O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho — Humberto de Campos


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Fim do Primeiro Reinado

1 Um dos traços característicos do povo brasileiro é o seu profundo amor à liberdade. A largueza da terra e o infinito dos horizontes dilataram os sentimentos de emancipação em todas as almas chamadas a viver sob a luz do Cruzeiro. Desde a formação dos primeiros movimentos nativistas, a mentalidade geral do Brasil obedeceu a esse nobre imperativo de independência e, ainda hoje, todas as ações revolucionárias que se verificam no país, lamentavelmente embora, trazem no fundo esse anseio de liberdade como o seu móvel essencial.

2 A atitude de D. Pedro I,  †  ordenando a dissolução da Constituinte, em 1824, encontrara funda repercussão no espírito geral.

Se bem ignorasse o que vinha a ser uma constituição boa e justa, o povo a reclamava, dentro do seu conhecimento intuitivo, acerca da transformação dos tempos.

3 O imperador, apesar das suas paixões tumultuárias e das suas fraquezas como homem, possuía notável acuidade, em se tratando de psicologia política. Os estudiosos que viram na sua personalidade somente o amoroso insaciável, muitas vezes não lhe reconhecem o espírito empreendedor na direção da causa pública, inaugurando a era constitucional do Brasil e Portugal, com as suas valorosas iniciativas. É de lamentar os seus transviamentos amorosos e a tragédia da sua vida conjugal, quando a seu lado tinha uma nobre mulher, cujas renúncias e dedicações elevavam-se ao heroísmo supremo; mas, nos instantes em que seu coração se tocava das ideias generosas, criando no seu mundo íntimo o estado receptivo propício às inspirações do Mundo Invisível, as falanges de Ismael aproveitavam o minuto psicológico para auxiliá-lo na tarefa de consolidação da liberdade da pátria do Evangelho. Foi, desse modo, que muitos decretos foram lançados de suas mãos objetivando, inegavelmente, a tranquilidade geral.

4 Como dizíamos, a sua resolução extrema dissolvendo a Assembleia e exilando os Andradas, ( † ) ( † ) ( † ) havia cavado um abismo entre ele e a opinião pública, intransigentemente apaixonada pela emancipação do país. As lutas isoladas multiplicavam-se assustadoramente. No Rio e nas províncias, tudo era um clamor surdo de protestos contra os atos de D. Pedro, que, aliás, não poderia manter outra atitude em face do ambiente confuso do país.

5 A província de Pernambuco onde se fixaram, inicialmente, as balizas dos grandes sentimentos da liberdade e da democracia com a influência de Maurício de Nassau,  †  guardava, mais que nunca, o sentimento de independência e de autonomia. Todas as grandes ideias encontravam, no Recife, o clima apropriado ao seu desenvolvimento e foi justamente aí, que as deliberações de D. Pedro feriram mais fundo. 6 A 24 de julho de 1824 estalam, na terra pernambucana, os primeiros movimentos da Confederação do Equador,  †  que se ramificava por toda a região do norte e vinha proclamar as generosas ideias republicanas. Paes de Andrade   †  coloca-se à frente da ação revolucionária, com o objeto de agir contrariamente ao imperador, a quem se atribuía o propósito de reunir as coroas do Brasil e de Portugal, reintegrando-se o primeiro na vida colonial. Mas o governo central providencia energicamente. Lord Cóchrane  †  e Lima e Silva   †  são enviados com urgência para eliminar a insurreição. 7 Em Pernambuco, o Marquês do Recife,  †  com todo o seu prestígio entre os lavradores inicia a defesa do governo imperial e prestigia as tropas enviadas, que sufocam o movimento. Os republicanos são vencidos e presos. Paes de Andrade refugia-se num navio inglês, conseguindo escapar à ação repressiva do Império, mas João Ratcliff   †  e Frei Caneca   †  pagam com a vida o sonho republicano. Executados militarmente, são eles o doloroso escarmento para os companheiros. Ambos iam, porém, associar-se aos trabalhos do Infinito, sob a direção de Ismael, cuja misericórdia alentava as energias da pátria brasileira.

8 Com o desaparecimento da Confederação do Equador, as agitações intestinas não haviam terminado. Os reinóis, espalhados por todos os recantos do país, esperavam um golpe de unificação das duas pátrias, sonhando com o regresso à vida colonial em benefício dos seus interesses econômicos. Os brasileiros, todavia, entravam em luta com os portugueses, constituindo esses movimentos uma ameaça constante à paz coletiva, durante vários anos.

9 Por essa época, o Mundo Invisível atua de maneira sensível entre os gabinetes políticos, para que a Província Cisplatina  †  fosse reintegrada em sua liberdade, após a conquista indébita levada a efeito pelas forças armadas de D. João VI,  †  em 1821, sob a inspiração de D. Carlota Joaquina.  †  A imposição para submete-la era francamente impopular, porquanto, desde os primórdios da civilização brasileira, os mensageiros de Jesus difundiram o mais largo conceito de fraternidade dentro da pátria do Cruzeiro, onde todo o povo guarda a tradição da solidariedade e da autonomia. 10 E a realidade é que Ismael triunfava sempre. Apesar das primeiras vitórias das armas brasileiras, a Província Cisplatina, que não era um produto elaborado pela pátria do Evangelho e nem fruto de trabalho dos portugueses, separava-se definitivamente do coração geográfico do mundo, com a mediação pacífica da Inglaterra, para formar o território que se constituiu como a Banda Oriental do Uruguai.

11 Enquanto se desenrolavam esses acontecimentos, a opinião pública do Brasil não abandonava a crítica a todos os atos e deliberações do imperador. D. Pedro,  †  senhor da psicologia dos tempos novos, não ignorava quanta decisão exigiam os afazeres penosos do governo. Seus ministérios, no Rio de Janeiro, formavam-se para se desfazerem em curtos períodos de tempo. O país andava agitado e apreensivo, temendo as suas resoluções e espreitando os seus menores gestos. As suas aventuras amorosas eram perfidamente comentadas pelas anedotas da malícia carioca. O povo, conhecendo alguma cousa da sua conduta particular, encarregou-se de organizar a maior parte de todas as histórias ridículas em torno da sua personalidade, que, se era rude e sensual, não era diferente da generalidade dos homens da época e possuia, não raras vezes, rasgos generosos que tocavam nos mais altos cumes do sentimento.

12 A imprensa  †  começada pelo Conde de Linhares  †  em 1808, sob a proteção de D. João VI, no casarão da rua do Passeio, não o abandonou, transformando-se em sentinela dos seus menores pensamentos.

O imperador era acusado de proteger, criminosamente, os interesses portugueses, embora as suas ações em contrário.

13 Muitas vezes, nos seus momentos de meditação, no paço de São Cristóvão,  †  já no tempo de suas segundas núpcias, deixava ele vagar o espírito pelo mundo rico das suas experiências, acerca dos homens e da vida, para reconhecer que todo aquele ódio gratuito advinha-lhe da situação de português nato. O Brasil era reconhecido à sua ação, no que se referia à independência política, mas não tolerava a origem do seu imperador, em se tratando dos problemas da sua autonomia.

14 Após a “noite das garrafadas”,  †  em que os partidos políticos se engalfinharam na praça pública, de 13 para 14 de março de 1831, D. Pedro compareceu a um Te Deum  †  na igreja de São Francisco, sendo recebido, depois da cerimônia religiosa, pelo povo que o rodeou, com algumas demonstrações de desagrado.

15 Para conciliar os ânimos exaltados do partidarismo, D. Pedro organiza um novo ministério, todo ele formado por homens de sua absoluta confiança. O povo, entretanto, enxergando dentro do novo gabinete ministerial somente aqueles que considerava como os palacianos de São Cristóvão, reuniu-se no Campo de Santana,  †  capitaneado por demagogos do tempo e, em poucos minutos, a revolução se alastrava pela cidade inteira. 16 Deputações populares são enviadas ao imperador, que as recebe com serenidade e indiferença. No seio dos revoltosos estão os seus melhores amigos. Os senhores da situação eram os mesmos a quem o imperador havia amparado na véspera. O próprio exército que ele organizara com infinito desvelo, voltava-se contra ele naquela noite memorável. 17 D. Pedro, depois de ouvir à meia-noite as explicações do major Miguel de Frias,  †  que viera a palácio em busca da sua decisão quanto às exigências do povo, que lhe impunha o antigo ministério, mandou chamar o chefe da guarda do regimento de artilharia, aquartelado em São Cristóvão, ordenando, com serena nobreza, que se reunisse com os seus às tropas revoltadas e acrescentando generosamente: — “Não quero que ninguém se sacrifique por minha causa.”

18 Depois da meia noite, preferiu ficar só, na quietude do seu gabinete. Ali, considerou o patrimônio das suas experiências sagradas. Através do silêncio e da sombra, a voz de seu pai, já na vida livre dos Espaços, falava-lhe brandamente ao coração. Os mensageiros de Ismael auxiliam-lhe o cérebro esgotado na solução do grande problema, e às duas horas da madrugada de 7 de abril de 1831, sem ouvir sequer os seus ministros e conselheiros, o imperador abdicava na pessoa do filho, D. Pedro de Alcântara,  †  que contava então cinco anos e ficaria sob a esclarecida tutela de José Bonifácio.  † 

19 De manhã, já o ex-imperador do Brasil, junto de sua família, achava-se a bordo da nau inglesa “Warspite”, de onde se transferia à “Volage” para, através dos oceanos, ser conduzido aos mesmos triunfos da generosa ideia de liberdade.  † 


Humberto de Campos

(Irmão X)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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