O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Coração e vida — Maria Dolores


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História de um cão

  1 Falávamos de amor, de heroísmo e ternura,

  Nos caminhos da Terra, em lutas naturais,

  Quando um amigo lembrou: “não se deve esquecer

  O amor dos animais”.


  2 E contou comovido:

  — Quando na Terra, um pobre cão rafeiro

  Que eu nunca soube de onde vinha,

  Fez-se meu companheiro

  Na tapera isolada que eu mantinha.

  3 Era um cão vagabundo, um desses cães,

  Cujo medo de banho desconsola,

  Vendo-lhe a boca enorme e as bochechas caídas,

  As crianças chamavam-no Beiçola.

  4 Bernento e preguiçoso, muitas vezes,

  Procurei desterrá-lo,

  Mas Beiçola voltava e me seguia

  Estivesse eu a pé ou trotando a cavalo.

  5 Já não sabia o que fazer do cão,

  Que já me habituara a suportar

  Num misto de amizade e de aversão.

  6 Certa manhã de sábado, eu devia,

  Ir do campo à cidade,

  A fim de resgatar antiga conta

  Cujo prazo vencia.

  7 Montei no meu pequira muito cedo

  De merenda robusta na sacola,

  E pus-me alegremente no caminho

  Acompanhado por Beiçola.

  8 Desmontei-me às dez horas para o almoço,

  Transportando a merenda para baixo,

  Ao pé de velha ponte que cobria

  Um pequeno riacho…

  9 Alimentei-me à farta e dei ao cão

  Tudo o que me sobrou da refeição…

  10 Tomei de novo a montaria

  Açoitei o animal para seguir depressa,

  O débito a pagar era daquele dia,

  Mas uma cena estranha então começa.

  11 Beiçola, de ordinário, pachorrento,

  Intentava correr, de lado a lado,

  Em uivos e latidos…

  12 Depois correu à frente,

  Como a querer parar o pequira assustado.

  O cão dependurava-se nos freios,

  Enquanto eu lhe gritava nomes feios;

  Espanquei-o a chicote, mas em vão…

  13 E cansado de vê-lo a pular, doidamente,

  Conclui, de repente,

  Que a doença da raiva atacara meu cão…

  14 Agi sem medo, rápido e seguro,

  Dei-lhe um tiro com o fim de eliminá-lo,

  De modo a defender-me e a livrar meu cavalo.

  15 Beiçola então soltou doloroso gemido,

  Caminhou para trás, claramente ferido,

  Enquanto fui em frente…

  16 Mas atingindo o banco e buscando o gerente,

  A fim de resgatar a minha conta inteira,

  Debalde procurei minha carteira…

  17 No assombro que me toma,

  Notei que me faltava grande soma…

  18 Decerto que perdera o dinheiro em caminho

  Pois saíra com ele da fazenda…

  Deliberei voltar ao local da merenda,

  Pedi ao chefe amigo aguardar mais um pouco

  E aflito, semi-louco,

  Remontei o cavalo e voltei de corrida…

  Regressando ao lugar em que estivera…

  19 E o amigo rematou, emocionado:

  — Só então compreendi quão ingrato que eu era…

  Sabem o que encontrei?

  Após seguir pequeno espaço

  Todo ele marcado em sangue, traço a traço,

  Achei Beiçola já sem vida…

  E ao arrastá-lo para um canto,

  Vi, sob o corpo dele, a estremecer de espanto,

  A carteira perdida…

  20 Ah! como me doeu o coração

  De susto e de emoção!…

  Não sei dizer tudo o que sinto,

  Por muito que lhes conte,

  Meu pobre cão rafeiro,

  Cuja lembrança está sempre comigo,

  Arrastou-se ferido e, após ganhar a ponte,

  Morreu fiel e amigo,

  Guardando o meu dinheiro.


Maria Dolores


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