O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Voltei — Irmão Jacob


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A surpresa sublime

(Sumário)

1. Aprender será sempre valioso trabalho para o coração.

2 Logo após minha vinda, observando que o combate pela extensão do bem se desdobra em todas as direções, acreditei na possibilidade de prosseguir no mesmo diapasão de atividade intensiva a que me consagrara na Terra.

3 A luz interior revelada por vários amigos, sem que a mínima réstea de claridade me assinalasse a presença, constituíra a primeira evidência a sugerir a modificação de minha atitude mental.

4 De que me valeria o demasiado movimento, sem probabilidades de realização benéfica?

Ali, o serviço pautava-se em linhas diferentes. Dentro do novo Plano, a garantia do êxito permanece exclusivamente no indivíduo.

5 Meu impulso de disputar qualquer tarefa esmorecera.

Tal como o veículo precisa de combustível para se locomover, necessitava eu do fator qualidade para a nova luta em que ingressara.

6 Semelhante impressão jazia mal esboçada em mim, quando o encontro com o infeliz perseguidor ma impôs n violentamente. Dele ouvira referências amargas que me dilaceraram o ser; entretanto, reconheci tamanho proveito nas reprimendas recebidas, que julguei precioso serviço continuar registando as impressões das almas perturbadas a meu respeito. Não seria esse o recurso de traçar com segurança o meu próprio plano de realizações vindouras?

7 Depois da morte o julgamento, por mais desagradável, é uma bênção. Pouco a pouco entendi que era necessário ouvir com humildade, a fim de agir com proveito.

8 O contato direto com um obsessor vulgar aclarara-me a consciência. Salientara ele as sombras que ainda me envolviam e que os abnegados amigos da primeira hora velavam, movidos de piedade evangélica.

9 É imprescindível evitar a precipitação, e meditar antes de atacar novas obras.


REAJUSTAMENTO


2. Desejando preparar-me convenientemente a fim de servir, passei a visitar, sozinho ou acompanhado de outros colegas, as mais diversas associações de Espíritos endurecidos e sofredores.

2 O Irmão Andrade, Marta e outros amigos que me prestavam contínua assistência, atentando agora para as minhas necessidades de reajustamento, deixaram-me sob o exclusivo cuidado da escola de iluminação, que passei a frequentar carinhosamente. Cada lição era nova página de sabedoria reveladora, concitando-me ao desejável aprimoramento.

3 Procurava, pois, nas demonstrações práticas, despertar minhas energias superiores, com a juvenil atenção do universitário dedicado aos livros, interessado em organizar conscienciosamente o próprio futuro.

4 Era preciso buscar humildade no autoconhecimento, através das acusações merecidas ou imerecidas? Não me faltaria coragem para fazê-lo. Sempre que os intervalos naturais dos estudos e tarefas do instituto iluminativo me favoreciam, dirigia-me incontinenti para as zonas de Espíritos transviados, exercitando a minha capacidade de suportação.

5 Da boca de inúmeros infelizes e ignorantes, ouvi longas recordações de meus atos. Criticavam-me acerbamente, discutiam-me propósitos e intenções. Antigas faltas de épocas recuadas, que eu supunha esquecidas, eram trazidas à tona dos remoques verbais. Erros da mocidade, omissões da idade madura, gestos eventuais de aspereza, pequenas promessas não cumpridas, problemas de sentimento não liquidados, tudo, enfim, era revolvido pelos inimigos do bem, dos quais me aproximei nas melhores disposições de entendimento fraterno.

6 Consoante as lições novas armazenava semelhante material com o cuidado do homem prevenido que guarda lanternas adequadas para as horas escuras. Em muitas ocasiões afastei-me do campo de luta em lágrimas, considerando as alegações que me eram atiradas em rosto. Mas… que fazer? Esse, sem dúvida, era o melhor caminho para identificar os próprios defeitos e extirpá-los.

7 Há companheiros que se não resignam a esse gênero de esforço; no entanto, para ganhar tempo observei, desde o primeiro instante, que nesse processo de esclarecimento é possível abreviar a própria renovação para o bem e limitar grandes lutas.


VIVENDO AS LIÇÕES


3. Por mais de duzentos dias, consagrava-me à teoria de iluminação na escola e à prática intensiva dos ensinamentos junto aos irmãos desventurados, quando, certa noite, de volta ao lar espiritual, sozinho, fui assaltado por furioso grupo de clérigos desencarnados, os quais evidenciavam, nas palavras e nos gestos, profunda ignorância e lastimável insensatez. 2 Ao que me pareceu, vinham intencionalmente em meu encalço, tentando infundir-me desequilíbrio e terror. Embuçados em capuzes de trevas, contei-os um a um. Eram dezesseis figuras de aspecto sinistro. 3 Acercaram-se de mim, violentos e sarcásticos. Rememoravam os ataques que, por vezes, impensadamente, desfechara eu sobre os padres. Cobriram-me de insultos e ameaçaram-me sem compaixão. Relembrei a antipatia que indevidamente lhes dedicara à classe respeitável e, satisfeito, reconheci-me transformado, diferente. 4 Aqueles punhos cerrados e erguidos contra mim não me intimidavam e nem me sugeriam reação. Achava-me tranquilo, não obstante surpreso.

Trouxe, contudo, à memória as lições evangélicas de que me achava em pleno curso e, isolando a mente da gritaria infernal, pus-me em meditação.

5 Não nos aconselhara o Senhor a orar pelos que nos perseguem? Não exemplificara a permuta do bem pelo mal? Não nos pedira Ele ajudar os inimigos e amparar os que nos caluniam e odeiam? Além disso, não seriam aquelas almas dignas de ajuda e piedade? Possivelmente, várias circunstâncias haviam conspirado na existência terrestre contra os seus ideais de melhor sorte. 6 Se a Providência Divina não me oferecesse recursos de mais amplo conhecimento da vida; se fosse obrigado, no princípio da luta humana, a demorar-me nas fórmulas de fanatismo religioso, teria alcançado suficiente energia para libertar-me? 7 E se o padre houvera sido eu? Como toleraria as disciplinas? Teria bastante coragem para arrostar os obstáculos impostos pelas vaidades da posição, decorrentes dos compromissos eclesiásticos? Solucionaria sem perturbações os problemas do partidarismo dogmático? 8 Afinal, por que irritar-me? Quem merecia mais compaixão? Eles, que se achavam na desventura de ignorarem o Cristo da bondade e do entendimento, ou eu, que já compreendia de algum modo a necessidade de trabalhar, lutar e sofrer pela redenção própria?

9 Tocado por sincero desejo de auxiliá-los, entreguei-me à prece, não como de outras vezes em que emitia palavras de louvor e súplica com bases menos profundas no sentimento.

Intentava, com toda a alma, ser útil àquela falange de entidades inconscientes. Em verdade, não possuía algo de bom em mim mesmo; entretanto, Jesus permanece rico de bondade e ternura em todos os dias da vida. Atender-nos-ia o apelo, viria em socorro de nossas necessidades…

10 Decorridos alguns minutos observei que ao me contemplarem em oração, os circunstantes se afastaram um tanto, embora continuassem a crivar-me de doestos e zombarias.

11 Quando me detive na rogativa ao Divino Amigo; reportando-me às aflições que aquelas almas infelizes naturalmente deveriam experimentar ao longo do caminho regenerador, e refletindo quanto às angústias de que se vêm acometidas, impressionante silêncio se fez em torno.

12 Nunca talvez como naqueles momentos me senti tão fortemente interessado por alguém, qual se estivesse disputando auxílio para irmãos ou filhos de meu próprio ser.

13 Quando descerrei as pálpebras úmidas pelo pranto de emotividade a que a prece me conduzira, notei que os adversários se afastavam cabisbaixos e vencidos.

14 Procurei invocar-lhes o regresso, a fim de conversarmos fraternalmente, mas a voz jazia sepultada na garganta.

Sobreviera o imprevisto.

15 Tomado de assombro, verifiquei que branda luz de um roxo carregado brilhava em torno de mim.

Oh! Senhor, como pintar a comoção da alma livre aos companheiros que ainda se encontram jungidos às limitações da carne?


NOVO DESPERTAR


4. Surpreendido com semelhante luminosidade, senti-me chumbado ao solo. Quem a estaria irradiando a meu lado?

2 Cerrei os olhos novamente para agradecer a presença do benfeitor que, por certo, ali se encontrava junto de mim; no entanto, apesar de recolher-me à intimidade do próprio “eu”, via ainda os raios a se renovarem no meu íntimo.

3 Intrigado, refugiei-me de novo na prece, em silêncio, quando em meio da massa luminescente lobriguei o vulto de alguém que procurava evidenciar-se. Era Bittencourt Sampaio a estimular-me o coração para o bem. Não se revelava tão nítido quanto na noite inolvidável de nosso encontro no santuário, mas não tive qualquer dificuldade para reconhecê-lo.

4 — “Jacob”, — disse ele, depois de algumas palavras de encorajamento e saudação, — “não te admires da claridade que te rodeia.

“Ela pertence a ti mesmo. Nasce de tuas energias internas, orientadas agora para a Bondade Suprema.

5 “A concentração de amor verdadeiro produz bendita claridade na alma.

“A luz é substância divina gerada nas fontes superiores do Espírito Eterno.

6 “Feliz de ti, que compreendeste sem tibieza a necessidade de alijar os próprios caprichos para que a Vontade do Senhor te favorecesse o santuário da consciência.

7 “A mente que atira para fora de si o obscuro e pesado material dos interesses menos dignos, prepara-se valorosamente para o celeste sinal da irradiação espontânea.

8 “As preocupações indesejáveis passaram. Principiaste a renunciar com sinceridade ao “homem velho” e a “criatura nova em Cristo” se vai formando em teu coração.

“Bendita seja a tua esperança!

9 “Não te esqueças de que o amor dá sempre, principalmente de si mesmo, de suas próprias forças e alegrias.

10 “Por agora, os raios de tua boa vontade brilharão nas horas culminantes da fé, pela concentração de poderes espirituais na prece; todavia, à medida que te recolhas no exercício legítimo do amor cristão, em demonstrações genuínas de entendimento do Evangelho sentido, vivido e aplicado, controlarás tua capacidade irradiante, segundo os ditames da própria alma!

11 “Ama sem paixão, espera sem angústia, trabalha sem expectativa de recompensa, serve a todos sem perguntar, aprende as lições da vida sem revolta, humilha-te sem ruído ante os desígnios superiores, renuncia aos teus próprios desejos, sem lágrimas tempestuosas, e a vontade justa e compassiva do Pai iluminar-te-á constantemente o coração fraterno e o caminho redentor!

12 “Ora, vigia, movimenta-te no esforço digno e sê feliz, meu amigo! A tua luz crescerá com a dilatação de teu devotamento ao Bem Infinito.”


13 Que expressões terrenas poderiam dizer da sublime surpresa que me ofuscava o espírito? Não conseguiria responder.


SÁBIO AVISO


5. Doce e indefinível emoção fazia-me vergar sob o peso de lágrimas de reconhecimento e júbilo.

Reparando que o mensageiro se conservava em silêncio ao meu lado, esperando que me pronunciasse, recordei o ensinamento evangélico e repeti as sagradas palavras:

— Faça-se no escravo a vontade do Senhor. ( † ) E porque vibrasse no desejo de relacionar minhas experiências novas para os companheiros da retaguarda, supliquei lealmente:

2 — Bittencourt, meu amigo, no Plano da carne, nossos irmãos em maioria guardam errado conceito de elevação e salvação. Muitos se acreditam privilegiados por apresentarem um simples título de crença religiosa e outros supõem que basta o dever de assistência caridosa e mecânica ao próximo necessitado e sofredor para que subam inconscientemente aos mundos felizes. Poucos se previnem quanto à exigência de aprimorarem a si mesmos, a fim de irradiarem somente o amor que o Mestre nos legou. 3 Ser-me-á permitido dar-lhes notícias da Esfera nova? Talvez minha humilde experiência pessoal aproveite a alguns deles para que se decidam a praticar o Evangelho e a servi-lo, acima de si mesmos, com esquecimento da vaidade e do orgulho, do egoísmo e da discórdia, que, muitas vezes, nos requeimam o coração!

4 — Sim, Jacob, — concordou, atencioso, — serás autorizado a faze-lo; entretanto, contém os impulsos que te sugerem a iniciativa. Evita as referências pessoais em teu correio fraterno. Em muitas circunstâncias, a citação de um simples nome provoca enormes perturbações mentais em torno da criatura a quem nos referimos. Não tentes impor convicções a Espírito algum, ainda mesmo em se tratando dos mais profundamente amados. 5 Conta o teu caso tranquilamente aos que te puderem ouvir longe da curiosidade enfermiça que nunca se anima ao trabalho sério, sem olvidares a função do tempo na sementeira da fé. Aprende a esperar no serviço edificante, impessoalizando as boas obras. 6 Guarda-te do mau desejo de tudo dizer indiscriminadamente a um só minuto. Há ocasião de plantar e cultivar, colher e selecionar. 7 A verdade é como a luz que, não convenientemente dosada, pode cegar os olhos ao invés de iluminá-los.

8 Transmite, pois, as tuas notícias, prudentemente, sem a presunção de seres aproveitado e aceito no imediatismo da luta humana, e acalma-te sem demora, convencido de que toda criatura, tanto quanto aconteceu conosco, deixará, um dia, o patrimônio da carne, com tudo o que lhe diz respeito no campo da ilusão educativa ou na sombra devastadora. 9 Ajuda a planta a desenvolver-se e florir, mas não lhe violentes o germe a fim de que o fruto apareça no momento preciso.

10 Em seguida, Bittencourt despediu-se com palavras reconfortantes e amigas, deixando-me na consoladora certeza de que me seria possível esclarecer os irmãos de luta e de ideal, quanto às surpresas que me haviam aguardado além da morte.

Que alegria maior poderia felicitar-me o coração de lutador?


Irmão Jacob


[1] [No original impresso: “m’a impôs”.]



Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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