O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Escultores de almas — Autores diversos


19


Inferno n


3. Satisfeito com as elucidações recebidas, passei a considerar o caso pessoal da terna entidade que nos visitara. Por que permaneceria um Espírito iluminado em serviços consecutivos por alguém que se comprazia nas sombras? Seria justo acorrentar corações maternais a filhos impenitentes?

2 O orientador, contudo, veio ao encontro de minhas interrogações, explicando:

— A dedicada amiga que nos visitou é uma pobre mãe, em luta depois da morte física.

3 — A quem se refere na intercessão? — perguntei.

— A um filho que foi sacerdote na Crosta.

4 — Sacerdote? — Indaguei, profundamente surpreendido.

— Sim, — esclareceu Alexandre. — Os desvios das almas que receberam tarefas de natureza religiosa são sempre mais graves. 5 Existem padres que, contrariamente a todas as esperanças de nosso Plano, se entregam completamente ao sentido literal dos ensinamentos da fé. Recebem os títulos sacerdotais, como os médicos sem amor ao trabalho de curar, ou como os advogados sem qualquer espécie de devotamento ao direito. 6 Estimam os interesses imediatos, requisitam as honrarias humanas e, terminada a existência transitória, se encontram em doloroso fracasso da consciência. 7 Habituados, porém, ao incenso dos altares e à submissão das almas encarnadas, não reconhecem, na maioria das vezes, a própria falência e preferem o encastelamento na revolta lamentável, que os converte em gênios das sombras. 8 Neste particular, — acentuou o instrutor, modificando a inflexão de voz, — devemos reconhecer que semelhante condição, neste lado da vida, é a de todos os homens e mulheres, de inteligência notável, com primores de cultura terrestre, mas desviados do verdadeiro caminho de edificação moral. 9 Comumente, as pessoas mais sensíveis e cultas criam o mundo que lhes é peculiar e esperam furtar-se à lei de testemunho próprio, no campo das virtudes edificantes. Acostumadas à fácil aquisição de vantagens convencionais na Crosta, pretendem resolver, depois da perda do corpo físico, os problemas espirituais pelo mesmo processo, e, encontrando tão somente a Lei, que manda conceder a cada um segundo as suas obras, ( † ) não raro agravam a situação, internando-se no escuro país do desespero, onde se reúnem a inúmeras companhias da mesma espécie. 10 Dentre as criaturas dessa ordem, sobressai a elevada percentagem dos ministros de várias religiões. Referindo-nos tão só aos das escolas cristãs, verificamos que a maioria não pondera na exemplificação do próprio Mestre Divino. 11 Cerram olhos e ouvidos aos sacrifícios apostólicos. Simão Pedro, João Evangelista, Paulo de Tarso, representam para eles figuras demasiadamente distantes. Apegam-se às decisões meramente convencionais dos concílios, estudam apenas os livros eclesiásticos e querem resolver todas as transcendentes questões da alma através de programas absurdos, de dominação pelo culto exterior. 12 Erguem basílicas suntuosas, olvidando o templo vivo do próprio espírito; homenageiam o Senhor como os orgulhosos romanos reverenciavam a estátua de Júpiter, tentando subornar o poder celeste pela grandeza material das oferendas. 13 Mas ai! Esquecem o coração humano, menosprezam o espírito de humanidade, ignoram as aflições do povo, a quem foram mandados servir. E, cegos aos próprios desvarios, ainda aguardam um Céu fantástico que lhes entronize a vaidade criminosa e a ociosidade cruel.

14 Alexandre, neste ponto das elucidações, como se fora chamado a meditações mais profundas, silenciou por momentos, continuando em seguida:

— Para estes, André, a morte do corpo é um acontecimento terrível. 15 Alguns enfrentam, corajosos, a desilusão necessária e proveitosa. A maioria, porém, fugindo ao doloroso processo de readaptação à realidade, precipita-se nos campos inferiores da inconformação presunçosa, organizando perigosos agrupamentos de almas rebeladas, com os quais temos de lutar por nossa vez… 16 Quase todas as escolas religiosas falam do inferno de penas angustiosas e horríveis, onde os condenados experimentam torturas eternas. São raras, todavia, as que ensinam a verdade da queda consciencial dentro de nós mesmos, esclarecendo que o Plano infernal e a expressão diabólica encontram início na esfera interior de nossas próprias almas.

17 O orientador amigo fez novo intervalo, e, depois de pensar a sós, durante alguns instantes, considerou:

— Você compreende… Os que caem por ignorância aceitam com alegria a retificação, desde que se mantenham em padrão de boa vontade sincera. 18 Os que se precipitam no desequilíbrio, porém, atendendo à sugestão do orgulho, experimentam grande dificuldade para ambientar a corrigenda em si mesmos. Precisam edificar maior patrimônio de humildade, antes de levarem a efeito a restauração imprescindível.

19 Observando que o mentor silenciara novamente, perguntei:

— Mas se o erro voluntário pertence ao sacerdote, no caso em exame, como explicar o sacrifício materno?

20 Alexandre não hesitou.

— Há renunciações sublimes, em nosso Plano, — exclamou, sensibilizado, — dentro das quais companheiros existem que se sacrificam pelos outros, através de muitíssimos anos; mas, no processo sob nossa observação, a nossa amiga tem a sua percentagem de culpa. 21 Na qualidade de mãe, ela quis forçar as tendências do filho jovem. Em verdade, ele renascera para uma tarefa elevada no campo da filosofia espiritualista; contudo, de modo algum se encontrava preparado para o posto de condutor das almas. 22 A genitora, entretanto, obrigou-o a aceitar o ingresso no seminário, violentando-lhe o ideal e, indiretamente, colaborou para que o seu orgulho fosse demasiadamente acentuado. Interpretando suas tendências para a filosofia edificante, à conta de vocação sacerdotal, impôs-lhe o hábito dos Jesuítas, que ele deslustrou com a vaidade excessiva. 23 Claro que a nossa irmã estava possuída das mais santas intenções; todavia, sente-se no dever de partilhar os sofrimentos do filho, sofrimentos, aliás, que ele mesmo ainda não chegou a experimentar em toda a extensão, em vista da crosta de insensibilidade com que a revolta lhe vestiu a alma desviada.

24 Porque Alexandre fizesse uma pausa mais longa, interroguei:

— Mas se o filho foi conduzido a situação difícil, para a qual não se encontrava convenientemente preparado, será tão grande a culpa dele?

25 O instrutor sorriu, em vista das minhas reiteradas arguições, e esclareceu:

— A genitora errou pela imprevidência, ele faliu pelos abusos criminosos, em oportunidade de serviço sagrado. 26 Alguém pode abrir-nos a porta de um castelo, por excesso de carinho, mas, porque tenhamos obtido semelhante facilidade, não quer isto dizer isenção de culpa, caso venhamos a menosprezar a dádiva, destruindo os tesouros colocados sob nossos olhos. 27 Por isso mesmo, a carinhosa mãe está efetuando a retificação amorosa de um erro, enquanto o filho infeliz expiará faltas graves.

Essa explicação encerrou a palestra referente ao assunto.


André Luiz



[1] Essa mensagem é apenas uma pequena parte das elucidações de Alexandre a André Luiz, e consta do 3º item, indicador 16, da 17ª lição do livro “Missionários da Luz”, publicado pela FEB em 1945. — Esse capítulo foi restaurado: Texto do livro impresso.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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