O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano XI — Maio de 1868.

(Idioma francês)

O Doutor Philippeau.

Impressões de um médico materialista no mundo dos Espíritos.

Numa reunião íntima de família, em que se ocupavam de comunicações pela tiptologia, dois Espíritos se manifestaram espontaneamente, sem qualquer evocação prévia e sem que ninguém pensasse neles: um era o de um médico distinto, que designaremos sob o nome de Philippeau, morto há pouco e que, em vida, tinha feito profissão aberta do mais absoluto materialismo; n o outro era o de uma mulher que assinou Santa Vitória. É essa conversa que relatamos a seguir. É de notar que as pessoas que obtiveram esta manifestação não conheciam o médico senão por sua reputação, mas não tinham qualquer ideia de seu caráter, de seus hábitos, nem de suas opiniões; a comunicação, portanto, não poderia ser de modo algum o reflexo de seu pensamento, e isto tanto menos quanto, sendo obtida pela tiptologia, era inteiramente inconsciente.

Perguntas do médico. — O Espiritismo me ensina que é preciso esperar, amar, perdoar; eu faria tudo isto se soubesse como proceder para começar. É preciso esperar o quê? É preciso perdoar o que e a quem? É preciso amar o quê? Respondei-me.


Philippeau.


Resposta. — É preciso esperar na misericórdia de Deus, que é infinita; é preciso perdoar aos que vos ofenderam; é preciso amar ao próximo como a si mesmo; é preciso amar a Deus, a fim de que Deus vos ame e vos perdoe; é preciso orar e lhe render graças por todas as suas bondades, por todas as vossas misérias, porquanto miséria e felicidade tudo nos vem dele, isto é, tudo nos vem dele conforme o que tenhamos merecido.

Aquele que expiou, mais tarde terá a sua recompensa; cada coisa tem a sua razão de ser, e Deus, que é soberanamente bom e justo, dá a cada um segundo as suas obras. Amar e orar, eis toda a vida, toda a eternidade.


Santa Vitória. n


O médico. — Eu queria, de toda a minha alma, vos satisfazer, senhora, mas temo muito não o poder fazer inteiramente; contudo, vou tentar.

Uma vez morto, materialmente falando, pensava que tudo estivesse acabado; assim, quando minha matéria ficou inerte, fui tomado de espanto ao me sentir ainda vivo.

Vi esses homens me levarem e disse a mim mesmo: Mas eu não estou morto! Então esses médicos imbecis não veem que eu vivo, respiro, ando, olho-os, sigo-os, a essa gente que vem ao meu enterro? Que é então o que enterram?… Então não sou eu… Escutava uns e outros: “Esse pobre Philippeau, diziam eles, fez muitas curas; matou alguns; hoje é a sua vez; quando a morte chega, nós perdemos o nosso tempo.” Por mais que eu gritasse: “Mas Philippeau não morre assim; não estou morto!”, não me escutavam, não me viam.

Assim se passaram três dias; eu estava desaparecido do mundo, e me sentia mais vivo que nunca. Seja acaso, seja Providência, meus olhos caíram sobre uma brochura de Allan Kardec; li suas descrições sobre o Espiritismo, e me disse: Seria eu, por acaso, um Espírito?… Li, reli e então compreendi a transformação de meu ser; eu não era mais um homem, mas um Espírito!… Sim; mas, então, que tinha a fazer nesse mundo novo? nessa nova esfera?… Eu errava, procurava: encontrei o vazio, o sombrio, enfim o abismo.

Que fizera, então, ao deixar o mundo, para vir habitar essas trevas?… Então o inferno é negro e foi nesse inferno que caí?… Por quê?… Por que trabalhei toda a vida? Por que empreguei minha existência a cuidar de uns e de outros, a salvá-los quando minha ciência mo permitia?… Não!… não!… Por que, então? Por quê?… procura! procura! Nada; não encontro nada.

Então reli Allan Kardec; esperar, perdoar e amar, eis a solução. Agora compreendo o resto; o que não compreendera, o que negara: Deus, o Ser invisível e supremo, é preciso que lhe peça; o que eu fizera pela Ciência, é preciso que faça para Deus; que estude, que realize a minha missão espiritual. Compreendo essas coisas ainda vagamente e vejo longos combates em minha mente, porque todo um mundo novo se abre para mim e recuo apavorado diante do que tenho a percorrer. E, contudo, dizeis que é preciso expiar; esta Terra me foi muito penosa, pois me foi necessário mais sofrimento do que podeis imaginar para chegar aonde cheguei! A ambição era o meu único móvel; eu a queria e cheguei.

Agora tudo está para refazer. Fiz tudo ao contrário do que devia. Aprendi, aprofundei a Ciência, não por amor a ela, mas por ambição, para ser mais que os outros, para que falassem de mim. Tratei do meu próximo, não para o aliviar, mas para me enriquecer; numa palavra, fui todo para a matéria, quando se deve ser todo para o espírito. Quais são hoje as minhas obras? A riqueza, a Ciência; nada! nada! Tudo esta por refazer?

Terei coragem para isto? terei a força, os meios, a facilidade?… O mundo espiritual em que marcho é um enigma; a prece me é desconhecida; que fazer? quem me ajudará? Talvez vós, que já me respondestes… Cuidado! a tarefa é rude, difícil, o aprendiz rebelde às vezes… Contudo procurarei render-me às vossas boas razões e vos agradecer antecipadamente as vossas bondades.


Philippeau.



[1] N. do T.: Estaria Kardec se referindo a Velpeau,  †  famoso cirurgião francês, morto em 1867, e que encarna perfeitamente o ateu designado sob o pseudônimo de Philippeau?


[2] [v. Santa Vitória.]


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