O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Parnaso de Além-Túmulo — Autores diversos


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Casimiro de Abreu

Poeta fluminense, desencarnou aos 18 de outubro de 1860, com 21 anos de idade, na cidade de Nova Friburgo, acometido de tuberculose pulmonar. Figura literária das mais típicas do seu tempo, o autor malogrado de Primaveras ainda aqui se afirma no seu profundo quão suave nativismo lírico. Suas composições possuem “um saboroso estilo colorido, sensível e personalíssimo”, disse Ronald de Carvalho.


À minha terra

1 Que terno sonho dourado
Das minhas horas fagueiras,
No recanto das palmeiras
Do meu querido Brasil!
A vida era um dia lindo
Num vergel cheio de flores,
Cheio de aroma e esplendores
Sob um céu primaveril.


2 A infância, um lago tranquilo
Onde começa a existência,
Onde os cisnes da inocência
Bebem o néctar do amor.
A mocidade era um hino
De melodias suaves,
Formadas de trinos de aves
E de perfumes de flor.


3 O dia, manhã ridente,
Numa canção de alvorada;
A noite toda estrelada
Após o doce arrebol;
E na paisagem querida,
Os ramos das laranjeiras
E das frondosas mangueiras
Douradas à luz do Sol!


4 Oh! que clarão dentro dalma,
Constantemente cismando,
O pensamento sonhando
E o coração a cantar,
Na delicada harmonia
Que nascia da beleza,
Do verde da Natureza,
Do verde do lindo mar!


5 Oh! que poema a existência
De infância e de mocidade,
De ternura e de saudade,
De tristeza e de prazer;
Igual a um canto sublime,
Como uma estrofe inspirada
Na noite e na madrugada,
Na tarde e no amanhecer.


6 De tudo me lembro e quanto!
A transparência dos lagos,
As carícias, os afagos
E os beijos de minha mãe!
Dos trinos dos pintassilgos,
Da melodia das fontes,
As nuvens nos horizontes
Perdidos no azul do além.


7 Quando eu cruzava as campinas,
Sem sombras de sofrimento,
Descalço, com o peito ao vento,
Num tempo doce e feliz!
Os pessegueiros floridos,
As frondes cheias de amora,
O manto de luz da aurora
Os pios das juritis!


8 Se a morte aniquila o corpo,
Não aniquila a lembrança:
Jamais se extingue a esperança,
Nunca se extingue o sonhar!
E à minha terra querida,
Recortada de palmeiras,
Espero em horas fagueiras
Um dia poder voltar.




A Terra

(Aos pessimistas)

1 Se há noite escura na Terra,
Onde rugem tempestades,
Se há tristezas, se há saudades,
Amargura e dissabor,
Também há dias dourados
De sol e de melodias,
Esperanças e alegrias.
Canções de eterno fulgor!


2 A Terra é um mundo ditoso,
Um paraíso de amores,
Jardim de risos e flores
Rolando no céu azul.
Um hino de força e vida
Palpita em suas entranhas,
Retumba pelas montanhas,
Ecoa de Norte a Sul.


3 Os sonhos da mocidade,
As galas da Natureza,
Livro de excelsa beleza
Com páginas de esplendor,
Onde as histórias são cantos
De gárrulos passarinhos,
Onde as gravuras são ninhos
Estampados no verdor;


4 Onde há reis que são poetas,
E trovadores alados,
Heróis ternos, namorados,
Gargantas de ouro a cantar,
Saudando a aurora que surge
Como ninfa luminosa,
A olhar-se toda orgulhosa
No espelho do grande mar!


5 Onde as princesas são flores,
Que se beijam luzidias
Perfumando as pradarias
Com seu hálito de amor;
Desabrochando às centenas,
Na estrada onde o homem passa,
Oferecendo-lhe graça,
Sorrindo, cheias de olor.


6 O dia todo é alvorada
De doces encantamentos;
A noite, deslumbramentos
Da Lua, em seus brancos véus!
A tarde oscula as estrelas,
Os astros o Sol-nascente,
O Sol o prado ridente,
O prado perfuma os céus!…


7 Quem vive num éden desses,
É sempre risonho e forte,
Jamais almeja que a morte
Na vida o venha tragar;
Sabe encontrar a ventura
Nesse jardim de pujanças,
E enche-se de esperanças
Para sofrer e lutar.


8 Se há noite escura na Terra,
Abarrotada de dores,
De lágrimas e amargores,
De triste e rude carpir,
Também há dias dourados
De juventude e esplendores,
De aromas, risos e flores,
De áureos sonhos no porvir!…




Lembranças

1 No sacrário das lembranças,
Revejo-te, trigueirinha,
De negras e longas tranças,
            Moreninha.


2 Teus lindos pés descalçados,
Pisando de manhãzinha
A verde relva dos prados,
            Moreninha.


3 Os primorosos cabelos
Enfeitados, à tardinha,
De miosótis singelos,
            Moreninha.


4 De olhar sedutor e insonte,
Quando o teu passo ia e vinha
Em busca da água da fonte,
            Moreninha.


5 Teu vulto de camponesa
Era o porte de rainha,
Rainha da Natureza,
            Moreninha.


6 Inda ouço os sons primeiros
Da tua voz na modinha
Modulada nos terreiros,
            Moreninha.


7 Lavando a roupa às braçadas,
Os fios d’água fresquinha,
Sob as mangueiras copadas,
            Moreninha.


8 Os teus risos adorados,
Desferidos à noitinha,
Nos bandos de namorados,
            Moreninha.


9 A tua oração ditosa,
Nas missas da capelinha,
Tão faceira! Tão formosa!
            Moreninha.


10 A placidez do teu rosto
Com teus modos de avezinha,
Fitando a luz do sol-posto,
            Moreninha.


11 O teu samburá de flores
Que levavas à igrejinha,
Enchendo a nave de odores,
            Moreninha.


12 O vestidinho de chita,
De rosas estampadinha,
Fazendo-te mais bonita,
            Moreninha.


13 O nosso idílio encantado,
Quando te achavas sozinha,
Sob o luar prateado,
            Moreninha.


14 Que terna recordação
De minhalma se avizinha!
De saudade, de paixão,
            Moreninha.


15 Ai! Ai! meu Deus, quem me dera
Rever-te, doce rainha,
Rainha da Primavera,
            Moreninha.




Recordando

1 Meu Deus, deixai que eu me esqueça
Da minha vida de agora,
Que apenas o meu passado
Eu possa alegre rever;
Deixai que me identifique
Com os raios da luz de outrora,
Daquela risonha aurora
Do meu passado viver.


2 Que eu sinta de novo a vida
Na infância linda e ditosa,
Na alegria inalterável
Do lugar onde nasci;
Quero rever novamente
A paisagem luminosa,
Sentir a emoção grandiosa
De tudo o que já senti!…


3 Ah! que eu possa hoje olvidar
Imensidades, Esferas,
Concepções mais perfeitas
No progresso que alcancei;
Que das ruínas, dos escombros,
Minh’alma retire as heras,
E contemple as primaveras
Da vida que já deixei.


4 Quero aspirar os perfumes
Dos cendais cheios de flores,
Na fresca sombra dos vales,
Sob a luz do céu de anil!
Rever o sítio encantado
Da minha estância de amores,
Meus sonhos encantadores,
Minha terra, meu Brasil!


5 Escutar os sinos calmos
Sob a alvura das capelas,
Enchendo as longes devesas,
De convites à oração;
Sentar-me no prado agreste,
Beijar as flores singelas,
Mirar a luz das estrelas,
Ouvir a voz da amplidão!


6 Correr sob o sol-nascente
Até que chegue o luar,
Procurando os passarinhos
E as borboletas tafuis.
Que esperança, que ventura!
Viver, sofrer, e amar
A campina, o Sol, o mar,
Campas verdes, céus azuis…


7 Ser homem e ser criança,
Toucar-se a alma das galas
Da poesia inexprimível,
Da alvorada e do arrebol…
Oh! Natureza da Terra,
Que tesouros não exalas,
Na carícia dessas falas
Do passarinho e do Sol!


8 Eu gozo de quando em quando,
Revendo essa claridade,
Da existência transcorrida
Guardada no coração;
E dos cimos desta vida,
Na excelsa Imortalidade,
Verto prantos de saudade
À luz da recordação.


Casimiro de Abreu


Texto extraído da 6ª edição desse livro. — Revista e ampliada pelos autores espirituais.

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