O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VIII — Agosto de 1865.

(Idioma francês)

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS.


O manual de Xéfolius.

(Sumário)

1. — Este livro é uma nova prova da fermentação das ideias espíritas, muito tempo antes que se cogitasse dos Espíritos. Mas aqui já não se trata de alguns pensamentos esparsos, mas de uma série de instruções que se diriam calcadas sobre a doutrina atual ou, pelo menos, hauridas na mesma fonte. Essa obra, atribuída a Félix de Wimpfen, n guilhotinado em 1793, parece ter sido publicada por volta de 1788. A princípio só foram impressos sessenta exemplares para alguns amigos, conforme aviso colocado no início e, por conseguinte, era excessivamente raro. Eis o texto do prefácio, que traz a data de 1788 e cuja forma, bastante ambígua, bem poderia ser uma maneira de dissimular a personalidade do autor.

“Se eu dissesse de que maneira me caiu nas mãos a obra que hoje entrego ao público, o extraordinário que encerra essa história não satisfaria mais o leitor do que pode inquietá-lo o meu silêncio e eu nada acrescentaria ao preço inestimável do presente que lhe faço. Surpresa e preocupada por esta singularidade, li com uma espécie de desconfiança; mas logo as conjecturas foram abafadas pela admiração. Encontrei o que nenhum filósofo jamais nos havia oferecido, um sistema completo. Senti meu espírito apoiar-se, fixar-se sobre uma base que lhe era em tudo correspondente; senti minha alma elevar-se e crescer; senti meu coração abrasar-se de um novo amor por meus semelhantes; minha imaginação foi ferida por um respeito mais profundo pelo autor de todas as coisas. Vi o porquê de tantos assuntos de murmúrios contra a sabedoria eterna. Encontrando-me melhor e mais feliz, pensei que não era por acaso que eu tinha sido escolhida, e que a Providência me havia determinado para ser o instrumento da publicação desse manual, apropriado a todos os cultos, que ele respeita, a todas as idades, que ele instrui, a todos os estados, que ele consola, do monarca ao mendigo. O sentimento e a razão me levaram a partilhar com meus irmãos as encorajadoras esperanças, as pacíficas resignações, os impulsos para a perfeição, de que me acho penetrada. Fortificada por uma felicidade que até então me era desconhecida, enfrento sem medo o ridículo a que me irão expor os espíritos fortes pela fraqueza e, de antemão, lhes perdoo os pesares com que talvez queiram pagar a felicidade à qual convido o leitor e que, mais cedo ou mais tarde, será sua partilha.”

Um de nossos colegas da Sociedade Espírita de Paris,  †  que mora em Gray,  †  na Haute-Saône, há pouco tempo encontrou esta obra sobre sua mesa; jamais ficou sabendo como e por quem foi trazida, já que não conhece ninguém que o possa ter feito, nem compreendeu o motivo para que alguém se ocultasse. Entre as pessoas que ele frequenta, nenhuma fez alusão a isto em conversa, nem pareceu ter conhecimento do livro, quando dele falou. Tocado pessoalmente pelas ideias que a obra encerra, ele no-lo comunicou em sua última viagem a Paris. Tendo sido publicada uma edição mais recente pela Livraria Hachette, n apressamo-nos em adquiri-lo. Seu título, que infelizmente nada diz, deve ter contribuído para o deixar ignorado pelo público. Cremos que os espíritas nos serão gratos de tirá-lo do esquecimento, chamando a sua atenção. Nada melhor podemos fazer do que citar algumas de suas passagens:


“Partimos todos do mesmo ponto para chegar à mesma circunferência por raios diferentes; e é da diversidade dos tipos que temos usado que provém a diversidade das inclinações dos homens para o seu primeiro protótipo. Quanto às inclinações dos que já usaram vários, elas têm tantas causas diferentes e tantos matizes que, se as quiséssemos indicar, nós nos perderíamos no infinito. Contentar-me-ei, pois, em dizer que, enquanto girarmos apenas no círculo das vaidades, sempre nos assemelharemos; mas aquele que entrou em suas leis não poderá conceber como pôde cometer certas ações tão pouco semelhantes e tão contrárias ao que é atualmente.” (pág. 87).

“O homem não passa de um protótipo disforme ou débil senão quando abusou criminosamente da força e da beleza daquele que acaba de deixar, porque depois que fazemos a sua experiência, somos privados das vantagens de que abusamos, para nos afastarmos da felicidade e da salvação, e recebermos o que delas nos pode aproximar novamente. Se, pois, foi a beleza, renasceremos feios, disformes; se a saúde, fracos, doentios; se as riquezas, pobres, desprezados; se as grandezas, escravos, humilhados; enfim, tais como o jogo das leis universais no-lo mostra, já na Terra, alguns exemplos constantes naqueles que, depois de haverem abusado dos bens passageiros ou de convenção, para ultrajar os seus irmãos, tornaram-se para estes objetos de desprezo e piedade.” (pág. 89).

“Quando julgamos das penas que merecem um crime podemos variar na medida das punições. Mas todos concordamos que o crime deve ser punido. Estaremos igualmente de acordo para concordar que os castigos, que de um mau sujeito fariam um cidadão, seriam preferíeis à barbárie de o supliciar eternamente e inutilmente, para si e para os outros, e que não podendo a Onipotência ser ameaçada, ofendida, perturbada, não pode querer vingar-se; que, assim, tudo quanto experimentamos é apenas para nos esclarecer e nos modificar, mas o preço inestimável que liga o homem a objetos de toda sorte não o faz pensar menos que só precisa de um poder infinito para proporcionar o castigo ao delito do qual se tornou culpado contra si. E em sua louca paixão, imagina que Deus não deixará de vingar-se, como ele se vingaria, se fosse Deus, ao passo que outros procuram persuadir-se de que o Céu não toma nenhum conhecimento de seus crimes; mas é assim que deve raciocinar a maioria dos delinquentes, cada um tomando por base os seus diversos interesses.” (pág. 134).

“Se não houvessem limitado o Universo ao nosso pequeno globo, a um Elíseo, a um Tártaro, todo cercado de velas, teriam sido mais justos para com Deus e para com os homens.

“Não sabes o que fazer desse tirano de Roma que, depois de inumeráveis crimes, morreu lamentando não haver cometido todos aqueles que ainda se encontram na lista. Não podendo fazê-lo passar aos Elíseos, inventas Fúrias, o Tártaro e o precipitas num abismo de penas eternas. Mas quando souberes que aquele tirano, assassinado na flor da idade, não cessou de viver; que passou pelas condições mais abjetas; que foi punido pela lei de talião; que sofreu sozinho tudo quanto fez sofrerem os outros; quando souberes que, instruído pela desgraça, esse grande mestre do homem, modificado pelos sofrimentos, desenganado, esclarecido sobre tudo que o afastava do bom caminho; aquele coração no qual abundavam o erro e os vícios, e que vomitava os crimes que as leis universais fizeram servir para a modificação e salvação de uma grande quantidade de nossos irmãos; quando souberes, digo, que aquele mesmo coração é hoje asilo da verdade, das mais suaves e harmoniosas virtudes, quais serão teus sentimentos para com ele?” (pág. 131).

“Quando os homens imaginaram um Deus vingativo, fizeram-no à sua imagem. O homem se vinga, ou porque se julga lesado ou para provar que não se deve brincar com ele, isto é, que só se vinga por avareza e por medo, crendo só se vingar por um sentimento de justiça. Ora, cada um sabe a que excessos podem levar-nos nossas paixões discordantes. Mas o Eterno, inacessível aos nossos ataques, o Eterno, tão bom quanto justo, só exerce sua justiça na mesma medida da sua bondade. Tendo a sua bondade nos criado para um destino feliz, ele ordenou justamente a natureza das coisas de maneira: 1º – que nenhum crime fique impune; 2º – que, mais cedo ou mais tarde, a punição se torne uma luz para o infrator e para vários outros; 3º – que não podemos alterar nem infringir nossas leis sem cair num mal proporcional à nossa infração e à luxação moral do grau atual de nossa modificação.” (pág. 132).

“Quanto mais avançares, mais encantos encontrarás na prece do amor, porque é pelo amor que seremos felizes e porque, sendo o amor o laço dos seres, teu bom gênio reagirá sobre ti. Esse companheiro invisível é talvez o amigo que julgas ter perdido, ou esse outro tu mesmo, que pensas existir apenas em teu desejo; um momento ainda e estarás com ele e com todos os que terás amado bem, ou que terias amado preferentemente, se os tivesses conhecido.” (pág. 265).

“Quando uma injustiça ou uma maldade despertar em ti o sentimento de indignação, antes de raciocinares sobre essa injustiça ou essa maldade, raciocina teu sentimento, a fim de que não se transmude em cólera. Diz a ti mesmo: é para suportar isto que necessito de sabedoria; não seria uma velha dívida que pago? Se me deixar perturbar, não tardarei a cair. Não estamos todos sob a mão do grande Obreiro e não sabe ele melhor que eu o instrumento de que deve servir-se? Que conselhos eu daria ao meu amigo se o visse na minha posição? Não lhe traria à memória a gradação dos seres? não lhe perguntaria se uma planta silvestre produz frutos tão bons quanto uma árvore enxertada? se gostaria de continuar tão atrasado quanto o perverso, a fim de poder assemelhar-se a ele? se o golpe que acaba de receber não cortou um elo que desconhecia ou que ele próprio não tinha força de romper? Não terminaria eu por fixar o seu olhar sobre esta felicidade eterna, preço do complemento de uma harmonia na qual só fazemos progressos à medida que nos esclarecemos e nos destacamos dos miseráveis interesses de onde nascem os choques contínuos e nos elevamos acima do finito?” (pág. 310).


2. — Estas citações dizem bastante para dar a conhecer o espírito dessa obra e tornar supérfluo qualquer comentário. Tendo perguntado ao guia de um dos nossos médiuns, Sr. Desliens, quanto à possibilidade de evocar o Espírito do autor, ele respondeu: “Sim, certamente, e com muito mais facilidade, porque não é a sua primeira comunicação. Vários médiuns já foram dirigidos por ele em diversas circunstâncias. Mas deixo a ele mesmo o encargo de se explicar. Ei-lo.”

Depois de evocado e interrogado quanto às fontes onde teria haurido as ideias contidas em seu livro, o Espírito deu a seguinte comunicação (29 de junho de 1865):

“Considerando-se que lestes uma obra cujo mérito não é apenas meu, deveis saber que o bem da Humanidade e a instrução dos meus irmãos foram o objetivo de meus mais caros desejos.

Equivale a dizer que venho com prazer vos dar as informações que esperais de mim. Já compareci diversas vezes às sessões da Sociedade, não só como espectador, mas como instrutor; e não vos admireis do que avanço, quando vos disser, como já o sabeis, que os Espíritos tomam, em suas comunicações, o nome-tipo do grupo a que pertencem. Assim, tal Espírito que assina Santo Agostinho não será o Espírito Santo Agostinho, mas um ser da mesma ordem, chegado ao mesmo grau de perfeição. Isto posto, sabei que fui, quando na vida do corpo, um desses médiuns inconscientes que se revelam frequentemente em vossa época. Por que falei de chofre, e de maneira que parece prematura? É o que vos vou dizer:

“Para cada aquisição do homem, nas ciências físicas ou morais, diversas balizas, a princípio menosprezadas e repelidas para depois triunfarem, tiveram de ser plantadas a fim de insensivelmente preparar os Espíritos para os movimentos futuros. Toda ideia nova, fazendo, sem precedente, sua entrada no mundo que se costuma chamar sábio, quase não tem chance de êxito, em razão do espírito de partido e das oposições sistemáticas dos que o compõem. Entregar-se a novas ideias, cujo sabedoria entretanto reconhecem, é para eles uma humilhação, porque seria confessar sua fraqueza e provar a insanidade de seus sistemas particulares. Preferem negar por amor-próprio, por respeito humano, por ambição mesmo, até que a evidência os force a admitir que estão errados, sob pena de se verem cobertos do ridículo que tinham querido lançar sobre os novos instrumentos da Providência.

“Foi assim em todos os tempos; também foi com o Espiritismo. Não fiqueis, pois, admirados por encontrar em épocas anteriores ao grande movimento espiritualista, diversas manifestações isoladas, cuja concordância com as da hora presente prova, mais uma vez, a intervenção da Onipotência em todas as descobertas que a Humanidade erroneamente atribui a um gênio humano particular.

“Sem dúvida, cada um tem seu próprio gênio; mas, reduzido às próprias forças, que faria? Quando um homem, dotado de inteligência capaz de propagar novas instituições com alguma chance de sucesso, aparece na Terra ou alhures, é escolhido pela hierarquia dos seres invisíveis encarregados pela Providência de velar pela manifestação da nova invenção, a fim de receber a inspiração dessa nova descoberta e trazer, progressivamente, os incidentes que devem assegurar o seu êxito.

“Dizer-vos o que me levou a escrever esse livro, manifestação verdadeira de minha individualidade, ter-me-ia sido impossível no tempo de minha encarnação. Agora vejo claramente que fui instrumento, em parte passivo, do Espírito encarregado de me dirigir para o ponto harmonioso, sobre o qual eu me devia modelar para adquirir a soma das perfeições que me era dado alcançar na Terra.

“Há duas espécies de perfeições bem distintas uma da outra: as relativas, que são inspiradas pelo guia do momento, guia ainda muito longe de estar no topo da escada das perfectibilidades, mas apenas ultrapassando seus protegidos, em razão da compreensão de que são capazes; e a perfeição absoluta que, para mim, ainda não passa de uma aspiração velada, razão por que a ignoro e à qual se chega pela sucessão das perfeições relativas.

“Em cada mundo que percorre, a alma adquire novos sentidos morais, que lhe permitem conhecer coisas de que não fazia a mínima ideia. Dizer-vos o que fui? que posição ocupo na escala dos seres? Para quê? Que utilidade teria para mim um pouco de glória terrestre?… Prefiro conservar a doce lembrança de ter sido útil aos semelhantes na medida de minhas forças e continuar aqui a tarefa que Deus, em sua bondade, me havia imposto na Terra.

“Instruí-me instruindo os outros. Aqui faço o mesmo. Apenas vos direi que faço parte dessa categoria de Espíritos que designais pelo nome genérico de São Luís.”


3. P. – Poderíeis dizer-nos: 1º – se, em vossa última encarnação éreis a pessoa designada no prefácio da reedição de vossa obra, sob o nome de Félix de Wimpfen? 2º – se fazíeis parte da seita dos teósofos,  †  cujas opiniões se aproximavam muito das nossas; 3º – se deveis reencarnar em breve e fazer parte da falange de Espíritos destinada a acabar o grande movimento a que assistimos. O Sr. Allan Kardec tem a intenção de dar a conhecer o vosso livro e ficaria satisfeito se tivesse a vossa opinião a respeito.

Resposta. – Não; não fui Félix de Wimpfen, crede-me. Se o tivesse sido não hesitaria em vo-lo dizer. Ele foi meu amigo, bem como diversos outros filósofos do século dezoito; também partilhei de seu fim cruel [na guilhotina]. Mas, repito, meu nome ficará desconhecido e me parece inútil dá-lo a conhecer.

Certamente fui um teósofo, sem partilhar do entusiasmo que distinguiu alguns dos partidários daquela escola.

Tive relações com os principais dentre eles e, como pudestes ver, minhas ideias eram em tudo conformes às deles.

Estou inteiramente submetido aos decretos da Providência, e se lhe aprouver mandar-me de novo a esta Terra para continuar a me purificar e esclarecer, eu bendirei sua bondade. Aliás, é um desejo que formulei e cuja realização espero ver em breve.

Vindo o conhecimento de meu livro apoiar as ideias espíritas, só posso aprovar o nosso caro presidente por ter pensado nisto. Mas talvez ele não seja o primeiro instigador dessa diligência e, de minha parte, estou certo de que alguns Espíritos de meu conhecimento contribuíram para pô-lo entre suas mãos e para lhe inspirar as intenções que tomou a esse respeito.

Quando me evocardes especialmente eu me farei reconhecer; mas se vier vos instruir como no passado, não reconhecereis em mim senão um dos Espíritos da ordem de São Luís.



[1] [Georges-Louis-Félix Wimpffen, nasceu em 5 de novembro de 1744 em Deux-Ponts  †  e faleceu em Bayeux  †  a 23 de fevereiro de 1814, foi um general do Império Francês.]  † 


[2] Um vol. In-12. Preço: 2 fr. 50; pelo correio: 2 fr. 80. [Le manuel de Xéfolius, par Félix de Wimpffen — Google Books.]


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