O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Depois da travessia — 2ª Parte — Luiza Xavier


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Afastamento do corpo

13|07|1985


1 Querida Lúcia, n Jesus nos abençoe!

2 Dirigindo minhas notícias a você, quero explicar que deixei três filhos — você, Maria Alice e Luciano — Sérgio, Zé Geraldo, Caio, Luizinha, Julinho, Chiquitinho e Conceição por netos muito queridos, e três bisnetos, que são Sarita, Juliana e Mateus. 3 Preciso esclarecer que sou mãe e avó, e por isso amo a todos. Aqui, porém, diante da sua presença e do nosso Oscar, desejo anotar que a nossa convivência foi, para nós duas, uma ligação a vida inteira. Você sempre estava comigo e não conhecemos separação. E o nosso amor uma pela outra era e continua a ser tão grande que eu não queria deixar o corpo doente. 4 Meu apego não foi assim tão grande à existência terrestre, que me dera dificuldades suficientes para desejá-la com tanto ardor, mas sim, eu pedia a Deus mais vida no mundo para não nos separarmos! A ideia de que isso viesse a suceder me causava um medo terrível da morte e uma constante aversão pela ideia de largar o mundo e afastar-me de você. Compreendo que você se lembrará de nossos entendimentos.

5 A doença trazida pelo desgaste do corpo me impunha marcas dolorosas, que os medicamentos, por fim, não conseguiam anular. Tinha bastante experiência para ver o que estou dizendo nos olhos dos médicos, que se incumbiam de meu tratamento. Travei no íntimo uma longa batalha contra o fim de meus sofrimentos físicos. 6 A palavra desencarnação, que ouvia de tantos amigos, soava sempre mal aos meus ouvidos. Ansiava ficar ao seu lado, sentia que você falava dentro de mim e que eu morava em seu coração! Apartar-me de você seria o pior que me poderia acontecer. 7 Mas o tempo parece combinar medidas contra nós quando a moléstia é longa demais. Experimentava horas de aflição e mal-estar, nas quais observava o meu próprio corpo a pedir descanso e socorro. Minha vontade de continuar vivendo era forte demais para que eu não controlasse a minha própria situação.

8 Naquilo que dependesse de mim, expulsava a tendência da morte com a força de quem vigia constantemente contra poderoso inimigo. Chegava mesmo a conservar comigo a própria insônia, sem a menor disposição de aceitar um tranquilizante, para que o sono não pudesse me amolecer a resistência, permitindo que a morte me agarrasse por traição. 9 Filha querida, por que tudo isso? Eu mesma nunca soube responder… Se você saía para qualquer pequeno dever, sentia que estava sofrendo uma lesão inexplicável! Devia ver você, saber você alegre e tranquila para me acalmar… 10 O nosso Oscar sabe disso e sempre tolerou o meu apego excessivo na condição de um filho espiritual que me conhecia a limpeza de sentimentos. Não era o instinto da posse que me dominava, era a sustentação de minha própria vida que eu me empenhava em manter a todo custo. O combate interior crescia por dentro de mim quando minhas energias alcançavam os últimos degraus da resistência…

11 Na noite inesquecível de nossa separação, procurei guardar os meus olhos vigilantes, com receio do sono, que é uma espécie de ladrão de nossa vontade, mesmo porque começara a perceber que uma parte do meu coração estava paralisada, porque não conseguia deitar-me do lado em que isso me parecia estar acontecendo. Havia pedido em oração a Jesus para que não me deixasse perder o corpo, sem a sua presença. E fiz o que pude para que você não se afastasse de mim.

12 Lembro-me com clareza de tudo. A nossa estimada Palmira do Jair n estava conosco e eu tomava a sua mão para beijá-la e falar da saudade que começava a sentir. Notei que o estômago estava muito vazio e falei com você que eu aceitaria algum caldo quente que me retirasse da sensação de fome. Você foi à cozinha e preparou o alimento leve que eu desejava. Palmira nos via com a bondade de sempre e chamava você por aduladeira, brincando com os nossos cuidados… Tomei o líquido quente que você me trouxe e ainda ofereci a você o resto para que nós duas fôssemos as únicas pessoas trocando os corações naquela hora. Em seguida, falei que você havia feito uma delícia e novamente tomei sua mão entre as minhas, exclamando: “Ô saudade! Que saudade!…”

13 Era a saudade de você que começou a me tomar a alma toda, quando vi minha mãe n chegar em companhia de Madalena, irmã de Maria Anselma,  n que trazia nas mãos um retrato de Jesus, que me pareceu gravado em pontos de luz. Acompanhando mamãe e Madalena, estava Cidália  n e um grupo de crianças, que me encantava. Acreditei que o alimento me induzia a um sono leve e entreguei-me ao respeito e à admiração pelo quadro que Madalena me mostrava. Não sabia se estava acordada ou sonhando…

14 Mamãe me recomendou: — “Luiza, levante-se para receber o retrato de Jesus das mãos de nossa amiga.” — “Não posso!”, respondi mais com o pensamento que com as palavras. “Não tenho forças!…” — “Pode sim”, acrescentou minha mãe: “Esforce-se e saia da cama!…”

15 Creio que os meus movimentos para atender foram apenas mentais. Compreendi que devia aceitar o pedido de mamãe mais por educação que por gosto próprio e depois de alguns momentos me vi fora do corpo desgastado e abatido… Expressei o meu júbilo e o meu agradecimento à nossa Madalena, a quem sempre venerei por uma serva de Deus, quando as crianças unidas cantaram um hino do qual não retirei a minha atenção, a fim de mostrar reconhecimento. Lembro-me de que havia um estribilho no cântico, que era repetido e dizia assim:

16Dos grandes lares do mundo
O maior é o lar do bem.
Bendito seja o meu lar
Nas luzes do grande Além.

17 Quando me conscientizei de que as palavras significavam afastamento do corpo, assumi uma atitude de recusa e perguntei: “— Mamãe, o que significa isso? Eu não pedi e nem quero nada com o Além! E esses meninos…”

18 Não terminei a frase. Uma jovem vestida em azul se aproximou de nós e com muito cuidado examinou um fio de substância prateada que saía de minha cabeça, e sem que eu pudesse me livrar do espanto que me assaltara cortou o fio depois de examinar cautelosamente o que estava fazendo, e eu então me senti num desmaio que não sei explicar…

19 Chamei por você muitas vezes, pedindo as suas mãos para segurar as minhas, mas a minha voz era só pensamento… Pedi à Palmira que me viesse defender contra aquela diminuição de forças, mas Palmira também não conseguia me ouvir. Procurei por você ansiosamente, entretanto, embora percebesse você quase rente comigo, notei que você estava controlada pelas mãos de nossa querida Cidália, sentindo-se incapaz de me atender. Madalena abeirou-se de mim e pediu: “Luiza, tenha coragem e aceite a vontade de Deus!”

20 Tudo estava certo, mas eu lutava contra a morte e procurei acomodar-me no corpo inerte que ainda se mantinha no calor quase natural. Escutei suas exclamações e seus gritos, chamando Oscar, chamando Sérgio e Tucha! n

21 Ah! Eu não sei contar a angústia que me tomou as energias. Queria falar e a boca não me obedecia, tentava mover-me, mas tudo era em vão…

22 “Morta? Pois minha avó está morta?…” Ouvia os netos perguntando, enquanto você chorava nas mesmas lágrimas. Querida filha, tanto a dizer e não temos tempo!

23 Apareceu José, meu irmão, com duas moças, que me pareceram enfermeiras, e organizou num canto do quarto uma espécie de gruta de algodão, para cujo interior me transportaram. A revolta estava comigo e procurei estampá-la em meu rosto, sabendo que o pensamento é uma força criativa. Minha mãe me reconfortava e eu respondia: “Para onde me levam? Quero Lúcia! Chamem Lúcia! Ela não me deixará sair!…”

24 Ah! Quanta dor para largar uma situação que não devia se prolongar! O dia estava alto quando ouvi a sua palavra lacrimosa, pedindo para que Dirce, Cleusa e Célia n me vestissem para a cena final, que eu estava detestando. Elas entraram no quarto e ainda havia uma certa ligação entre o meu corpo imóvel e eu mesma. Mostrei na face o meu desagrado e chamava por você, sem que ninguém me escutasse…

25 A minha promessa de contar a você o que sucedesse ainda me tomaria tempo, a fim de terminar e, por isso, não devo prejudicar os nossos amigos com uma descrição que parece sem fim… Se eu puder, em outra ocasião contarei a você e ao nosso Oscar o que se passou depois. Agora, quero reafirmar a minha dívida de amor para com você, minha filha querida. 26 Minha filha e minha mãe do coração, eu não sei como será o meu futuro, contudo, seja qual for a situação chame por mim, que sou sua mãe e sua escrava pelo carinho da vida inteira que você me deu! Chama-me e eu estarei ao seu lado para conseguirmos juntas, em nossas orações, aquilo de que você necessitar! Não importa que alguém diga que o nosso amor de mãe e filha é simples possessão. Se for isso mesmo, aposse-se você de mim e me retenha nos seus passos! Não me esqueça em suas preces, não me abandone! Sou ainda a sua mãe fraca e doente, esperando a sua assistência e o seu auxílio!…

27 Agradeça aos seus irmãos por mim. Diga à nossa Pingo para que não tenha ressentimento contra mim. Fale o mesmo com o nosso Luciano. Amo a todos, no entanto, a lei de Deus nos uniu de maneira que não posso compreender! Ainda não sei se sou você ou se você será eu mesma! Não tenha medo da vida. Sei que você, por seus bilhetes, me disse que mantinha o desejo de mudar-se para uma outra casa. Não faça isso! Ali tivemos as nossas maiores alegrias e os nossos maiores sofrimentos! Deus nos auxiliará a resolver os problemas que forem aparecendo! Não perca a sua paciência. Cuide com carinho do nosso Oscar, do nosso Caio e de todos os nossos.

28 Quando alguém erguer a voz contra você, entregue tudo a Jesus e não responda. Estou aprendendo lições que me fixam na paz que nos cabe preservar sempre. Vence quem parece vencido, melhora quem parece debaixo de pesadas humilhações. Haja o que houver, perdoe as ofensas que nos visitarem a casa e ensine aos nossos mais moços que a paz vem de Deus e que não devemos desprezá-la.

29 Reze sempre, estaremos juntas em nossas preces e em nossos votos. Agradeça à nossa Tucha todo o bem que ela me fez e diga de meu reconhecimento à Nilza, que sempre abracei por neta de meu coração. Diga à nossa Palmira de Jair e à Dirce, à Célia e à Cleusa que nunca me esquecerei do auxílio constante que me prestaram. Não deixe de manifestar o nosso reconhecimento ao Toneco n por haver permitido que Dirce nos amparasse tanto.

30 Peço a você encorajar o Sérgio. Diga a ele que a bondade de Deus não nos desampara. Algum serviço para ele há de aparecer.

31 Ao nosso Zé Geraldo, agradeço todo o carinho que dispensou à avó doente e fale com a nossa Tuquinha n que eu irei descansar no quarto sempre que eu puder para acompanhá-la com os meus pensamentos de amor. Ela e o nosso Reizinho n estão em meu pensamento de maneira incessante. Diga à nossa Pingo que minha bênção de mãe há de acompanhá-la onde estiver, e a Luciano que sou muito grata por todo o amor filial que sempre recebi dele. 32 Querida filha, ore em casa mesmo. Você não me sentiu no cemitério, porque não estive lá. Nas horas de tristeza e saudade, recorde que sua mãe traz consigo a tristeza e a saudade no coração.

33 Mamãe me afirma que tudo melhorará para nós e eu creio na palavra dela, que foi sempre certa. Agradeço os cuidados das nossas amigas Mercedes e Jacy, n e peço a Jesus recompense a dedicação dos nossos médicos, especialmente o Dr. José Luciano e o Dr. Roberto. n Tenho tanto a agradecer e nada possuo para dar, contudo, Deus derramará sobre todos os que nos auxiliaram as Suas bênçãos de amor e luz!

34 Minha gratidão ao nosso prezado amigo Beijo n e a tantos amigos que nos estenderam as mãos. Não me esqueço da bondade de nossa Leda  n e rogo para ela o que a vida guarde e tenha de melhor para nos oferecer.

35 Dos amigos que encontrei aqui e de meu encontro com a nossa Hermelita,  n no dia justo em que ela foi chamada à vida espiritual, direi depois o que me for possível. Vim daí na condição de devedora de muita gente. Aos poucos, me explicarei.

36 Quanta saudade de você, minha filha! Peça a Jesus para que a falta de seu carinho não me pese tanto. Ao nosso Oscar, o meu reconhecimento, que será sempre o mesmo. Lindolfo  n me perguntou pelo Louro  n e eu disse que Oscar estava seguindo o nosso Louro de perto.

37 Não posso continuar, porque a emoção tolda a visão. Apesar disso estou melhor dos olhos e já consigo enxergar mais ou menos.

38 Os amigos aqui me perdoarão se escrevi tanto. Você me disse que ficou satisfeita com a mensagem do José, mas desejava, sobretudo, que eu dissesse a você alguma notícia. Aqui você tem o meu coração em todas as letras. Se você notar diferença em minha letra, isso é porque minha mão está na mão do Chico e a gente não pode escrever senão a duas pessoas. Lembranças a todos.

39 Peça à Tucha para continuar nos auxiliando. Ela é a filha que nos faltava.

40 Querida Lúcia, Deus abençoe a você por tudo o que você representa em meu coração! E receba, com o nosso estimado Oscar, o carinho repleto das muitas saudades de sua mãe, sempre sua mãe, sempre mais sua,


Luiza Xavier



Notas da editora:

[1] [Ver nota nº 1 da mensagem de José Xavier]


[2] Palmira do Jair era uma amiga da família Xavier.


[3] Em referindo-se a D. Maria de São João de Deus, desencarnada em 29 de setembro de 1915, aos 34 anos.


[4] Madalena e Maria Anselma eram amigas da família Xavier.


[5] Em referindo-se a Cidália Batista Xavier casada em segundas núpcias com João Cândido Xavier, sendo, portanto, madrasta de Luiza, desencarnada em 19 de abril de 1931.


[6] Tucha era o apelido de Maria Tereza, esposa de Sérgio Luiz, mãe de Sarita.


[7] Refere-se a amigas de Pedro Leopoldo, que acompanharam de perto o transe da família. Cleusa e Célia eram irmãs, filhas de Cândida e José Martins, este farmacêutico na cidade de Pedro Leopoldo. D. Cândida, à época, já estava desencarnada e é mencionada em mensagem posterior.


[8] Toneco era um amigo da família Xavier. Irmão de Ibraim, da Rua Esporte, em Pedro Leopoldo.


[9] Tuquinha era o apelido de Luizinha.


[10] Reizinho era o marido de Tuquinha, ou Luizinha.


[11] Mercedes e Jacy eram amigas da família Xavier, vizinhas de D. Luiza. Mercedes era vizinha de frente, casada com José Hilário, que tocava na banda. Jacy era vizinha de lado e era casada com o comerciante José Pedro Filho.


[12] Dr. José Luciano era filho do comerciante de tecidos Nagib Issa e o Dr. Roberto era do Hospital São João Batista.


[13] Beijo era o apelido de Benjamim Henrique de Freitas, muito amigo de D. Luiza.


[14] Leda era uma amiga da família Xavier.


[15] Em referindo-se a Hermelita Soares Horta, desencarnada em 4 de julho de 1985. Referência do Espiritismo e na área do trabalho social, esteve à frente do Centro Espírita Amor e Luz da cidade de Matozinhos em Minas Gerais, por muitos anus, e cujo nome foi dado à instituição por sugestão de Chico Xavier.


[16] Refere-se ao seu marido, Lindolfo José Ferreira já desencarnado.


[17] Louro: papagaio de estimação de Chico Xavier que era cuidado por D. Luiza e depois por Lúcia, em Pedro Leopoldo. Está enterrado na Casa de Chico Xavier de Pedro Leopoldo.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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