O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Cartas do Alto — Autores diversos


ANEXO A


Poetas do Outro Mundo

Humberto de Campos

Francisco Candido Xavier é o nome de um moço de origem humilde, nascido em Pedro Leopoldo, Estado de Minas Gerais, em 1910. Após um estágio na escola primaria de sua terra, entrou como operário e órfão, para uma fábrica de tecidos e, em seguida, para um estabelecimento comercial. E como este mundo não lhe parecesse dos mais amáveis, começou a pensar no outro, aderindo ao Espiritismo, com as altas funções e responsabilidades de “médium”.

Lidando nesta vida, com os Espíritos medíocres que frequentam a casa de comércio em que trabalha, resolveu Francisco Candido Xavier tornar-se mais exigente no reino das sombras, buscando, nele, para conversar, inteligências superiores, homens de letras e, especialmente, poetas, que já haviam passado por este mundo.

Nessas palestras em que a boca se mantinha em silêncio, transmitiam-lhe os seus novos amigos algumas poesias elaboradas depois de desencarnados, e que o jovem caixeiro de Pedro Leopoldo ia escrevendo mecanicamente, sem esforço do braço ou da imaginação. Esses Espíritos eram, ordinariamente, Guerra Junqueiro, Antero do Quental, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Casimiro de Abreu, João de Deus, Auta de Souza, Pedro II, Souza Caldas, Júlio Diniz, Cruz e Souza e Casimiro Cunha, poeta vassourense. Às vezes aparecia, também, um anônimo, cuja modéstia não desaparecera nem no outro mundo. E cada um deles escrevia o seu soneto, ou a sua poesia, com a pena de Francisco Candido Xavier, o qual, reunindo-as, acaba de publicar o “Parnaso de Além-túmulo”, editado pela Federação Espírita Brasileira.

O primeiro pensamento que assalta o leitor, antes de examinar o merecimento literário da obra, é a ideia de que, nem no outro mundo, estará livre dos poetas. A poesia é uma predestinação de tal modo fatal, irremediável, que a vitima não se livra dessa maldição nem mesmo depois da morte. Quem fez sonetos ou redondilhas neste planeta, está condenado a faze-las em todos os pontos do espaço e da eternidade a que o leve o dedo divino. E sem variar de temas. E sem modificação de ritmos, de rimas ou de inspiração.

Admitindo essa verdade, a vida literária no outro mundo deve ser mais variada, embora mais fatigante, do que neste. Lá estarão, ainda, Anchieta, a celebrar a Virgem Maria em língua tupi; Botelho de Oliveira a cantar no estilo da “Ilha da Maré” e da “Música do Parnaso”; Claudio Manoel da Costa, escrevendo sonetos clássicos; Gonçalves Dias, com a sua lira romântica; e os parnasianos; e os simbolistas; e os futuristas, que morreram antes do futurismo morrer. A vantagem apresentada por essa reunião de escolas ficará, todavia, comprometida pela eternidade da produção. A superioridade que esta vida apresenta sobre as outras está, precisamente, no seu caráter transitório. Quando um individuo, entre nós, dizendo-se benquisto dos deuses, empunha a lira, ficamos certos, desde logo, que ele um dia emudecerá. E é esse consolo que não têm os habitantes do Astral, os quais se acham condenados a escutar os maus poetas até a consumação dos séculos.

O inferno católico é, nesse particular, mais bem organizado do que os mundos em que o Espiritismo coloca os mortos. Quando Dante nele penetrou, lá encontrou Virgílio, e outros mestres latinos e medievais. Travou com eles palestras, sobre a existência que levavam; e nenhum lhe recitou versos novos, — fato que prova, e sobejamente, que os Demônios lhes tomaram a lira, a bem da ordem interna do estabelecimento, no momento da entrada.

O “Parnaso de Além-túmulo” do Sr. Francisco Candido Xavier torna-se, por isso mesmo, interessante para os poetas vivos,


(Continua na 4º página)


POETAS DO OUTRO MUNDO…

(Continuação da 1ª página)


embora constitua uma terrível ameaça para os que detestam a linguagem rimada ou ritmada. “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate!”  †  [Deixai toda esperança, vós que entrastes!] Lá dentro, no reino da Morte, há poetas, e eles cantam. E cantam como cantavam aqui, sem omissão, sequer, da linguagem preciosa que aqui utilizavam. “Muitas vezes, — confessa o “médium” no prefácio da obra, — muitas vezes, ao recebermos uma destas páginas, era necessário recorrermos ao dicionário, para sabermos os respectivos sinônimos das palavras nelas empregadas, porque tanto eu como meus colegas as desconhecíamos em nossa ignorância”. Não obstante a mudança de clima, cada um conserva, por lá, as suas virtudes e defeitos literários.

Eu faltaria, entretanto, ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que, fazendo versos pela pena do Sr. Francisco Candido Xavier, os poetas de que ele é intérprete apresentam as mesmas características de inspiração e expressão que os identificavam neste planeta. Os temas abordados são os que os preocupavam em vida. O gosto é o mesmo. E o verbo obedece, ordinariamente, à mesma pauta musical. Frouxo e ingênuo em Casimiro, largo e sonoro em Castro Alves, sarcástico e variado em Junqueiro, fúnebre e grave em Antero, filosófico e profundo em Augusto dos Anjos, — sente-se ao ler cada um dos autores que veio do outro mundo para cantar neste instante, a inclinação do Sr. Francisco Candido Xavier para escrever “À la maniére de…” ou para traduzir o que aqueles altos Espíritos sopraram ao seu.

Essa identificação será, todavia, objeto de outro artigo. Por enquanto eu quero, apenas, por de sobreaviso os poetas vivos contra o perigo que a todos nos ameaça com a ideia que tiveram os mortos de voltar a escrever neste mundo em boa hora abandonado por eles. Se eles voltam a nos fazer concorrência com os seus versos perante o público e, sobretudo, perante os editores, dispensando-lhes o pagamento de direitos autorais, que destino terão os vivos que lutam hoje, com tantas e tão poderosas dificuldades?

Quebre, pois, cada Espirito a sua lira na tábua do caixão em que deixou o corpo. Ou, então, encarne-se outra vez, e venha fazer a concorrência aqui em cima da terra, com o feijão e o arroz pela hora da vida.

Do contrário, não vale.


Nota — Transmitido por telefone o “post-scriptum” de ontem saiu errado. Eu havia dito que o Sr. Humberto de Campos “me pedia” que divulgasse a notícia do aparecimento do seu livro “O Monstro e outros contos”. E saiu que esse autor “pediu” a divulgação da notícia. A supressão do pronome alterou o pensamento de quem ditou a nota. E eu dou esta explicação para fazer a propaganda outra vez. — H. de C. n



[1] Transcrito do jornal Diário Carioca, edição de 10/07/1932, na grafia da época, [no livro impresso; neste livro eletrônico tivemos que atualizar a ortografia para não prejudicar as traduções das máquinas neurais “neural machine translation”].
Imagens disponíveis em: http://memoria.bn.br/DocReader/093092_02/8000. Acesso em: 09 de julho de 2017. Informação enviada à Vinha de Luz Editora por Ivanir Severino da Silva, repassada de Otávio Alonso Freire Alves via e-mail. No corpo da mensagem, o pesquisador Otávio Alonso comenta: “Humberto de Campos, ainda encarnado, faz apreciação da obra Parnaso de Além-túmulo, publicada pelo médium Francisco Cândido Xavier na véspera. Seu humor é característico”.


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