O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VII — Janeiro de 1864.

(Idioma francês)

Inauguração de vários Grupos e Sociedades Espíritas.

(Sumário)

1. — As reuniões espíritas que surgem são tão numerosas que nos seria impossível citar todas as boas palavras ditas a respeito, testemunhando os sentimentos excitados pela doutrina. O novo grupo que acaba de formar-se na ilha de Oléron  †  é tanto mais digno de simpatia quanto o Espiritismo foi, nessas regiões, objeto de uma oposição muito viva. Transcrevemos uma das alocuções que foram pronunciadas na ocasião, para provar como os espíritas respondem aos seus adversários.


DISCURSO DO PRESIDENTE DA SOCIEDADE ESPÍRITA DE MARENNES.  † 

“Senhores e caros irmãos espíritas de Oléron,

“A extensão que diariamente toma o Espiritismo em nossa terra é a prova mais evidente da impotência dos ataques de que é objeto. É como diz o Sr. Allan Kardec: “De duas uma: ou é um erro, ou uma verdade. Se é um erro, cairá por si mesmo, como todas as utopias, que apenas têm existências efêmeras, e morrem por falta de base sólida, única que pode dar a vida; se é uma dessas grandes verdades que, pela vontade de Deus, devem ter lugar reservado na história do mundo e marcar uma era do progresso da Humanidade, nada deterá a sua marcha.”

“Aí está a experiência para mostrar em qual dessas duas categorias o Espiritismo deve ser classificado. A facilidade com que é aceito pelas massas, dizemos mais: a felicidade, a consolação, a coragem contra a adversidade, que se adquire nesta crença, a incrível rapidez de sua propagação, não são mostras de uma ideia sem valor. O mais excêntrico sistema pode fazer seita e reunir em torno de si alguns partidários, mas, semelhante a uma árvore sem raízes, se desfolha rapidamente e morre sem rebentos. É assim com o Espiritismo? Não; sabei-o tão bem quanto eu. Desde seu aparecimento, não cessou de crescer, a despeito dos ataques de que foi objeto, e hoje cravou sua bandeira em todos os pontos do globo; seus partidários se contam aos milhões; e se se considerar o caminho feito nos últimos dez anos, através de um sem-número de obstáculos semeados em sua rota, pode julgar-se o que será daqui a dez anos, tanto mais quanto mais se aplainam os obstáculos, à medida que avança e aumenta o número de seus aderentes. Assim, pois, pode dizer-se, com o Sr. Allan Kardec, que o Espiritismo é hoje um fato consumado; a árvore criou raízes; não lhe resta senão desenvolver-se e tudo concorre para lhe ser favorável, porquanto, malgrado algumas borrascas, o vento é favorável ao Espiritismo. É preciso ser cego para não o reconhecer.

“Uma circunstância contribuiu poderosamente para a sua expansão: é que não é exclusivo de nenhuma religião; sua divisa: Fora da caridade não há salvação ( † ) pertence a todas; é, ao mesmo tempo, a bandeira da tolerância, da união e da fraternidade, em torno da qual todos podem reunir-se, sem abdicarem de sua crença particular. Começa-se a compreender que é um penhor de segurança para a sociedade. Quanto a mim, caros irmãos, vou mais longe e penso que concordareis comigo, quando digo: No momento em que todos os povos tiverem inscrito em sua bandeira Fora da caridade não há salvação, a paz do mundo será garantida e todos os povos viverão como irmãos. Será apenas um belo sonho? Não, senhores, é a promessa feita pelo Cristo e estamos na época de sua realização.

“Que somos nós, nós outros, no grande movimento que se opera? Somos obscuros operários que trazemos nossa pedra ao edifício; mas quando milhões de obreiros tiverem trazido milhões de pedras, o edifício estará concluído. Trabalhemos, pois, com zelo e perseverança, sem nos desanimarmos com a pequenez do sulco que traçamos, pois numerosos sulcos se abrem à nossa volta. Permiti-me uma comparação que, embora material, corresponde a este pensamento. No começo das estradas de ferro, cada pequena localidade queria ter o seu ramal; cada um desses ramais pouco representavam em si mesmo; mas quando todos fossem reunidos, teríamos uma rede imensa, que hoje cobre o mundo e derruba as barreiras dos povos. As estradas de ferro derrubaram as barreiras materiais; a palavra de ordem: Fora da caridade não há salvação ( † ) fará caírem as barreiras morais; fará cessar, sobretudo, o antagonismo religioso, causa de tantos ódios e de conflitos sangrentos, porque, então, judeus, católicos, protestantes e muçulmanos se darão as mãos, adorando, cada um à sua maneira, o único Deus de misericórdia e de paz, que é o mesmo para todos.

“Como vedes, senhores e caros irmãos, o objetivo é grande. Restar-nos-ia examinar a organização de nossa pequena esfera, para transformá-la numa engrenagem útil ao conjunto. Para isto, nossa tarefa é facilitada pelas instruções que encontramos nas obras de nosso chefe venerado e que se tornaram, pode dizer-se, as obras clássicas da doutrina. Seguindo-as pontualmente, estamos certos de não nos transviarmos numa falsa rota, porque essas instruções são o fruto da experiência. Assim, que cada um medite cuidadosamente essas obras, pois nelas encontraremos tudo quanto nos é necessário; aliás, tenho certeza de que o apoio e os conselhos do mestre jamais nos faltarão. A nenhum de nós é permitido esquecer que, se a esperança e a fé penetraram a maioria de nossos corações, se muitos dentre nós fomos arrancados ao materialismo e à incredulidade, devemo-lo à sua coragem perseverante, ao seu zelo, que nem as calúnias, nem as diatribes, nem os ataques de toda sorte abalaram. Tendo sido o primeiro a compreender o imenso alcance do Espiritismo, desde então tudo sacrificou para lhe espalhar os benefícios entre os seus irmãos da Terra. Digamo-lo: evidentemente ele foi escolhido para esse grande apostolado, pois é impossível desconhecer que cumpre entre nós uma missão moralizadora. Eu vos proponho, senhores, votar-lhe os agradecimentos que todos os verdadeiros e sinceros espíritas lhe devem. Ao mesmo tempo, peçamos a Deus que continue a sustentá-lo num empreendimento em que ele é o único em condição de fazê-la frutificar completamente.

“Algumas palavras ainda, senhores, sobre o caráter desta reunião. A máxima que nos serve de guia é capaz de tranquilizar aqueles a quem o nome do Espiritismo poderia intimidar. Com efeito, que se pode temer de gente que faz do princípio da caridade para com todos, amigos e inimigos, a sua regra de conduta? E este princípio para nós é tão sério, que dele fazemos a condição expressa de nossa salvação. Não é a melhor garantia que podemos dar de nossas intenções pacíficas? Quem, pois, poderia ver com maus olhos, mesmo entre os que não compartilham de nossas crenças, pessoas que não pregam senão a tolerância, a união e a concórdia, e cujo único objetivo é reconduzir a Deus os que dele se afastam, combater o materialismo e a incredulidade que invadem a sociedade e ameaçam os seus fundamentos?

“Assim, dirigimo-nos aos que não creem, pois o campo a ceifar é bastante vasto, como disse o Sr. Allan Kardec. Em virtude mesmo do princípio da caridade que nos serve de guia, guardemo-nos de ir perturbar qualquer consciência; acolhamos como irmãos os que vêm a nós, e procuremos não coagir ninguém em sua fé religiosa. Não vimos erguer altar contra altar, mas levantar um onde não existia nenhum. Os que acharem bons nossos princípios, os adotarão; os que os acharem maus, os deixarão de lado e nem por isso os consideraremos menos como irmãos; se nos atirarem a pedra, pediremos a Deus que lhes perdoe a falta de caridade e lhes recorde o Evangelho e o exemplo de Jesus-Cristo, que orava por seus algozes.

“Oremos, pois, caros irmãos, a fim de que Deus se digne estender sobre nós a sua misericórdia e perdoar as nossas faltas, como perdoamos aos que nos querem mal. Digamos todos, do fundo do coração:

“Senhor, Deus Todo-Poderoso, que ledes no fundo das almas e vedes a pureza de nossas intenções, dignai-vos sustentar-nos na nossa obra e protegei nosso chefe; dai-nos a força de suportar com coragem e resignação, e como provas para a nossa fé e nossa perseverança, as misérias que a malevolência possa nos suscitar; fazei que, a exemplo dos primeiros mártires cristãos, estejamos prontos para todos os sacrifícios, para vos provar a nossa submissão à vossa santa vontade. Aliás, que são os sacrifícios dos bens deste mundo quando se tem, como devem tê-lo todos os espíritas sinceros, a certeza dos bens imperecíveis da vida futura? Fazei, Senhor, que as preocupações da vida terrestre não nos desviem do caminho santo por onde nos conduzistes e dignai-vos nos enviar bons Espíritos para nos manterem na via do bem; que a caridade, que é a vossa e a nossa lei, nos torne indulgentes para com as faltas dos nossos irmãos; que ela abafe em nós todo sentimento de orgulho, de ódio, de inveja e de ciúme, e nos torne bons e benevolentes para com todos, a fim de que tanto preguemos pelo exemplo, quanto pela palavra.”


2. — Os delegados de diversos grupos das localidades circunvizinhas se tinham reunido, nessa ocasião, com seus novos irmãos em crença. Vários outros discursos foram pronunciados, todos testemunhando um perfeito entendimento do verdadeiro espírito do Espiritismo. Lamentamos que a falta de espaço não nos permita citá-los, assim como uma notável comunicação obtida na sessão, assinada por François-Nicolas Madeleine que, em termos simples e tocantes, traça os deveres do verdadeiro espírita.

Em Lyon acaba de formar-se um novo grupo em condições especiais, que merecem ser assinaladas, como encorajamento e bom exemplo. Esta reunião tem duplo objetivo: a instrução e a beneficência. No que tange à instrução, ele se propõe dedicar uma parte menor que a geralmente dedicada às comunicações mediúnicas e, em contrapartida, consagrar uma maior às instruções orais, com vistas a desenvolver e explicar os princípios do Espiritismo. No que respeita à beneficência, a nova sociedade se propõe vir em auxílio das pessoas necessitadas, por meio de donativos de objetos comuns, tais como roupa branca, vestuários, etc. Além do que puder recolher, as senhoras que dela fazem parte dão sua quota de trabalho pessoal na confecção de roupas e em visitas aos pobres doentes. Um dos membros dessa sociedade nos escreve a respeito: “Graças ao zelo da Sra. G…, em breve Lyon contará com mais uma reunião espírita. Tal reunião alcançará o objetivo a que se propõe? Só o futuro dirá. Se ainda é pouco numerosa, pelo menos conta com elementos devotados, cheios de fé e de caridade. Podemos fracassar no empreendimento, mas, ao menos, nossas intenções são boas. Bastará que a Sociedade de Paris, sob a égide da qual nos colocamos, nos aprove e nos ajude com seus conselhos, para que perseveremos, auxiliados por seu apoio moral.”

Este apoio jamais faltará a toda obra fundada segundo o verdadeiro espírito do Espiritismo, e que tenha por objetivo a realização do bem. A Sociedade de Paris sempre se rejubila ao ver a doutrina produzir bons frutos. Ela só declinará de qualquer solidariedade em relação a grupos ou sociedades que, desconhecendo o princípio de caridade e de fraternidade, sem o qual não há verdadeiros espíritas, vissem as outras reuniões com maus olhos, lhes atirassem pedras ou procurassem denegri-las sob um pretexto qualquer. A caridade e a fraternidade se reconhecem por suas obras, e não por palavras; é uma medida de apreciação que não enganará senão os que se cegam quanto ao seu próprio mérito, mas não a terceiros desinteressados; é a pedra de toque, pela qual se reconhece a sinceridade de sentimentos. E em Espiritismo, quando se fala de caridade, sabe-se que não se trata apenas daquela que dá, mas, também e sobretudo, da que esquece e perdoa, que é benevolente e indulgente, que repudia todo sentimento de ciúme e de rancor. Toda reunião espírita que não se fundasse sobre o princípio da verdadeira caridade, seria mais prejudicial que útil à causa, porque tenderá a dividir, em vez de unir; aliás, traria em si mesma o seu elemento destruidor. Assim, nossas simpatias pessoais serão sempre conquistadas por todas que provarem, por seus atos, o bom Espírito que as anima, porque os bons Espíritos não podem inspirar senão o bem.

No próximo número, falaremos das novas sociedades espíritas de Bruxelas,  †  Turim  †  e Esmirna,  †  que igualmente se colocam sob o patrocínio da Sociedade de Paris.  † 


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