aquele que, em todas as suas comunicações, recomendou a caridade e o desinteresse, hoje viria contradizer-se?

É uma provação para a sonâmbula e eu a aconselho a não se deixar seduzir pelos maus Espíritos que, por esta pequena especulação de além-túmulo, querem lançar o descrédito sobre os médiuns em geral e, em particular, sobre este de que se trata. Creio não ser necessário fazer de novo minha profissão de fé. Não é àquele que, encarnado, tantas vezes enganado, sempre teve por regra de conduta a retidão e a lealdade, que se podem atribuir semelhantes comunicações! Ele seria feliz se, à maneira do que se faz com certas mercadorias da Terra, se pudessem opor sobre as comunicações de além-túmulo o selo que constata a identidade do autor.

Ainda não estais bastante adiantados, mas, em falta do selo, servi-vos de vossa razão, que não vos pode enganar; e desafio todos os Espíritos, por mais numerosos que sejam, que me façam passar, aos olhos de meus antigos confrades, por mais tolo do que sou. Adeus.


Jobard.


5 (Médium: Sr. Vézy.)

Por que, ainda, tanta tolice entre os que creem de boa-fé? E dizer que se se lhes põe diante dos olhos os verdadeiros princípios da coisa, eles mudam de repente e tornam-se mais incrédulos do que São Tomé!

Ide dizer àquela cara senhora que jamais me comuniquei com ela. Ela vos dirá: é possível, e em vossa presença dará a impressão de que concorda convosco. Mas, no seu foro íntimo, dirá que sois insensatos. Proibir um louco de fazer loucuras é ser mais louco do que ele mesmo, dizem. Entretanto, seria preciso achar um remédio para curar tantos pobres de espírito que se desgarram sozinhos, convencidos que estão de ser guiados por maravilhas.

Na verdade, meu caro presidente, julgais-me capaz de escrever as frivolidades que vos leram? Então seria realmente o caso de me aplicar o nome que eu tinha, por ter ousado escrever semelhantes bobagens. O Espiritismo não se ensina a tanto por lição. Que aquele que não pode levar nossas palavras a seus irmãos senão em detrimento do próprio salário, fique em casa e peça à sua ferramenta ou à sua agulha que continue lhe dando o pão quotidiano. Mas identificar-se com quem dá espetáculos é patinar no domínio da exploração ou do charlatanismo. Que aquele que é pobre e sente coragem para tornar-se apóstolo de nossa doutrina se escude na sua fé e na sua coragem, pois a Providência virá na hora dar-lhe o pão que lhe falta; mas não estenda a mão pelos serviços que prestar, porque seremos os primeiros a gritar: Retira-te daqui, mendigo, e deixa o lugar aos que podem fazer o trabalho. Sempre encontramos bastantes homens de boa vontade para desempenhar a tarefa que lhes pedimos.

Mulheres ou homens que deixais a roda de fiar ou as ferramentas para vos tornardes pregador ou médium e pedis um salário: só o orgulho vos guia. Quereis um pouco de glória em torno de vosso nome: o metal só tem reflexos vis, que o tempo enferruja, enquanto a verdadeira glória tem mais esplendor na abnegação. Prefiro Malfilatre, Gilbert e Moreau, cantando sua agonia num leito de hospital, ao poeta mendicante, que, para preservar o luxo em torno de seu leito de morte, vende o próprio coração. Os desinteressados serão mais bem recompensados; uma felicidade duradoura os espera e seus nomes serão tanto mais poderosos quanto mais lágrimas tiverem derramado e mais suor e poeira coberto suas frontes.

Isto é tudo quanto vos posso dizer a respeito, caro presidente, e aproveito a ocasião que se me apresenta para vos apertar a mão e reiterar todos os meus votos e meus sinceros sentimentos. Conservai sempre a coragem e a energia na tarefa que vos impusestes. Fazei calar os invejosos e os maledicentes que vos cercam por esta firmeza e simplicidade que vos assenta tão bem. Hoje é preciso ser positivo; não vos deixeis arrastar à pesquisa da Lua quando a Terra está aos vossos pés e que nesta tendes com que completar o vosso trabalho. Há materiais em abundância em torno de vós. Provai vossas teorias pelos fatos, e que vossos exemplos não se apóiem em teoremas algébricos, que nem todos poderiam compreender, mas sobre axiomas matemáticos. Uma criança sabe que dois e dois são quatro. Deixai correr na frente os que têm pernas compridas; eles quebrarão o pescoço e é inútil que os acompanheis na queda. Apressemo-nos com prudência; o mundo ainda é novo e os homens dispõem de tempo para se instruírem.

O Sol se põe ao entardecer porque a obscuridade se faz necessária para compreendermos o seu brilho. Por vezes a verdade se veste de trevas para não ofuscar os que a olham muito de frente.


P. – Dissestes que jamais vos comunicastes com aquela senhora. Contudo, ela afirma que a magnetizastes!

Resposta. – Pobre mulher! ela atribui a seres inteligentes o que só a tolice pode ditar, ou então algumas palavras muito boas e muito simples a grandes oráculos. É uma doença que não se deve contrair; tem sede nos nervos e se cura pela prudência e por duchas frias.


Jobard.


6 (Médium: Sra. Delanne.)

Saudações fraternais a todos, meus bons amigos, que trabalhais com ardor para esclarecer a Humanidade. É preciso que redobreis a atenção, porque, neste momento, uma incrível revolução se opera entre os desencarnados. Também tendes entre eles adversários que se empenham em vos suscitar entraves, mas Deus vela por sua obra. Ele vos colocou como cabeça um chefe vigilante, dotado de sangue-frio, perspicácia e uma vontade enérgica para vos fazer vencer os obstáculos que os vossos inimigos visíveis e invisíveis erguem a cada instante aos vossos passos. Por isso ele não se enganou lendo esta comunicação; ele bem compreendeu que Jobard não podia falar assim, nem aprovar semelhante linguajar. Não, meus amigos, o Espiritismo não deve ser explorado por espíritas sinceros e de boa-fé. Pregais contra os abusos desta natureza, que desacreditam a religião; portanto, não podeis praticar o que condenais, porque afastais aqueles que o vosso desinteresse poderia trazer a vós.

Alguma vez já refletistes seriamente nas funestas consequências das reuniões pagas? Compreendei bem que se Allan Kardec autorizasse semelhantes ideias, por seu silêncio ou sua aprovação tácita, em dois anos o Espiritismo estaria exposto a uma multidão de exploradores, e essa coisa santa e sagrada seria desacreditada pelo charlatanismo. Eis a minha opinião. Assim, repilo hoje, como sempre, toda ideia de especulação, seja qual for o pretexto, que entravasse a doutrina, em vez de ajudá-la.

Empenhai-vos, no momento e antes de tudo, a reformar os homens por vossos ensinos e exemplos. Que vosso desinteresse e vossa moderação falem tão alto que nenhum de vossos adversários possam vos censurar. Estando cada um de vós colocado em posições diferentes, deveis trabalhar conforme vossas forças: Deus não pede o impossível. Tende confiança n’Ele, e deixai que cada coisa venha a seu tempo. Se Ele tivesse querido que o Espiritismo marchasse mais rapidamente, teria enviado mais cedo os grandes Espíritos que estão encarnados e que surgirão quase ao mesmo tempo em todos os pontos do globo, quando chegar o tempo. Enquanto esperais, preparai os caminhos com prudência e sabedoria.

Coragem, caro presidente, cada dia as rédeas se tornam mais difíceis. Mas aqui estamos para vos sustentar e Deus vela por vós.


Jobard.


7 (Médium: Sr. d’Ambel.)

Ora, ora! isto vos admira! Mas há tantos bobos no mundo dos Espíritos, como entre vós — e não vos estou ofendendo — que um bobo pôde dar a outro a comunicação sonambúlica em questão.

Quanto ao médium, é preciso inquietar-se tanto? Deixai o tempo passar: é um grande reformador. Os que põem à venda sua mediunidade fazem como certas pessoas que, abrindo um baralho a seus consulentes, dizem: “Eis um homem da cidade, ou um homem do campo; há uma carta em caminho, eis o ás de ouro.” Quem sabe se, nalguns, não é uma volta ao passado, um resquício de antigos hábitos? Pois bem! tanto pior para os que caem nesta difícil situação. Não lucrarão e lamentarão que um dia hajam tomado o caminho errado.

Tudo quanto vos posso dizer é que, estando completamente alheio a esse comércio, bem o sabeis, lavo as mãos e lamento a pobre Humanidade, porque ainda recorre a tais expedientes.

Adeus,

Jobard.


8 OBSERVAÇÕES.


A necessidade de desinteresse nos médiuns de tal modo passou a ser um princípio, que teria sido supérfluo publicar o fato acima, se ele não oferecesse, além da questão principal, um notável exemplo de coincidência e uma prova manifesta de identidade, pela similitude de pensamentos e o cunho de originalidade que, de modo geral, caracterizam todas as comunicações do nosso antigo colega Jobard. É a tal ponto que quando ele se manifesta espontaneamente na Sociedade, é raro que, desde as primeiras linhas, não se adivinhe o autor. Assim, não se levantou nenhuma dúvida quanto à autenticidade das que acabamos de referir, ao passo que, nas que nos haviam pedido para controlar, a fraude salta aos olhos de quem quer que conheça a linguagem e o caráter do Sr. Jobard, bem como os princípios que ele havia professado constantemente, como homem e como Espírito. Teria sido irracional admitir que subitamente ele tivesse mudado em benefício dos interesses materiais de um indivíduo. Que trapaça desastrada!

Quanto à questão do desinteresse, seria inútil repetir tudo quanto foi dito sobre esse ponto, e que se encontra admiravelmente resumido nas respostas do Sr. Jobard. Apenas acrescentaremos uma consideração, que não é sem importância.

Certos médiuns exploradores julgam salvar as aparências fazendo-se pagar apenas pelos ricos, ou só aceitando uma contribuição voluntária. Em primeiro lugar, isto não deixa de ser um ofício, a exploração de uma coisa santa, e um lucro tirado do que se recebe gratuitamente. Quando Jesus e seus apóstolos ensinavam e curavam, não mercadejavam suas palavras, nem os seus cuidados, embora não tivessem renda para viver. Por outro lado, esta maneira de operar não é garantia de sinceridade nem afasta a suspeita de charlatanismo. Certos médicos e certos negociantes de artigos agem com segundas intenções no campo da filantropia, os primeiros dando consultas gratuitas, e os segundos vendendo com prejuízo, ou quase de graça. Em algumas ocasiões, a gratuidade é um meio de atrair a clientela produtiva.

Existe, porém, outra consideração, ainda mais poderosa. Por que sinal reconhecer o que pode ou não pagar? A aparência por vezes é enganosa e, muitas vezes, uma roupa limpa oculta miséria maior que a blusa de um operário. Então é preciso declinar sua pobreza, seus títulos à caridade, ou exibir um atestado de indigência? Aliás, quem diz que o médium, mesmo admitindo de sua parte a maior sinceridade, terá a mesma solicitude para o que não paga, ou paga menos, do que para o que paga generosamente, e que não dará a cada um conforme o seu dinheiro? Que, se um rico e um pobre a ele se dirigissem ao mesmo tempo, não receberia primeiro o rico, que apenas tinha em vista satisfazer à vã curiosidade, enquanto o pobre, que talvez esperasse suprema consolação, seria atendido mais tarde? Sem o querer, sua consciência estará em luta com a tentação da preferência; será levado a olhar melhor para o que paga, ainda mesmo que lhe atirasse com desdém uma moeda de outro, como se faz com um mercenário, enquanto olhará com indiferença os parcos centavos que lhe apresentar timidamente o pobre envergonhado. Tais sentimentos são compatíveis com o Espiritismo? Não é manter entre o rico e o pobre essa demarcação humilhante, que já fez tanto mal, e que o Espiritismo deve fazer desaparecer, provando a igualdade do rico e do pobre perante Deus? pois Deus não mede os raios de seu sol pela fortuna, nem a esta pode subordinar mais consolações do coração que as prodigalizadas aos homens pelos bons Espíritos, seus mensageiros.

Pensando bem, se houvesse uma escolha a fazer, preferiríamos o médium que cobrasse sempre, porque ao menos não há hipocrisia; sabe-se imediatamente com quem se está tratando.

Além do mais, a multiplicidade sempre crescente dos médiuns em todas as camadas da sociedade e no seio da maioria das famílias, tira à mediunidade remunerada toda utilidade e toda razão de ser. Essa multiplicidade matará a exploração pelo sentimento de repulsa que a ela se liga.

Chamam-nos a atenção para o encerramento das atividades de um antigo e numeroso grupo espírita de província, organizado com propósitos interesseiros. O chefe desse grupo, bem como a família, tinha deixado de lado suas obrigações, sob o enganoso pretexto de devotamento à causa, à qual queria consagrar todo o seu tempo. Sua bolsa estaria garantida com os recursos que esperava tirar do Espiritismo. Infelizmente, a exploração da mediunidade está de tal modo desacreditada na província que, na maior parte das cidades, quem dela faz uma profissão, ainda que tivesse as mais transcendentes faculdades, não inspiraria a menor confiança; aí seria muito malvisto e todos os grupos sérios lhe fechariam as portas. A especulação não correspondeu à expectativa e consta que o chefe desse grupo teria se queixado, junto aos seus frequentadores, pelas dificuldades por que passava, pedindo-lhes auxílio. Responderam-lhe que, se estava em apuros, a culpa era sua; que tinha errado em fechar a sua oficina para viver do Espiritismo e cobrar pelas instruções que os Espíritos lhe davam de graça; o médium refutou e pôs a culpa nos Espíritos. Dos nove médiuns presentes, aos quais a questão foi apresentada, oito receberam comunicações censurando sua maneira de agir; só uma o aprovou: era a de sua esposa. Submetendo-se de bom grado ao conselho dos Espíritos, o chefe do grupo anunciou que a partir daquele momento seu grupo estaria fechado. Por certo teria sido mais prudente escutar os conselhos que, desde muito tempo, lhe eram dados por amigos sinceros do Espiritismo.

Um outro grupo, em condições mais ou menos idênticas, aos poucos foi sendo abandonado por seus frequentadores e, finalmente, forçado a se dissolver.

Assim, eis dois grupos que sucumbem sob a pressão da opinião. Escrevem-nos que o parágrafo da Imitação do Evangelho, número 392 e seguintes, por certo não é estranho a esse resultado. Aliás, é impossível que todo espírita sincero, compreendendo a essência e os verdadeiros interesses da doutrina, se torne defensor e suporte de um abuso que, inevitavelmente, tenderia a desacreditá-la. Nós os exortamos a desconfiar das armadilhas que os inimigos do Espiritismo lhes tentassem estender a tal propósito. Sabe-se que em falta de boas razões para o combater, uma de suas táticas é buscar arruiná-lo por si mesmo. Assim, vê-se com que ardor espreitam as ocasiões de o surpreender em falta ou em contradição consigo mesmo. É por isto que os Espíritos nos dizem, sem cessar, que vigiemos e nos mantenhamos em guarda.

Quanto a nós, não ignoramos que nossa persistência em combater o abuso de que falamos não fizeram nossos amigos os que viram no Espiritismo uma matéria explorável, nem os que os sustentam. Mas, que nos importa a oposição de alguns indivíduos! Defendemos um princípio verdadeiro, e nenhuma consideração pessoal nos fará recuar ante o cumprimento de um dever. Nossos esforços tenderão sempre a preservar o Espiritismo da usurpação e da venalidade; o momento presente é o mais difícil, mas, à medida que a doutrina for mais bem compreendida, essa usurpação será menos temível, pois a opinião das massas lhe oporá uma barreira intransponível. O princípio do desinteresse, que satisfaz ao mesmo tempo o coração e a razão, terá sempre as mais numerosas simpatias, e o fará triunfar, pela força das coisas, sobre o princípio da especulação.



[1] Jean-Baptiste-Ambroise-Marcellin Jobard. Autor de Le nouvelles inentions — Google Books.


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