O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Vitória — Familiares diversos


9


“A alegria do resgate havido me confortava”

João Reis de Andrade


1 Minha querida Benedita, sempre querida Dita, esposa e companheira.

2 Meu primeiro pensamento é o da prece. Agradecer a Deus esses minutos.

3 Vejo você com a nossa Vílmer e com os nossos amigos, e embora não me vejam com os olhos, em companhia de meu pai Marcírio e do irmão Villas Boas, ao lado de outros companheiros, estou presente, na ânsia de ganhar tempo e aproveitar os momentos na escrituração desta carta.

4 Não escrevo sozinho. Ainda não tenho experiência bastante para comandar um lápis assim, com tanta rapidez.

5 Mas penso e falo por dentro de mim com você, e com auxilio de amigos daqui, tenho a ideia de que lanço minhas ideias e palavras no papel, tocando com meus dedos um aparelho elétrico que não sei descrever.

6 Digo isso para tranquilizá-los. Se procurassem por mim nas letras, seria difícil o encontro. Para isso eu teria que me sentar como em nossa casa e fazer anotações muito vagarosas.

7 O meio de que me utilizo é a providência de que disponho. E rendo graças a Deus por isso.

8 Minha velha, não chore. A tempestade passou.

9 Vílmer, ajude seu pai a estancar esse poço de lágrimas que, a princípio, quase não pude suportar sem enlouquecer. Felizmente, a luz da nossa fé estava brilhando.

10 Sempre disse, em casa, que Deus me faria uma bênção se tivesse de deixar o meu corpo em serviço, e aconteceu como eu previa.

11 Aqueles nossos estudos e comentários em torno de prece e reencarnação, me auxiliaram nos momentos mais duros de atravessar.

12 Penso que não deveria tocar no assunto, mas tenho consentimento para isso porque não desejo pensamentos de mágoa contra ninguém.

13 Aqueles dois companheiros no carro não seriam os executadores das Leis de Deus? O carro era meu instrumento de trabalho, a riqueza do pai de família, simples e feliz, que sempre fui.

14 Naturalmente, quando me senti despojado da máquina que valia tanto e que me ajudava a sustentar a família, quis reagir, reclamar…

15 Hoje, não tenho memória para dizer os detalhes da ocorrência, mas lembro-me de que um golpe me retirou qualquer faculdade de reação.

16 Orei, reclamando vocês todos, esposa querida e filhos meus! Sabia, porém, que havia soado a hora, a hora que ninguém espera e sempre chega…

17 Tentei pedir clemência e dizer que entregava tudo, mas me poupassem a vida, no entanto, a voz não saía mais. Notei que mãos vigorosas me deitavam numa plantação que me oferecia repouso.

18 No íntimo, sabia que não me achava distante de Campo Mourão, no entanto, a situação em que me achava, não me permitia senão apelar para Deus e seus mensageiros, porque por dentro de mim, adivinhava que o corpo era uma vestimenta que não mais me serviria para o trabalho.

19 Adormeci pensando na família, e procurando esquecer qualquer sentimento que me azedasse as ideias.

20 Recordei todas as lições que tivemos e vivíamos juntos, e aceitei aqueles dois irmãos por amigos que não podiam conhecer que eu, com mais de sessenta anos, tinha na retaguarda uma esposa, filhos e filhas, genros e noras, e netos que adorava.

21 Se soubessem quanto amor brilhava em meu coração, creio que tudo estaria bem. Mas a dívida busca o devedor com endereço exato.

22 A Lei me considerava em débito, e graças a Deus, resgatei compromissos grandes.

23 Rogo a vocês considerarem tudo na paz de Deus, com a Bênção de Deus.

24 O ódio não conduz a caminhos que nos possam trazer qualquer benefício, e para nós reservou-nos Jesus tanto amor que somente o amor deve clarear nossa memória.

25 A princípio, fui conduzido para um hospital, em que o amigo espiritual Dr. Leocádio me prestou imensos serviços.

26 Não sei se vocês se recordam de que minha família, em minha infância, se referia ao Padre Vítor, de Três Pontas, como sendo um benfeitor. Pois, ao lado de meu pai, ele foi também para mim um amigão e um benfeitor, cuja dedicação assinalo.

27 As lembranças de casa, de começo, me faziam sofrer muito. Queria ver você, querida esposa, e ver nossos filhos, mas a cabeça doía e para pensar corretamente, precisava de muito esforço.

28 Ouvia tudo o que se passava no lar, porque meu sentimento não se desligava, até que suas orações, no dia dezessete de abril, com as meninas, me tocaram o coração de tal modo, que a memória se fez lúcida, sempre mais lúcida.

29 Fui até a casa em companhia dos benfeitores que me protegem, e pude ver com que carinho me recordavam o aniversário, você, minha velha, falava em meus sessenta e três anos como se eu estivesse ali sob o nosso telhado para uma festa.

30 Festa de saudade e de pranto, mas enfeitada nas orações que a família me endereçava.

31 Chorei muito, eu que rogo a vocês não chorarem, mas é que a alegria do resgate havido me confortava, embora as dificuldades da existência material, a dívida fora saldada e agradeci, como agradeço agora, as provas por nossas bênçãos.

32 Vou bem e continuarei melhor com as bênçãos de Jesus, para ser-lhes mais útil.

33 A todos os nossos, com os dez filhinhos à frente, o meu abraço de reconhecimento. Nossa Vílmer abraçará as irmãs, e o nosso Valdisnei abraçará os irmãos por mim.

34 Não tenho memória para repetir todos os nomes de nossa gente, porque a lista ficaria incompleta, caso tentasse um esforço para todos enumerar, mas peço a Vanderci abraçar por mim aos genros e noras, e com um beijo aos queridos netos.

35 Querida Benedita, nossa querida companheira, fique tranquila, daqui mesmo posso trabalhar e ajudar a você, nas tarefas de cada dia. Não se esqueça, Deus está por nós e com Deus por nós, tudo seguirá muito bem.

36 A irmã Cândida, Maria Cândida, e o irmão Villas Boas, estão presentes, e abraçam também a você, com o carinho e a gratidão de que sou portador.

37 Agora, faço ponto. Devo desejar a todos paz e fé em Deus.

38 Querida Benedita, sempre querida Benê, receba com a nossa querida Vílmer e com todos os nossos, muito amor e muito reconhecimento de seu velho.

39 O dia de ontem já passou. Hoje está saindo de foco; amanhã será outro dia, e depois, muito depois, para nós, que desejamos a você uma existência longa junto de todos os nossos, será o reencontro, a vida sem separação.

40 Não preciso dizer “até logo”, porque pelo pensamento estamos e continuaremos sempre juntos. Para você, esposa e companheira querida, o coração e a vida do esposo, sempre seu velho e seu companheiro reconhecido


João Reis de Andrade.


A fim de que possamos nos inteirar de todos os detalhes existentes na belíssima página mediúnica do Espírito do Sr. João Reis de Andrade, recebida pelo médium Xavier, na noite de 9 de julho de 1976, sirvamo-nos da correspondência enviada pela antepenúltima filha do comunicante, Srta. Virgínia Iara Andrade, residente em Apucarana, Estado do Paraná, e de recortes de jornais que a sua gentileza passou-nos às mãos.

Inicialmente, a carta ao médium Chico Xavier, postada um mês após a recepção da mensagem:


“Apucarana, 09 de agosto de 1976.

Caro amigo Chico,

Primeiramente, quero agradecer lhe, de coração, pelos inesquecíveis momentos maravilhosos que nos proporcionou, transmitindo-nos os pensamentos e ideias do nosso amado pai João Reis de Andrade.

Agora, explico-lhe com detalhes todo o ocorrido em torno da sua desencarnação.

O meu pai, João Reis, era chofer de táxi, há uns 10 anos, aqui em Apucarana.

No dia 17 de fevereiro de 1975, às 20:00 horas, pegou uma corrida para fazer até Campo Mourão, cidade esta distante de Apucarana mais ou menos 130 Kms.

Antes de sair de viagem, veio avisar em casa que iria viajar e que não nos preocupássemos, pois os passageiros eram conhecidos.

Disse isto para tranquilizar-nos, mas, na verdade, nunca os tinha visto.

Eram em três passageiros.

Ele nunca pegava corrida à noite, e muito menos quando minha mãe não estava em casa; neste dia, de manhã, ela havia ido a São Paulo, com uma irmã, para visitar uma cunhada que perdera o filho, recentemente.

Meu pai João refere, na mensagem, apenas dois irmãos, mas é que um deles não queria que o assassinassem, mas os outros dois insistiram.

Mataram-no em um sítio próximo a Campo Mourão, em uma plantação de soja e, com esta mesma, cobriram o seu corpo já sem vida.

Meu pai, em vida, era espírita, há uns 30 anos, e pouco tempo antes do seu desenlace, disse que já cumprira o seu dever, e começou a preparar a família, falando que não iria completar os 62 anos de idade; como tal aconteceu.

Neste ano de 1976, reunimo-nos no dia 17 de abril, que é data de seu nascimento, e oramos muito, e nesta pequena reunião, minha mãe Benedita sentiu um fluido muito forte.

Somos em 10 irmãos, e pela ordem cronológica, vemos:

Valdenir R. Andrade (casado — 4 filhos).

Vanderci A. Aguìlcra (casada — 4 filhos).

Vilson R. Andrade (casado — 2 filhos).

Valkíria Vilas Boas A. Zolli (casada — 2 filhas).

Vera Lúcia A. Justino (casada — 1 filho).

Venimari V.B. Andrade (Solteira)

Valdeir R. Andrade (solteiro).

Virgínia Iara Andrade (solteira).

Vílmer V. B. Andrade (solteira).

Valdisnei Reis Andrade (solteiro).

A desencarnação do meu pai ocorreu antes das 24 horas do dia 17, e só no dia 19 é que o corpo foi achado, tendo sido enterrado no dia 20.

Os irmãos, autores do crime, foram presos, mas o principal executor se acha inválido em sua casa, impossibilitado de ficar preso, pois, no momento da prisão, travou-se um tiroteio com a polícia, a fim de que se rendessem, e este foi atingido com uma bala na espinha.

No dia do enterro, Vanderci, filha mais velha, foi até o hospital, onde este inválido estava, e conversou com ele, perguntando o porquê de tudo isto.

Não disse que era filha de João Reis, mas disse que a família o perdoava, e aquele que ele havia matado era um espírita:

Feito isto, deu-lhe um exemplar de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, e pediu que meditasse sobre o mesmo.

Na mensagem, João Reis se refere a Marcírio; este foi seu pai em vida.

Maria Cândida era avó de Benedita, sua esposa; e o irmão Villas Boas era o pai de Benedita, portanto, sogro de João Reis, e que foi também assassinado há uns 53 anos atrás.

O padre Victor, de Três Pontas, Minas Gerais,  n era muito amigo da família, e pelo que minha mãe disse, era um padre de um coração boníssimo, que amava muito o seu semelhante.

João Reis escreve: “Querida Benedita, sempre querida Benê”; este era um apelido muito carinhoso com que ele costumava chamá-la.

Chico, não sei se fui bem clara, quanto aos detalhes. Caso algo falte, escreva-me.

Não tenho como agradecer-lhe; o que posso fazer, me sentindo tão pequena com o que você nos proporcionou, é rogar a Deus que o ilumine sempre.

Não temos e nunca tivemos momentos de revolta ou ódio.

Tivemos um pai que soube nos educar, a perdoar e a amar os nossos irmãos; e, principalmente, nos orientou com relação ao Espiritismo.

E, graças ao Espiritismo, acreditamos em dívidas passadas, e que tudo tinha que acontecer, pois sabemos que nem uma folha sequer cai de uma árvore, sem que Deus o permita.

Beijo-lhe as mãos bondosas, suas mãos que nos deram tanta paz!

Virgínia Iara Andrade.”


Respondendo a uma carta que lhe endereçaram os amigos do IDE, a nosso pedido, eis o que afirmou Virgínia, em correspondência, datada de Apucarana, 1.º de agosto de 1979:


“Caros Amigos,

Recebi a carta de vocês há algum tempo, e só agora escrevo-lhes para relatar o que me pediram e para pedir desculpas, do fundo do coração, por esta falta.

Procurarei ser bastante clara, e se houver alguma falha de minha parte, solicito-lhes que me escrevam, a fim de colher os dados que faltam.

No dia 9/7/1976, minha mãe Benedita Villas Boas de Andrade foi até Uberaba e recebeu uma mensagem do meu pai João Reis de Andrade, por intermédio de Francisco C. Xavier.

Nós somos espíritas, e meu pai sempre foi um estudioso do Espiritismo e o conhecia e o aplicava profundamente.

A história dele é a seguinte: era chofer de táxi, há 13 anos, aqui em Apucarana, pai de 10 filhos, avô de 15 netos.”

Depois de relacionar, por ordem decrescente de idade, os filhos do Sr. João Reis de Andrade, acrescenta:

“O meu pai e eu nos dávamos muito bem, e em nossas conversas, disse-me, um dia, que ele não chegaria com vida aos 62 anos de idade, pois tinha uma dívida a cumprir.

Um mês, mais ou menos, antes da sua desencarnação, sonhei que ele havia morrido, e que eu mesma estava tirando-o do carro.

Comentei com o meu pai, a respeito, e o que ele me respondeu: devemos nos preparar.”

Em seguida, esclarece sobre as pessoas citadas na mensagem, sendo de notar-se:

1 ) Vílmer, a filha caçula, foi quem acompanhou D. Benedita na viagem a Uberaba.

2) Marcírio, pai do Sr. João Reis de Andrade, desencarnado há 35 anos.

3) Irmão Villas Boas, irmão de D. Benedita, desencarnado há 56 anos.

4) Doutor Leocádio: “temos poucas informações a respeito dele; o pouco que sabemos é que era um médico que residia no Sul do País”

Transcrevamos, agora, a parte final da carta:

“A assinatura de João Reis, no final da carta mediúnica, corresponde muito com a sua, de quando vivia.

Amigos, espero ter sido clara, e volto a dizer: se não o fui, escrevam-me.

Sem mais, recebam o meu abraço e de todo o pessoal da minha família.

Virgínia Iara de Andrade.”


Das xerocópias dos três recortes de jornais que a gentileza de Virgínia enviou à Editora, a 13 de setembro de 1979, apuramos mais o seguinte:

1) Os dois amigos que assassinaram o Sr. João Reis de Andrade, foram cercados e presos, em Reserva, pelos policiais de Apucarana, o de 21 anos de idade, natural de Belo Horizonte, e o de 22 anos residia em Cascavel.

2) O segundo foi quem desferiu oito facadas no motorista, degolando-o, em seguida, num gesto que ele classificou como “um golpe de misericórdia” para que João Reis parasse de sofrer, evitando uma possível denúncia, dele que lhes suplicava não o matassem.

3) Ambos, depois de presos, foram levados para um hospital de Londrina.

4) O terceiro elemento, que conseguiu fugir, livrando-se dos policiais, foi quem, sozinho, foi ao ponto número 2 de táxis de Apucarana, e lá acertou uma corrida para Campo Mourão, com João Reis, pelo preço de 280 cruzeiros. Corcel era a marca de seu carro.


Belíssimo, com efeito, o exemplo de Espiritismo aplicado, em espírito e verdade, oferecido pela família da aparente vítima, Sr. João Reis de Andrade, ao presentear o seu pretenso algoz, um inválido, no hospital, com um exemplar de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec.

Ao tomar semelhante atitude, digna de louvor, deu mostras de compreender no transe por que passou, o ressarcimento de pesadas dívidas cármicas, tendo o Espírito do Sr. João conseguido lavar, de uma vez por todas, da tessitura de seu perispírito, velha mancha de culpa que carregava, quiçá, desde séculos e séculos.

Que Jesus, o seu e o nosso Único Modelo, o abençoe, hoje e sempre!


Elias Barbosa



[12] Sobre o Padre Victor — Cônego Francisco de Paula Victor, que nasceu em Campanha, MG, a 14 de abril de 1827, e desencarnou em Mariana, MG, a 23 de setembro de 1905, autêntico missionário do Cristo em terras das Minas Gerais, consultemos as páginas 123-124 da obra Eles Voltaram (Francisco Cândido Xavier, Espíritos Diversos, Hércio Marcos C. Arantes, IDE, Araras, SP, 1ª edição, 1981 ), onde estão reproduzidos [v. livro impresso] a melhor foto e o fac-símile da assinatura do referido Magnus Sacerdos, figura das mais reverenciadas em Três Pontas. (Elias B.)


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