O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Momentos de ouro — Autores diversos


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O salvador inesperado

  1 Era uma jovem artista, diferente…
Contava apenas quinze primaveras,
Mas atraía em muita gente
Interesse, atenção, bondade, simpatia.
Sabia interpretar mensagens de alegria
E enriquecer canções
Que o público aplaudia
Em palmas e ovações.


  2 Mas, em casa, essa jovem
Tomava outra figura,
Parecia uma fera caprichosa!
Trazia exteriormente a beleza da rosa
E por dentro de si todo um arsenal de espinhos.


  3 O pai, viúvo e só, notava isso
E ao ver a filha única, vaidosa,
Ele, humilde operário, agarrado ao serviço,
Começou a beber, buscando o esquecimento;
Lamentava a viuvez, a dor, o desalento…


  4 E, ao estragar-se, um dia,
Ouviu a filha, em dura rebeldia,
A expulsá-lo do lar:
— Vá-se embora daqui — disse a filha a gritar —
O senhor já não manda nesta casa,
Um pai bêbado é nódoa para mim;
A tolerância sempre chega ao fim…
O seu vício me arrasa,
Saia, saia daqui, seu lugar é na rua!…


  5 O pobre pai mal pôde levantar-se,
Mas ergue-se, recua,
E vai cambaleando na calçada,
Enquanto a filha tranca a porta
E vai dormir mal-humorada.

……………………………………

  6 Seis anos transcorreram sobre a cena;
A menina fizera-se famosa.
No circo de alto luxo, ela domina…
Parecia, em trapézio, uma estrela divina
Ou borboleta humana,
Bailando soberana.
Era a dona dos prêmios e era vista
Por beleza sem par e modelo de artista.


  7 Veio uma grande noite. Aplausos. Alegria.
A plateia delira. E a multidão das palmas,
O número da moça é quase que magia.
Há espanto nos olhos, êxtase nas almas…
O trapézio voava, ela saltava e ria,
De corpo seminu, em leve fantasia.


  8 Nisso ocorre o imprevisto. Ante a plateia atenta,
Surge um curto-circuito e faísca violenta
Ateia fogo em cima e arrasam-se estruturas;
A jovem trapezista atrapalha-se e agarra
Uma viga de amarra
Que fica nas alturas…
Ela, a estrela da equipe, a moça bela e forte,
Grita e roga socorro, ao conhecer-se
Em presença da morte.


  9 O incêndio se desata, o circo se esvazia,
A jovem grita, grita e ninguém a escuta;
A multidão de longe apenas segue
Os detalhes cruéis daquela imensa luta.


  10 Mas um velho palhaço, um canastrão de arena,
Vara o fogo e se eleva, em corda frágil;
Eis que o povo lhe exalta a coragem serena…
Certa viga, ao cair, espanca-lhe a cabeça,
Ele, porém, não para e, ante a fumaça espessa,
Alcança a moça aflita e, tomando-a nos braços,
Desce, devagarinho,
Procurando caminho,
Nos bancos chamejantes, em pedaços…


  11 Mas, ao depor no chão a moça linda e salva,
Ela sorri feliz…
O povo aplaude, prazenteiro.
Entretanto,
Cai exausto o truão do picadeiro,
Tomba mostrando a boca, em larga flor de sangue;
Era uma chaga só aquele corpo exangue.
Arfa-lhe o peito enorme, a morte se aproxima.
Alguém chega e o reanima;
É um velho amigo que reaparecera
E que lhe arranca a máscara de cera…
O povo se aglomera… Ante a cera que cai.
A moça empalidece,
Ajoelha-se e grita, como em prece:
— Meu Deus, ele é meu pai!…


  12 E ele nela fixando o olhar que se despede e brilha,
Num resto de calor e de ternura,
Tão-somente murmura:
— Deus te guarde e abençoe
Filha do coração, meu amor, minha filha!…


Maria Dolores


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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