O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Pontos e contos — Irmão X


18


Morrer para descansar

1 Desenvolvera-se Sérgio Mafra nos conhecimentos do Espiritismo cristão, tornara-se elemento de valor entre os companheiros, colaborava, atencioso, sempre que chamado a serviço, mas apresentava um defeito grave: era demasiadamente triste e pessimista e vivia em desacordo com todos os processos da experiência humana. Estimava a tarefa que lhe fora cometida, não se negava ao concurso fraterno; contudo, desejava morrer, abandonar o mundo para sempre e entregar-se ao descanso em convivência com as entidades amorosas do Plano invisível.

2 Ricardo, amigo de muito tempo, assistia-o do campo espiritual, desveladamente. Sérgio observava-lhe a fisionomia iluminada, através da visão mediúnica e recordava, imediatamente, a ideia de morte.

— Ah! meu amigo, — exclamava choroso, dirigindo-se ao benfeitor, — quanto desejava partir, cooperar convosco na Vida Mais Alta! A Terra asfixia o coração… em tudo a dor, o desalento, a incompreensão!…

3 Ricardo sorria e, tomando-lhe o braço, escrevia, atencioso:

— Sérgio, meu caro, extingue os pensamentos da morte, porque somente a vida persiste na eternidade. Não desprezes o ensejo de servir no mundo. Todos temos para com o Planeta imensos débitos que devemos resgatar, de espírito confortado e feliz. 4 Ninguém renasce com isenção de sérios compromissos. Teus propósitos são valiosos, és sincero nos sentimentos e confias em nós; todavia, a ideia fixa, referentemente à morte do corpo, é uma obsessão perigosa que te poderá arrastar a desenganos cruéis. 5 Atende à vida, filho meu! Não te percas em lastimar o desentendimento das criaturas; repara, acima de tudo, a zona de serviço que elas te oferecem e dá-te ao trabalho com amor. Permaneces em aprendizado ativo. 6 Não fujas à lição. A tristeza dos criminosos é justificável por nascer de remorsos amargos, proporcionando-lhes oportunidade a retificações; entretanto, constitui uma excrescência deplorável nos servidores da fé. Semelhante angústia é um conjunto de vibrações destruidoras, ao passo que a alegria sã vem de Deus e deve comunicar-se aos seus filhos. 7 A Criação inteira está palpitante de júbilo. Não te entregues, portanto, ao desequilíbrio. Lembra-te de que permaneces no lugar de serviço a que o Senhor te destinou. Reflete nesta profunda realidade e continua servindo à causa do bem.

8 Sérgio lia e relia as considerações desse teor e redarguia em lágrimas:

— A existência humana, todavia, me assusta. Pensar na morte é a minha consolação. Nada me interessa na Terra, onde o tempo demora terrivelmente a passar. Desejaria servir junto de vós, amado amigo, a fim de descansar o coração e alcançar a paz.

9 Ricardo esboçava expressivo gesto e respondia com firmeza:

— Acreditarias, porventura, que possamos viver aqui sem atividades laboriosas? Nossos trabalhos são enormes e nossas responsabilidades absorventes. O esforço que nos compete difere bastante das tarefas conferidas aos nossos irmãos encarnados; entretanto, Sérgio, os nossos deveres são bem pesados e dolorosos por vezes. 10 Não vivemos em paisagem aérea, exonerados de obrigações difíceis. Somos compelidos a testemunhos que te assombrariam, por certo, e não seria aconselhável o teu regresso à Esfera invisível, sem uma preparação adequada. Zela os teus interesses eternos, não te precipites, aproveita o tempo, construindo com a verdade e o bem. Se precisamos efetivamente do fruto, não será razoável destruir a flor. A existência carnal te oferece belos períodos de repouso e observação. Vale-te dos tesouros de agora, não te descuides.

11 — Observação? Repouso? — Clamava Sérgio, desalentado, — não tenho oportunidades para estudos eficientes e muito menos para descanso. A permanência na Terra é castigo severíssimo, amargo degredo espiritual. Não me conformo com a paisagem escura do mundo.

12 E o companheiro, embora em esforço normal, sem qualquer ato indigno da fé que abraçara, ardoroso, continuava chorando e lastimando o presente, através de queixas veladas e amarguras indefiníveis.

13 Era, sem dúvida, assíduo cooperador dos trabalhos espirituais e não se furtava ao testemunho sério, mas continuava sempre viva aquela luta de argumentação entre ele e Ricardo. Este erguia-lhe a mente para as elevadas concepções da vida eterna; no entanto, aquele somente idealizava a morte repousante. 14 E, no curso do tempo, face à lei que determina a realização, conforme o ideal, Sérgio Mafra desencarnou de uma gripe sem importância. O ardente desejo de morrer, para descansar, impediu-lhe o controle eficiente da máquina orgânica; e, quando todos os amigos lhe aguardavam, esperançosos, o restabelecimento físico, eis que Mafra lhes impôs a incompreensível surpresa.

15 Esperou-o Ricardo, pacientemente, abraçou-o, no limiar da vida nova e falou, como quem não encontrava outro remédio senão a conformação:

— Boa sorte, meu amigo! Planejaste a morte e abandonaste o corpo!…

— Sim, sim, — replicou Sérgio, de olhos brilhantes, — sempre desejei colaborar ao vosso lado.

— Então sigamos ao serviço, não temos tempo a perder, — acrescentou o benfeitor amável e bem-humorado.

16 E aplicando-lhe forças magnéticas, para que Mafra não se deixasse dominar por sensações de sono, fez-se acompanhar por ele, deliberadamente, ao seu campo de serviços complexos.

17 Estava Sérgio encantado a princípio, mas, aos poucos, reconheceu que Ricardo dispunha de raríssimas horas para repouso, durante o dia. Não conseguiam nem mesmo ensejo a mais longos entendimentos. O nobre amigo estava cheio de ocupações sacrificiais e o recém-desencarnado viu-se na obrigação de acompanhá-lo em peregrinações através de hospitais, creches, orfanatos, necrotérios, oficinas, templos e instituições de caridade, em serviço ativo de socorro a doentes e a menos favorecidos da sorte, encarnados e desencarnados.

18 Compelido a seguir-lhe o ritmo de serviço, Sérgio estava exausto, ao fim de duas semanas.

19 Humilhado, vencido, dirigiu-se, em pranto, ao benfeitor, penitenciando-se:

— Ah! meu nobre Ricardo, quantas exigências no trabalho espiritual! A experiência é para mim muito dolorosa! Tende paciência, não suporto mais!…

20 Ricardo, porém, não sorriu, e considerou em tom grave:

— Não desejavas, em caráter prematuro, as tarefas reservadas ao homem, depois da morte física? Não aproveitaste uma gripe benigna para facilitar o desequilíbrio orgânico? 21 Na Terra maternal, erguias-te pela manhã, tomavas o teu café reconfortador, trabalhavas algumas horas no curso do dia, entregavas-te ao gosto das refeições bem-feitas, distraías o coração na palestra afetuosa dos familiares queridos, recebias a cooperação de desvelados benfeitores encarnados e desencarnados e dormias na calma do sono e nos deslumbramentos do sonho… 22 Todavia, não obstante a sinceridade de tua fé, consideravas a existência um martirológio execrável. Traduzias a bênção do Eterno por incômodo ao coração. Presentemente, porém, observas que os teus serviços terrenos eram bem suaves e constituíam verdadeiro paraíso em comparação com os deveres de hoje.

23 Mafra contemplava-o, de olhar ansioso, aguardando a dispensa de obrigações que lhe pareciam tão duras. Mas, muito longe de programar o repouso, Ricardo fixou nele os olhos lúcidos e concluiu:

— Agora, Sérgio, não te posso desobrigar, porque meus avisos à tua alma foram reiterados e veementes; e, não podendo olvidar meus deveres, também não te posso abandonar ao léu, no caminho de sombras. É, portanto, de teu interesse que venhas comigo ao trabalho áspero, para que não te suceda alguma coisa pior.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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