O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Coração e vida — Maria Dolores


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O Irmão da Caridade

  1 Frei Damião vivia numa choça,

  A mais humilde que idear se possa,

  Um recanto perdido, entre serros perdidos,

  Amparando aos doentes e aos caídos.

  Mãos calosas na gleba, ele mesmo produz

  O pão que come e a roupa que o reveste

  E agora mais cansado, mais sozinho,

  Acolhe os viajantes do caminho,

  Quais se fossem Jesus.


  2 Era assim que vivia o servo do Senhor:

  Coração transformado em pousada de amor.

  Aos romeiros sem lar, de visita à choupana,

  A lhe pedirem rumo, amparo e vida nova

  Sabia atenuar os rigores da prova,

  Doando-lhes consolo à rude estrada humana.


  3 Fosse ao pranto de mãe, fosse a triste mendigo,

  Aos enfermos sem fé que o desespero alcança,

  Aos famintos de pão, às almas em perigo

  Entregava o socorro e a bênção da esperança.


  4 Assim envelhecera Frei Damião

  Sentindo Jesus-Cristo em cada coração.


  5 Quanto tempo vivera não sabia,

  Auxiliava a todos, noite e dia…


  6 Mais tarde, adoeceu… E, mesmo assim,

  Curvado para a Terra, erguia as mãos trementes,

  Socorrendo viajores e doentes,

  Embora sempre a febre a recordar-lhe o fim…


  7 De corpo gasto e desarticulado,

  Numa noite de gelo, ele escuta um chamado:

  — Damião, Damião, há mau tempo, abre a porta,

  Liberta-me do frio que me corta!…


  8 Levanta-se o velhinho e abre a cabana estreita,

  Vê diante de si um enfermo que se arrasta,

  Nota-lhe o corpo em lepra, a desfazer-se todo,

  É um pedinte de estrada em chaga, sangue e lodo…


  9 — Abriga-me hoje só — ele diz, suplicante —

  Damião não vacila e dá-lhe o próprio teto.


  10 Lá fora, a ventania é o tumulto completo.

  Ulula o furacão desatado e violento,

  Tombam troncos viris aos arrancos do vento…


  11 — Tenho fome, Damião — clama o recém-chegado —

  O velhinho febril treme, avança, tateia,

  Procura o pão guardado

  E dá-lhe o pão que tem, entre o prato e a candeia.


  12 — Tenho sede, Damião, pede o estranho viajor,

  Trago a garganta em fogo, em tremenda secura…

  Damião traz-lhe um pouco de água pura

  E o pobre continua, em voz lenta e magoada:

  — Tenho frio, Damião, sofri muito na estrada…

  O irmão da caridade não hesita,

  Dá-lhe a pele de uso que o recobre,

  Entretanto, o infeliz, tão triste quanto pobre

  Exclama: — estou cansado, a inquietação me agita,

  Ajuda-me a dormir

  Quero um leito, Damião…

  Damião dá-lhe o leito e se deita no chão.

  Mas o pobre na cama, agasalhado e quente

  Roga em pranto: Damião, tenho o corpo doente,

  Aquece-me, por Deus, tenho a carne ferida,

  Vem a mim!… Teu calor pode salvar-me a vida!…

  Damião não vacila, ergue-se com carinho,

  Ele conhece a dor dos tristes do caminho…

  Lembra outras noites más, chuvosas e nevoentas,

  E abraça-lhe, ao deitar-se, as chagas purulentas…


  13 Mas nisso a choça escura se ilumina…

  Damião sente um choque… E busca o itinerante

  Mas já não vê o pobre suplicante…


  14 Erguera-se o mendigo,

  Mostra um rosto diverso e um sorriso sereno…

  Ajoelha-se, à pressa, o irmão dos infelizes

  E no pranto a banhar-lhe o rosto em cicatrizes,

  Reconhece no estranho o Mestre Nazareno.


  15 Ele fita em Damião o olhar de amor e luz,

  E enquanto a tempestade estraçalha o arvoredo,

  Como quem sente o Céu em divino segredo,

  Damião deslumbrado,

  Tendo o Amigo Celeste, lado a lado,

  Diz apenas: Jesus!…


  16 O Mestre se aproxima e fala-lhe, de manso:

  — Damião, vem comigo,

  Encontrarás agora o tempo do descanso…


  17 No outro dia, mais cedo, outro irmão aparece

  Vem rogar a Damião a bênção de uma prece,

  Mas verifica em mágoa e desconforto:

  O irmão da caridade estava morto,

  No entanto, qual se o corpo imóvel resguardasse

  Recôndito vigor,

  Trazia na algidez da própria face

  Uma expressão de paz e um sorriso de amor.


Maria Dolores


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