O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Missionários da Luz — André Luiz


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Socorro espiritual

(Sumário)

1. — Precisa voltar aos serviços mais cedo? — Indagou Alexandre, assim que tornávamos à via pública.

— Posso dispor de mais tempo, — respondi.

2 Meu interesse era enorme na continuidade das instruções. Alexandre possuía experiências médicas, vastíssimas. Minhas aquisições nesse terreno, em comparação com as dele, representavam conhecimentos pálidos.

3 — Tenho ainda hoje uma assembleia de esclarecimentos a irmãos encarnados, — continuou o orientador, — e se você puder comparecer, teremos satisfação.

— Como não? Estou aprendendo e não devo perder a oportunidade.

4 Saímos.

As entidades perturbadas mantinham-se à porta, dando a ideia de alguém à espera de brecha para entrar.

Porque Alexandre prosseguia na palestra edificante, seguíamos, quase passo a passo, como quando na Crosta.

5 Estávamos nos primeiros minutos da madrugada. Os transeuntes desencarnados eram numerosíssimos. A maioria, de natureza inferior, trajava roupa escura, mas, de espaço a espaço, éramos defrontados por grupos luminosos que passavam, céleres, em serviços cuja importância se adivinhava.

6 — Há sempre quefazeres urgentes, no auxílio oportuno aos nossos irmãos da Crosta, — comentou o instrutor, com afabilidade e doçura, — e, na maior parte das vezes, é mais eficiente o nosso concurso à noite, quando os raios solares diretos não desintegram certos recursos de nossa cooperação…


2. Não havia terminado, quando se acercou de nós, inesperadamente, uma velhinha simpática.

— Justina, minha irmã, que o Senhor a abençoe! — Saudou-a o orientador, gentil.

2 A entidade amiga, que demonstrava muita inquietude no olhar, respondeu com afetuoso respeito e explicou-se:

— Alexandre, tenho necessidade de seu auxílio urgente e vim ao seu encontro. Desculpe-me.

3 E, antes que o instrutor pudesse sondar-lhe verbalmente a aflição, a interlocutora prosseguiu:

— Meu filho Antônio encontra-se em estado gravíssimo…

4 Agora era Alexandre que a interrompia:

— Adivinho o que se passa. Quando o visitei, no mês findo, notei-lhe as perturbações circulatórias.

— Sim, sim, — continuou a mãe aflita. — Antônio vive no círculo de pensamentos muito desregrados, apesar do bom coração. 5 E hoje trouxe para o leito de repouso tantas preocupações descabidas, tanta angústia desnecessária, que as suas criações mentais se transformaram em verdadeiras torturas. Embalde auxiliei-o com os meus humildes recursos; infelizmente, é tão grande o seu desequilíbrio interior, que toda a minha colaboração resultou inútil, permanecendo-lhe o cérebro sob a ameaça dum derramamento mortífero.

6 E sentindo a gravidade do minuto, acrescentava, triste:

— Ó Alexandre, bem sei que devemos subordinar nossos desejos aos desígnios de Deus. Entretanto, meu filho necessita de mais alguns dias na Terra. Creio que, em dois meses, conseguirei dele, indiretamente, a solução de todos os problemas que lhe afetam a paz da família. Sua autoridade pode auxiliar-nos! Seu coração edificado em Cristo permanece em condições de fazer-nos semelhante bem!…

7 Reconhecendo a urgência do assunto, exclamou o orientador:

— A caminho! Não temos um segundo a perder! Daí a poucos instantes, penetramos na residência confortável. A velhinha, aflita, conduziu-nos a uma alcova espaçosa, onde o filho, chefe da casa, repousava metido em alvos lençóis, dando-me a impressão característica dum moribundo.

8 Antônio parecia próximo dos setenta anos e exibia todos os sinais do arterioesclerótico adiantado.

O quadro era agora profundamente educativo para mim, que entrara num círculo valioso de observações novas.

9 Identificava perfeitamente o estado pré-agônico, em todas as suas expressões físico-espirituais. A alma confusa, inconsciente, movimentava-se com dificuldade, quase que totalmente exteriorizada, junto do corpo imóvel, a respirar dificilmente.

10 Enquanto Alexandre se inclinava paternalmente sobre ele, observei que estávamos diante de uma trombose perigosíssima, por localizar-se numa das artérias que irrigam o córtex motor do cérebro. A apoplexia não se fizera esperar. Mais alguns instantes e a vítima estaria desencarnada.

11 Alexandre, que centralizara todas as atenções no enfermo, tocou-lhe o cérebro perispiritual e falou com autoridade serena:

— Antônio, mantenha-se vigilante! Nosso auxílio pede a sua cooperação!

12 O moribundo, desligado parcialmente do corpo, abriu os olhos fora do invólucro de carne, dando a entender vagas noções de consciência, e o instrutor prosseguiu:

— Você foi acidentado pelos próprios pensamentos em conflito injustificável. Suas preocupações excessivas criaram-lhe elementos de desorganização cerebral. Intensifique o desejo de retomar as células físicas, enquanto nos preparamos a fim de ajudá-lo. Este momento é decisivo para as suas necessidades.

13 O interpelado não respondeu, mas observei que Antônio compreendera a advertência no imo das forças da consciência, colocando-se em boa posição para colaborar em favor de si mesmo.

14 Em seguida, o orientador iniciou complicadas operações magnéticas, no corpo inanimado, ministrando energias novas à espinha dorsal. Decorridos alguns instantes, colocou a destra ao longo do fígado e, mais tarde, demorando-a no cérebro físico, bem à altura da zona motora, chamou-me e disse:


3. — André, mantenha-se em prece, cooperando conosco. Convocarei alguns irmãos em serviço, nesta noite, para auxiliar-nos.

2 E acentuou, após meditar por alguns segundos:

— O grupo do Irmão Francisco não pode estar longe.

3 Dito isto, Alexandre assumiu atitude de profunda concentração do pensamento.

Não passou mais dum minuto e pequena expedição de oito entidades, quatro companheiros e quatro irmãs, penetrou o recinto doméstico, em religioso silêncio.

4 Saudamo-nos todos, ligeiramente, e o instrutor dirigiu-se, atencioso, à entidade que guardava atribuições de chefia.

— Francisco, precisamos aqui das emanações de algum dos nossos amigos encarnados, cujo veículo material esteja agora em repouso equilibrado.

5 E ao passo que o novo irmão observava, cuidadoso, o agonizante, Alexandre acrescentava:

— Conforme observa, estamos diante dum caso gravíssimo. É preciso muito critério na escolha do doador de fluidos.

6 O dirigente dos socorristas pensou um momento e obtemperou:

— Temos um companheiro que nos atenderá razoavelmente. Trata-se de Afonso. Enquanto vou buscá-lo, nosso grupo auxiliará sua ação curativa, emitindo forças de colaboração magnética, através da prece.

7 Francisco ausentou-se imediatamente.

Nesse instante, a velhinha aproximou-se do instrutor e falou, respeitosa:

— Se há necessidade de fluidos de irmãos encarnados, quem sabe poderíamos empregar o concurso de minhas netas que repousam nos aposentos próximos?

— Não, — respondeu Alexandre, delicado, — não atenderiam as exigências em curso. Precisamos de alguém suficientemente equilibrado no campo mental.

8 A mãe inquieta afastou-se, enxugando os olhos.

Atendendo a sinal afetuoso do orientador, aproximei-me, observando o doente de mais perto, mantendo-me embora na íntima atitude de oração.

— Antônio é viúvo faz vinte anos, — explicou Alexandre, generoso, — e está nas vésperas de vir ter conosco, no Plano espiritual. Nosso amigo, porém, necessita de mais alguns dias na Esfera da Crosta para deixar alguns problemas sérios devidamente solucionados. O Senhor nos concederá a satisfação de colaborar no reerguimento provisório de suas forças.

9 E fosse porque me detinha a observar o grupo de entidades que oravam, silenciosas, ou em razão de pretender beneficiar-me com novos ensinamentos, o instrutor esclareceu:

— Temos aqui o grupo do Irmão Francisco. Trata-se de uma das inumeráveis turmas de serviço que nos prestam cooperação. Muitos companheiros consagram-se aos trabalhos dessa natureza, mormente à noite, quando as nossas atividades de auxílio podem ser mais intensas.

10 Verdadeiro mundo de interrogações assomava-me ao cérebro, a fim de solucionar as questões do momento; contudo, compreendendo a gravidade dos minutos, em face da tarefa para a qual fôramos chamados, resolvi silenciar.


4. Não decorreu muito tempo e Francisco voltava seguido de alguém. Tratava-se do companheiro encarnado a que Alexandre se referira.

2 Não houve oportunidade para saudações. O orientador, tomando-lhe a destra, conduziu-o imediatamente à cabeceira do moribundo, dizendo-lhe com autoridade afetuosa:

— Afonso, não temos um segundo a perder. Coloque ambas as mãos na fronte do enfermo e conserve-se em oração.

3 O interpelado não pestanejou. Dando-me a impressão dum veterano em semelhantes serviços de assistência, parecia sumamente despreocupado de todos nós, fixando-se tão somente na obrigação a cumprir.

4 Foi então que vi Alexandre funcionar como verdadeiro magnetizador. Recordando meus antigos trabalhos médicos nos casos extremos de transfusão de sangue, via-lhe perfeitamente o esforço de transferir vigorosos fluidos de Afonso para o organismo de Antônio, já moribundo.

5 Na qualidade de discípulo, acentuando minhas faculdades de análise, junto de preciosa lição, observei que o semblante do enfermo transformava-se gradualmente. À medida que o instrutor movimentava as mãos sobre o cérebro de Antônio, este revelava sinais crescentes de melhoras. 6 Verificava, sob forte assombro, que a sua forma perispiritual reunia-se devagarinho à forma física, integrando-se, harmoniosamente, uma com a outra, como se estivessem, de novo, em processo de reajustamento, célula por célula.

7 Depois de um quarto de hora, segundo meu cálculo de tempo, estava finda a laboriosa intervenção magnética e Alexandre, chamando a velhinha, acentuou:

— Justina, o coágulo acaba de ser reabsorvido e conseguimos socorrer a artéria com os nossos recursos, mas Antônio terá, no máximo, cinco meses a mais, de permanência na Terra. 8 Se você pleiteou o auxílio de agora para ajudá-lo a resolver negócios urgentes, não perca as oportunidades, porque os reparos deste instante não perdurarão por mais de cento e cinquenta dias. 9 E não se esqueça de preveni-lo, pelos processos intuitivos ao nosso alcance, quanto ao cuidado que deverá manter consigo mesmo no terreno das preocupações excessivas, mormente à noite, quando ocorrem os fenômenos desastrosos mais sérios de circulação, em vista da invigilância de muitas pessoas que se valem das horas sagradas do repouso físico para a criação de fantasmas cruéis, no campo vivo do pensamento. 10 Se o nosso amigo despreocupar-se da autocorrigenda, talvez desencarne antes dos cinco meses. Toda a cautela é indispensável.

A genitora agradeceu, comovida, em lágrimas de contentamento.

11 Alexandre recomendou ao “socorrista” encarnado retirasse as mãos de sobre a fronte do enfermo e vi, então, o inesperado. O doente grave, reintegrado nas funções orgânicas, com a harmonia possível, abriu os olhos físicos, como se estivesse profundamente embriagado, e começou a gritar estentoricamente:

— Socorro! Socorro!… Acudam-me por amor de Deus! Eu morro, eu morro!…

12 Algumas jovens acorreram, espantadas e trêmulas, em roupas brancas; percebendo-se que as filhas carinhosas e sensíveis vinham atender ao pai ansioso.

— Papai! Papai! — Exclamavam, lacrimosas que foi isto?

— Estou morrendo! — Clamava o enfermo, em voz pungente, — chamem o médico… Depressa!

— Mas que sente, papai? — Perguntou uma delas, em pranto convulso.

— Sinto-me morrer, tenho a cabeça tonta, incapaz de raciocinar…

13 Grande era a azáfama dos encarnados que passavam por nós em bulha indescritível, atropelando-se uns aos outros, sem o mais leve traço de consciência a respeito da nossa presença ali.

Alexandre solicitou ao Irmão Francisco fornecesse instruções a Afonso para que este regressasse ao lar e, depois da providência, dispôs-se a retirar e disse-me sorrindo, diante da estranheza que a atitude alarmante das moças me causava:

— Geralmente, quando os nossos amigos encarnados gritam, chorosos, por socorro, nosso serviço de assistência já se encontra completo. Partamos.

14 O doente, semilúcido, prosseguia inquieto, enquanto o telefone tilintava, cooperando na imediata visita do médico.

A velhinha despediu-se de nós, comovedoramente, permanecendo junto do enfermo, velando, devotada e humilde.


5. Na via pública, pedi ao instrutor me pusesse em contato mais íntimo com o Irmão Francisco, que nos acompanhava, solícito.

Alexandre, afável como sempre, atendeu-me aos desejos.

2 — Nossa pequena expedição, — esclareceu o chefe do agrupamento, depois de trocar comigo palavras muito cordiais, — é uma das inumeráveis turmas de socorro que colaboram nos Círculos da Crosta. Somos milhares de servidores, nessas condições, ligados a diversas regiões espirituais mais elevadas.

3 — Seu núcleo, — perguntei, — procede de nossa colônia?

— Sim. E temos nossas atividades entrelaçadas com as tarefas de vários instrutores de Nosso Lar. n

4 — E há tarefas especializadas para cada grupo dessa natureza?

— Perfeitamente. O nosso, por exemplo, — acentuou Francisco, gentil, — destina-se ao reconforto de doentes graves e agonizantes. 5 De modo geral, as condições de luta para os enfermos são mais difíceis à noite. Os raios solares, nas horas diurnas, destroem grande parte das criações mentais inferiores dos doentes em estado melindroso, não acontecendo o mesmo à noite, quando o magnetismo lunar favorece as criações de qualquer espécie, boas ou más. 6 Em vista disso, o nosso esforço há de ser vigilante. Quase ninguém no Círculo de nossos irmãos encarnados conhece a extensão de nossas tarefas de socorro. Permanecem eles num campo de vibrações muito diferentes das nossas e não podem apreender ou discriminar nosso auxílio. 7 Isto, porém, não importa. Outros benfeitores, muito mais elevados que aqueles dos quais podemos guardar conhecimento direto, velam por nós e inspiram-nos, devotadamente, no campo das obrigações comuns, sem que vejamos a sua forma de expressão nos trabalhos referentes aos divinos desígnios.

8 E talvez porque eu sorrisse, admirando-lhe o ideal de renúncia serena e santificante, o interlocutor também sorriu e acrescentou:

— Sim, meu amigo, reclamar compreensão e resultado de criaturas e situações, ainda incapacitadas para no-los dar, constitui exigência mais cruel que a solicitação de recompensas imediatas.

9 Era bem a verdade convincente. Mantinha-se o Irmão Francisco dentro da lógica mais elevada. Os que auxiliam alguém, interessados no reconhecimento ou na compensação, quase sempre permanecem de olhos cerrados para o concurso divino e invisível que de Mais Alto recebem. 10 Exigem que outros lhes identifiquem a posição de benfeitores, mas nunca se recordam de que amigos sábios e desvelados lhes oferecem a melhor cooperação de Planos superiores, sem deles reclamarem a mínima nota de gratidão pessoal.

11 — São muitos os irmãos afins, — continuou o meu interlocutor, interrompendo-me as reflexões íntimas, — que se reúnem, depois da morte do corpo, em tarefas de amparo fraternal, quando já alcançaram os primeiros degraus da escada de purificação. 12 Do que me é possível ajuizar, semelhantes trabalhos são dos mais eficientes e dignos, em favor dos homens. Raramente os companheiros encarnados, quando em excelentes condições de saúde física, podem compreender as aflições dos enfermos em posição desesperadora ou dos moribundos prestes a partir. 13 Nós outros, porém, no quadro de realidades mais fortes, sabemos que, muitas vezes, é possível efetuar realizações deveras sublimes, de natureza espiritual, em poucos dias, nessas circunstâncias, depois de largos anos de atividades inúteis. 14 No leito da morte, as criaturas são mais humanas e mais doces. Dir-se-ia que a moléstia intransigente enfraquece os instintos mais baixos, atenua as labaredas mais vivas das paixões inferiores, desanimaliza a alma, abrindo-lhe, em torno, interstícios abençoados por onde penetra infinita luz. 15 E a dor vai derrubando as pesadas muralhas da indiferença, do egoísmo cristalizado e do amor-próprio excessivo. Então, é possível o grande entendimento. 16 Lições admiráveis felicitam a criatura que, palidamente embora, percebe a grandeza da herança divina. Acentua-se-lhe o heroísmo e gravam-se-lhe no coração, para sempre, mensagens vivas de amor e sabedoria. 17 Na noite espessa da agonia começa a brilhar a aurora da vida eterna. E aos seus clarões indistintos, nossos princípios são facilmente aceitos, a sensibilidade demonstra características sublimes e a luz imortal lança fontes de infinito poder nos recessos do espírito.

18 O interlocutor fez longa pausa e rematou:

— Desse modo, conseguimos efetuar um serviço de assistência eficaz, carreando novos valores no campo da fraternidade e do bem legítimo. 19 Nunca observou a paciência inesperada de doentes graves, a calma de certos enfermos incuráveis e a suprema conformação da maioria dos moribundos? Muitas vezes, semelhantes edificações, incompreensíveis para os encarnados que os cercam, constituem o fruto do esforço de nossos grupos itinerantes de socorro.

20 Francisco enunciara sublimes verdades. De fato, a serenidade dos enfermos em condição desesperadora e a resignação inexplicável dos agonizantes, absolutamente distanciados da fé religiosa, não poderiam guardar outra origem. A bondade divina é infinita e, em todos os lugares, há sempre generosas manifestações da Providência Paternal de Deus, confortando os tristes, acalmando os desesperados, socorrendo os ignorantes e abençoando os infelizes.


André Luiz



[1] Colônia de que trata o primeiro livro de André Luiz, com esse mesmo nome — Nosso Lar — obra publicada pela mesma editora. (Nota da editora.)


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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