O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Contos e apólogos — Irmão X


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A conduta cristã

1 Ibraim ben Azor, o cameleiro, entrou na residência acanhada de Simão e, à frente do Cristo, que o fitava de olhos translúcidos, pediu instruções da Boa-Nova, ao que Jesus respondeu com a doçura habitual, tecendo considerações preciosas e simples, em torno do Reino de Deus no coração dos homens.

2 — Mestre, — perguntou Ibraim, desejando conhecer as normas evangélicas, — na hipótese de aceitar a nova revelação, — como me comportarei perante as criaturas de má-fé?

— Perdoarás e trabalharás sempre, fazendo quanto possível para que se coloquem no nível de tua compreensão, desculpando-as e amparando-as, infinitamente.

3 — E se me cercarem todos os dias?

— Continuarás perdoando e trabalhando a benefício delas.

4 — Mestre — invocou Ibraim, admirado —, a calúnia é um braseiro a requeimar-nos o coração… Admitamos que tais pessoas me vergastem com frases cruéis e apontamentos injustos… Como proceder quando me enlamearem o caminho, atirando-me flechas incendiadas?

— Perdoarás e trabalharás sem descanso, possibilitando a renovação do pensamento que a teu respeito fazem.

5 — E se me ferirem? Se a violência sujeitar-me à poeira e a traição golpear-me pelas costas? Se meu sangue correr, em louvor da perversidade?

— Perdoarás e trabalharás, curando as próprias chagas, com a disposição de servir, invariavelmente, na certeza de que as leis do Justo Juiz se cumprirão sem prejuízo dum ceitil.

6 — Senhor, — clamou o consulente desapontado, — e se a pesada mão dos ignorantes ameaçar-me a casa? Se a maldade perseguir-me a família, dilacerando os meus nos interesses mais caros?

— Perdoarás e trabalharás a fim de que a normalidade se reajuste sem ódios, compreendendo que há milhões de seres na Terra fustigados por aflições maiores que a tua, cabendo-nos a obrigação de auxiliar, não somente os que se fazem detentores do nosso bem-querer, mas também a todos os irmãos em Humanidade que o Pai nos recomenda amar e ajudar, incessantemente.

7 Ibraim, assombrado, indagou, de novo:

— Senhor, e se me prenderem por homicida e ladrão, sem que eu tenha culpa?

— Perdoarás e trabalharás, agindo sempre segundo as sugestões do bem, convencido de que o homem pode encarcerar o corpo, mas nunca algemará a ideia pura, nobre e livre.

8 — Mestre, — prosseguiu o cameleiro, intrigado, — e se me prostrarem no leito? Se me crivarem de úlceras, impossibilitando-me qualquer ação? Como trabalhar de braços imobilizados, quando nos resta apenas o direito de chorar?

— Perdoarás e trabalharás com o sorriso da paciência fiel, cultivando a oração e o entendimento no espírito edificado, confiando na Proteção do Pai Celestial que envia socorro e alimento aos próprios vermes anônimos do mundo.

9 — Mestre, e se, por fim, me matarem? Se depois de todos os sacrifícios aparecer a morte por estrada inevitável?

— Demandarás o túmulo, perdoando e trabalhando na ação gloriosa, em benefício de todos, conservando a paz sublime da consciência.

10 Entre estupefato e aflito, Ibraim voltou a indagar depois de alguns instantes:

— Senhor, e se eu conseguir tolerar os ignorantes e os maus, ajudando-os e recebendo-lhes os insultos como benefícios, oferecendo a luz pela sombra e o bem pelo mal, se encarar, com serenidade, os golpes arremessados contra os meus, se receber feridas e sarcasmos sem reclamação e se aceitar a própria morte, guardando sincera compaixão por meus algozes? Que lugar destacado me caberá, diante da grandeza divina? que título honroso exibirei?

11 Jesus, sem alterar-se, considerou:

— Depois de todos os nossos deveres integralmente cumpridos, não passamos de meros servidores, à face do Pai, a quem pertence o Universo, desde o grão de areia às estrelas distantes.

12 Ibraim, conturbado, levantou-se, chamou o dono da casa e perguntou a Pedro se aquele homem era realmente o Messias. E quando o pescador de Cafarnaum confirmou a identidade do Mestre, o cameleiro, carrancudo, qual se houvesse recebido grave ofensa, avançou para fora e seguiu para diante, sem dizer adeus.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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