O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão | Estudos Espíritas

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ESDE — Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita — Programa Complementar

Módulo I — Vida no Mundo Espiritual

Roteiro 2


Perturbação espiritual


Objetivo Geral: Propiciar conhecimentos da vida no Mundo Espiritual.

Objetivo Específico: Analisar as experiências da perturbação espiritual, que ocorrem por ocasião da morte do corpo físico.



CONTEÚDO BÁSICO


  • Na transição da vida corporal para a espiritual, produz-se […] um outro fenômeno de importância.capital — a perturbação. Nesse instante a alma experimenta um torpor que paralisa momentaneamente as suas faculdades, neutralizando, ao menos em parte, as sensações. É como se disséssemos um estado de catalepsia, de modo que a alma quase nunca testemunha conscientemente o derradeiro suspiro. Dizemos quase nunca, porque há casos em que a alma pode contemplar conscientemente o desprendimento […]. A perturbação pode, pois, ser considerada o estado normal no instante da morte e perdurar por tempo indeterminado, variando de algumas horas a alguns anos. […] Allan Kardec: O Céu e o Inferno. Segunda parte, Capítulo I, item 6.

  • Por ocasião da morte, tudo, a princípio, é confuso. De algum tempo precisa a alma para entrar no conhecimento de si mesma. Ela se acha como que aturdida, no estado de uma pessoa que despertou de profundo sono e procura orientar se sobre a sua situação. A lucidez das ideias e a memória do passado lhe voltam, à medida que se apaga a influência da matéria que ela acaba de abandonar, e à medida que se dissipa a espécie de névoa que lhe obscurece os pensamentos. Muito variável é o tempo que dura a perturbação que se segue à morte. Pode ser de algumas horas, como também de muitos meses e até de muitos anos. Aqueles que, desde quando ainda viviam na Terra, se identificaram com o estado futuro que os aguardava, são os em quem menos longa ela é, porque esses compreendem imediatamente a posição em que se encontram. […] A perturbação que se segue à morte nada tem de penosa para o homem de bem, que se conserva calmo, semelhante em tudo a quem acompanha as fases de um tranquilo despertar. Para aquele cuja consciência ainda não está pura, a perturbação é cheia de ansiedade e de angústias, que aumentam à proporção que ele da sua situação se compenetra. Nos casos de morte coletiva, tem sido observado que todos os que perecem ao mesmo tempo nem sempre tornam a ver se logo. Presas da perturbação que se segue à morte, cada um vai para seu lado, ou só se preocupa com os que lhe interessam. Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, questão 165 - comentário.




SUGESTÕES DIDÁTICAS


Introdução:

  • Explicar, em linhas gerais, o que é e como ocorre a perturbação espiritual por ocasião da morte do corpo físico.


Desenvolvimento:

  • Concluídas as explicações, convidar os participantes para analisarem as diferentes experiências de perturbação espiritual, tendo como base os exemplos citados no anexo deste roteiro, extraídos da segunda parte do livro O Céu e o Inferno.

  • Solicitar a formação de quatro grupos e entregar a cada um deles um caso para ser lido, discutido e, posteriormente, debatido em plenária. (Veja anexo).

  • Realizar o debate dos casos, em plenária, orientando-se pelo seguinte roteiro:

    a) breve descrição do caso;

    b) análise, juntamente com a turma, da experiência vivida pelo Espírito por ocasião da sua desencarnação, destacando as possíveis causas que caracterizaram o estado de maior ou menor perturbação espiritual.


Conclusão:

  • Destacar, como conclusão do estudo, a importância do conhecimento espírita ante a realidade da desencarnação que, cedo ou tarde, todos deveremos enfrentar. (Veja a referência bibliográfica n.º 3)


Avaliação:

  • O estudo será considerado satisfatório, se os participantes analisarem as diferentes experiências de perturbação espiritual, por ocasião da morte do corpo físico, de acordo com o debate realizado em plenária.


Técnica(s):

  • Exposição; estudo de caso, adaptado.


Recurso(s):

  • Subsídios deste roteiro; textos adaptados de relatos existentes no livro O Céu e o Inferno, segunda parte.



 

SUBSÍDIOS


1. Perturbação espiritual por ocasião da desencarnação

Sabemos que […] o Espírito não é uma abstração, é um ser definido, limitado e circunscrito. O Espírito encarnado no corpo constitui a alma. Quando o deixa, por ocasião da morte, não sai dele despido de todo o envoltório. Todos [os Espíritos] nos dizem que conservam a forma humana e, com efeito, quando nos aparecem, trazem as que lhes conhecíamos. Observemo-los atentamente, no instante em que acabem de deixar a vida; acham-se em estado de perturbação; tudo se lhes apresenta confuso, em torno; veem perfeito ou mutilado, conforme o gênero da morte, o corpo que tiveram; por outro lado se reconhecem e sentem vivos; alguma coisa lhes diz que aquele corpo lhes pertence e não compreendem como podem estar separados dele. Continuam a ver se sob a forma que tinham antes de morrer e esta visão, nalguns, produz, durante certo tempo, singular ilusão: a de se crerem ainda vivos. Falta-lhes a experiência do novo estado em que se encontram, para se convencerem da realidade. (8)

Desta forma, a consciência da própria morte, ou da desencarnação recente, ainda não é nítida para a maioria dos Espíritos. Em primeiro lugar o […] desprendimento opera-se gradualmente e com lentidão variável, segundo os indivíduos e as circunstâncias da morte. Os laços que prendem a alma ao corpo não se rompem senão aos poucos, e tanto menos rapidamente quanto mais a vida foi material e sensual. (9) Em segundo lugar, desconhecendo a realidade do além-túmulo, o instante que se segue à morte é, em geral, confuso. A pessoa precisa de […] algum tempo para se reconhecer; ela conserva-se tonta, no estado do homem que sai de profundo sono e que procura compreender a sua situação. A lucidez das ideias e a memória do passado lhe voltam, à medida que se destrói a influência da matéria de que ela acaba de separar se, e que se dissipa o nevoeiro que lhe obscurece os pensamentos. O tempo da perturbação, sequente à morte, é muito variável; pode ser de algumas horas somente, como de muitos dias, meses ou, mesmo, de muitos anos. É menos longa, entretanto, para aqueles que, enquanto vivos [encarnados] se identificaram com o seu estado futuro, porque esses compreendem imediatamente sua situação; porém, é tanto mais longa quanto mais materialmente o indivíduo viveu. (10)


2. Níveis de perturbação espiritual, sequentes à desencarnação

A perturbação que se segue à separação entre a alma e o corpo, pelo fenômeno da morte, é variável de indivíduo para indivíduo, em grau e tempo de duração. Tudo […] depende da elevação de cada um. Aquele que já está purificado, se reconhece quase imediatamente, pois que se libertou da matéria antes que cessasse a vida do corpo, enquanto que o homem carnal, aquele cuja consciência ainda não está pura, guarda por muito mais tempo a impressão da matéria. (4) Para aquele cuja consciência não é pura e amou mais a vida corporal que a espiritual, esse momento é cheio de ansiedade e de angústias, que vão aumentando à medida que ele se reconhece, porque então sente medo e certo terror diante do que vê e sobretudo do que entrevê. A sensação a que podemos chamar física, é a de grande alívio e de imenso bem-estar, fica-se como que livre de um fardo, e o Espírito sente-se feliz por não mais experimentar as dores corporais que o atormentavam alguns instantes antes; sente-se livre, desembaraçado, como aquele a quem tirassem as cadeias que o prendiam. Em sua nova situação, a alma vê e ouve ainda outras coisas que escapam à grosseria dos órgãos corporais. Tem, então, sensações e percepções que nos são desconhecidas. (11)


2.1 — Perturbação espiritual em Espíritos moralmente atrasados

Um fenômeno mui frequente entre os Espíritos de certa inferioridade moral é o acreditarem-se ainda vivos, podendo esta ilusão prolongar se por muitos anos, durante os quais eles experimentarão todas as necessidades, todos os tormentos, e perplexidades da vida. (1) Para o criminoso, a presença incessante das vítimas e das circunstâncias do crime é um suplício cruel. (2)


2.2 — Perturbação em razão de morte violenta

Nos casos de morte violenta, por suicídio, suplício, acidente, apoplexia, ferimentos, etc., o Espírito fica surpreendido, espantado e não acredita estar morto. Obstinadamente sustenta que não o está. No entanto, vê o seu próprio corpo, reconhece que esse corpo é seu, mas não compreende que se ache separado dele. Acerca-se das pessoas a quem estima, fala-lhes e não percebe por que elas não o ouvem. Semelhante ilusão se prolonga até ao completo desprendimento do perispírito. Só então o Espírito se reconhece como tal e compreende que não pertence mais ao número dos vivos. Este fenômeno se explica facilmente. Surpreendido de improviso pela morte, o Espírito fica atordoado com a brusca mudança que nele se operou; considera ainda a morte como sinônimo de destruição, de aniquilamento. Ora, porque pensa, vê, ouve, tem a sensação de não estar morto. Mais lhe aumenta a ilusão o fato de se ver com um corpo semelhante, na forma, ao precedente, mas cuja natureza etérea ainda não teve tempo de estudar. Julga-o sólido e compacto como o primeiro e, quando se lhe chama a atenção para esse ponto, admira-se de não poder palpá-lo. […] Ora, como pensam livremente e veem, julgam naturalmente que não dormem. Certos Espíritos revelam essa particularidade, se bem que a morte não lhes tenha sobrevindo inopinadamente: Todavia, sempre mais generalizada se apresenta entre os que, embora doentes, não pensavam em morrer. Observa-se então o singular espetáculo de um Espírito assistir ao seu próprio enterramento como se fora o de um estranho, falando desse ato como de coisa que lhe não diz respeito, até ao momento em que compreende a verdade. (5)


2.3 — Perturbação dos suicidas

A perturbação no caso dos suicidas é sempre penosa, independentemente do gênero de suicídio. A observação, realmente, mostra que os efeitos do suicídio não são idênticos. Alguns há, porém, comuns a todos os casos de morte violenta e que são a consequência da interrupção brusca da vida. Há, primeiro, a persistência mais prolongada e tenaz do laço que une o Espírito ao corpo, por estar quase sempre esse laço na plenitude da sua força no momento em que é partido, ao passo que, no caso de morte natural, ele se enfraquece gradualmente e muitas vezes se desfaz antes que a vida se haja extinguido completamente. As consequências deste estado de coisas são o prolongamento da perturbação espiritual, seguindo-se à ilusão em que, durante mais ou menos tempo, o Espírito se conserva de que ainda pertence ao número dos vivos. A afinidade que permanece entre o Espírito e o corpo produz, nalguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo no Espírito, que, assim, a seu mau grado, sente os efeitos da decomposição, donde lhe resulta uma sensação cheia de angústias e de horror, estado esse que também pode durar pelo tempo que devia durar a vida que sofreu interrupção. Não é geral este efeito […]. Em alguns, verifica-se uma espécie de ligação à matéria, de que inutilmente procuram desembaraçar se, a fim de voarem para mundos melhores, cujo acesso, porém, se lhes conserva interdito. A maior parte deles sofre o pesar de haver feito uma coisa inútil, pois que só decepções encontram. (7)


2.4 — Perturbação em caso de morte coletiva

Nos casos de morte coletiva, tem sido observado que todos os que perecem ao mesmo tempo nem sempre tornam a ver se logo. Presas da perturbação que se segue à morte, cada um vai para seu lado, ou só se preocupa com os que lhe interessam. (6)

Allan Kardec, em se reportando à necessidade de identificação com a vida espiritual — em detrimento da vida terrena — , com vistas a um despertar mais tranquilo, assim se expressa: Para que cada qual trabalhe na sua purificação, reprima as más tendências e domine as paixões, preciso se faz que abdique das vantagens imediatas em prol do futuro, visto como, para identificar se com a vida espiritual, encaminhando para ela todas as aspirações e preferindo-a à vida terrena, não basta crer, mas compreender. Devemos considerar essa vida debaixo de um ponto de vista que satisfaça ao mesmo tempo à razão, à lógica, ao bom senso e ao conceito em que temos a grandeza, a bondade e a justiça de Deus. Considerado deste ponto de vista, o Espiritismo, pela fé inabalável que proporciona, é, de quantas doutrinas filosóficas que conhecemos, a que exerce mais poderosa influência. O espírita sério não se limita a crer, porque compreende, e compreende, porque raciocina; a vida futura é uma realidade que se desenrola incessantemente a seus olhos; uma realidade que ele toca e vê, por assim dizer, a cada passo e de modo que a dúvida não pode empolgá-lo, ou ter guarida em sua alma. A vida corporal, tão limitada, amesquinha-se diante da vida espiritual, da verdadeira vida. Que lhe importam os incidentes da jornada se ele compreende a causa e utilidade das vicissitudes humanas, quando suportadas com resignação? A alma eleva-se-lhe nas relações com o mundo visível; os laços fluídicos que o ligam à matéria enfraquecem-se, operando-se por antecipação um desprendimento parcial que facilita a passagem para a outra vida. A perturbação consequente à transição pouco perdura, porque, uma vez franqueado o passo, para logo se reconhece, nada estranhando, antes compreendendo, a sua nova situação. (3)



 

ANEXO — TEXTOS PARA DEBATE


CASO 1. SANSON (12)

Antigo membro da Sociedade Espírita de Paris, faleceu a 21 de abril de 1862, depois de um ano de atrozes padecimentos, Pediu a Allan Kardec que o evocasse logo após a sua desencarnação, o que foi feito em duas diferentes ocasiões.


Resumo do Caso

Kardec: Fostes tão sofredor que podemos, penso eu, perguntar como vos achais agora… Sentis ainda as vossas dores? Comparando a situação de hoje com a de dois dias atrás, que sensações experimentais?

Sanson: A minha situação é bem ditosa; acho-me regenerado, renovado, como se diz entre vós, nada mais sentindo das antigas dores. A passagem da vida terrena para a dos Espíritos deixou-me de começo num estado incompreensível, porque ficamos algumas vezes muitos dias privados de lucidez. Eu havia feito no entanto um pedido a Deus para permitir-me falar aos que estimo, e Deus ouviu-me.


Kardec: Ao fim de que tempo recobrastes a lucidez das ideias?

Sanson: Ao fim de oito horas.


Kardec: Que efeito vos causa o vosso corpo aqui ao lado?

Sanson: Meu corpo! pobre, mísero despojo… volve ao pó, enquanto eu guardo a lembrança de todos que me estimaram. Vejo essa pobre carne decomposta, morada que foi do meu Espírito, provação de tantos anos! Obrigado, mísero corpo, pois que purificaste o meu Espírito! O meu sofrimento, dez vezes bendito, deu-me um lugar bem compensador, por isso que tão depressa posso comunicar-me convosco…


Kardec: Conservastes as ideias até ao último instante?

Sanson: Sim. O meu Espírito conservou as suas faculdades, e quando já não mais via, pressentia. Toda a minha existência se desdobrou na memória e o meu último pensamento, a última prece, foi para que pudesse comunicar-me convosco, como o faço agora; em seguida pedi a Deus que vos protegesse, para que o sonho da minha vida se completasse.


Kardec: Tivestes consciência do momento em que o corpo exalou o derradeiro suspiro? que se passou convosco nesse momento? que sensação experimentastes?

Sanson: Eu não sentia, nada compreendia e, no entanto, uma felicidade inefável me extasiava de gozo, livre do peso das dores. Não vos atemorize a morte, meus amigos: ela é um estádio da vida, se bem repito: coragem e boa vontade! Não deis mais que medíocre valor aos bens terrenos, e sereis recompensados.


Kardec: Dissestes que por ocasião de expirar nada víeis, porém pressentíeis. Compreende-se que nada vísseis corporalmente, mas o que pressentíeis antes da extinção seria a claridade do mundo dos Espíritos?

Sanson: Foi o que eu disse precedentemente, o instante da morte dá clarividência ao Espírito; os olhos não veem, porém o Espírito, que possui uma vista bem mais profunda, descobre instantaneamente um mundo desconhecido, e a verdade, brilhando de súbito, lhe dá momentaneamente imensa alegria ou funda mágoa, conforme o estado de consciência e a lembrança da vida passada.


Kardec: Podeis dizer-nos o que vos impressionou, o que vistes no momento em que os vossos olhos se abriram à luz? Podeis descrever-nos, se é possível, o aspecto das coisas que se vos depararam?

Sanson: Quando pude voltar a mim e ver o que tinha diante dos olhos, fiquei como que ofuscado, sem poder compreender, porquanto a lucidez não volta repentinamente. Deus, porém, que me deu uma prova exuberante da sua bondade, permitiu-me recuperasse as faculdades, e foi então que me vi cercado de numerosos, bons e fiéis amigos. Todos os Espíritos protetores que nos assistem, rodeavam-me sorrindo; uma alegria sem par irradiava-lhes do semblante e também eu, forte e animado, podia sem esforço percorrer os espaços. O que eu vi não tem nome na linguagem dos homens.




CASO 2. Sra. HÉLÈNE MICHEL (13)
Resumo do Caso

Jovem de 25 anos, falecida subitamente no lar, sem sofrimentos, sem causa previamente conhecida. Rica e um tanto frívola, a leviandade de caráter predispunha-a mais para as futilidades da vida do que para as coisas sérias. Não obstante, possuía um coração bondoso e era dócil, afetuosa e caritativa. Evocada três dias após a morte por pessoas conhecidas, exprimia-se assim:

“Não sei onde estou… que turbação me cerca! Chamaste-me, e eu vim. Não compreendo por que não estou em minha casa; lamentam a minha ausência quando presente estou, sem poder fazer-me reconhecida. Meu corpo não mais me pertence, e no entanto eu lhe sinto a algidez.. Quero deixá-lo e mais a ele me prendo, sempre… Sou como que duas personalidades… Oh! quando chegarei a compreender o que comigo se passa? É necessário que vá lá ainda… meu outro “eu”, que lhe sucederá na minha ausência? Adeus.”


Comentário de Kardec: O sentimento da dualidade que não está ainda destruído por uma completa separação, é aqui evidente. Caráter volúvel, permitindo-lhe a posição e a fortuna a satisfação de todos os caprichos, deveria igualmente favorecer as tendências de leviandade. Não admira, pois, tenha sido lento o seu desprendimento, a ponto de, três dias após a morte, sentir-se ainda ligada ao invólucro corporal. Mas, como não possuísse vícios sérios e fosse de boa índole, essa situação nada tinha de penosa e não deveria prolongar-se por muito tempo. Evocada novamente depois de alguns dias, as suas ideias estavam já muito modificadas.

Eis o que disse:

“Obrigada por haverdes orado por mim. Reconheço a bondade de Deus, que me subtraiu aos sofrimentos e apreensões consequentes ao desligamento do meu Espírito. À minha pobre mãe será dificílimo resignar-se; entretanto ser confortada, e o que a seus olhos constitui sensível desgraça, era fatal e indispensável para que as coisas do Céu se lhe tornassem no que devem ser: tudo. Estarei ao seu lado até o fim da sua provação terrestre, ajudando-a a suportá-la. Não sou infeliz, porém, muito tenho ainda a fazer para aproximar-me da situação dos bem-aventurados. Pedirei a Deus me conceda voltar a essa Terra para reparação do tempo que aí perdi nesta última existência. A fé vos ampare, meus amigos; confiai na eficácia da prece, mormente quando partida do coração. Deus é bom.”


Allan Kardec: Levastes muito tempo a reconhecer-vos?

Hélène: Compreendi a morte no mesmo dia que por mim orastes.


Allan Kardec: Era doloroso o estado de perturbação?

Hélène: Não, eu não sofria, acreditava sonhar e aguardava o despertar. Minha vida não foi isenta de dores, mas todo ser encarnado nesse mundo deve sofrer. Resignando-me à vontade de Deus, a minha resignação foi por Ele levada em conta. Grata vos sou pelas preces que me auxiliaram no reconhecimento de mim mesma. Obrigada; voltarei sempre com prazer. Adeus.




CASO 3. NOVEL (14)
Resumo do Caso

O Espírito dirige-se ao médium, que em vida o conhecera.

“Vou contar-te o meu sofrimento quando morri. Meu Espírito, preso ao corpo por elos materiais, teve grande dificuldade em desembaraçar-se — o que já foi, por si uma rude angústia.

A vida que eu deixava aos 21 anos era ainda tão vigorosa que eu não podia crer na sua perda. Por isso procurava o corpo, estava admirado, apavorado por me ver perdido num turbilhão de sombras. Por fim, a consciência do meu estado e a revelação das faltas cometidas, em todas as minhas encarnações, feriram-me subitamente, enquanto uma luz implacável me iluminava os mais secretos âmagos da alma, que se sentia desnudada e logo possuída de vergonha acabrunhante. Procurava fugir a essa influência interessando-me pelos objetos que me cercavam, novos, mas que, no entanto, já conhecia; os Espíritos luminosos, flutuando no éter, davam-me a ideia de uma ventura a que eu não podia aspirar; formas sombrias e desoladas, mergulhadas umas em tedioso desespero; furiosas ou irônicas outras, deslizavam em torno de mim ou por sobre a terra a que me chumbava. Eu via agitarem-se os humanos cuja ignorância invejava; toda uma ordem de sensações desconhecidas, ou antes reencontradas, invadiram-me simultaneamente. Como que arrastado por força irresistível, procurando fugir à dor encarniçada, franqueava as distâncias, os elementos, os obstáculos materiais, sem que as belezas naturais nem os esplendores celestes pudessem acalmar um instante a dor acerba da consciência, nem o pavor causado pela revelação da eternidade. Pode um mortal prejulgar as torturas materiais pelos arrepios da carne; mas as vossas frágeis dores, amenizadas pela esperança, atenuadas por distrações ou mortas pelo esquecimento, não vos darão nunca a ideia das angústias de uma alma que sofre sem tréguas, sem esperança, sem arrependimento. Decorrido um tempo cuja duração não posso precisar, invejando os eleitos cujos esplendores entrevia, detestando os maus Espíritos que me perseguiam com remoques, desprezando os humanos cujas torpezas eu via, passei de profundo abatimento a uma revolta insensata.

Chamaste-me finalmente, e pela primeira vez um sentimento suave e terno me acalmou; escutei os ensinos que te dão os teus guias, a verdade impôs-se-me, orei; Deus ouviu-me, revelou-se-me por sua Clemência, como já se me havia revelado por sua Justiça.”




CASO 4. FRANÇOIS-SIMON LOUVET (15)
Resumo do Caso

A seguinte comunicação foi dada espontaneamente, em uma reunião espírita no Havre, a 12 de fevereiro de 1863.

“Tereis piedade de um pobre miserável que passa de há muito por cruéis torturas?! Oh! o vácuo… o Espaço… despenho-me… caio… morro… Acudam-me! Deus, eu tive uma existência tão miserável… Pobre diabo, sofri fome muitas vezes na velhice; e foi por isso que me habituei a beber, a ter vergonha e desgosto de tudo. Quis morrer, e atirei-me… Oh! meu Deus! Que momento! E para que tal desejo, quando o termo estava tão próximo? Orai, para que eu não veja incessantemente este vácuo debaixo de mim… Vou despedaçar-me de encontro a essas pedras! Eu vo-lo suplico, a vós que conheceis as misérias dos que não mais pertencem a esse mundo. Não me conheceis, mas eu sofro tanto… Para que mais provas? Sofro! Não será isso o bastante? Se eu tivera fome, em vez deste sofrimento mais terrível e aliás, imperceptível ara vós, não vacilaríeis em aliviar-me com uma migalha de pão. Pois eu vos peço que oreis por mim… Não posso permanecer por mais tempo neste estado… Perguntai a qualquer desses felizes que aqui estão, e sabereis quem fui. Orai por mim.”

Palavras de um benfeitor espiritual: “Esse que acaba de se dirigir a vós foi um pobre infeliz que teve na Terra a prova da miséria; vencido pelo desgosto, faltou-lhe a coragem, e, em vez de olhar para o céu como devia, entregou-se à embriaguez; desceu aos extremos últimos do desespero, pondo termo à sua triste provação: atirou-se da Torre Francisco I, no dia 22 de julho de 1857. Tende piedade de sua pobre alma, que não é adiantada, mas que lobriga da vida futura o bastante para sofrer e desejar uma reparação. Rogai a Deus lhe conceda essa graça, e com isso tereis feito obra meritória.”

Buscando-se informes a respeito, encontrou-se no Journal du Havre, de 23 de julho de 1857, a seguinte notícia local:

“Ontem, às 4 horas da tarde, os transeuntes do cais foram dolorosamente impressionados por um horrível acidente: — um homem atirou-se da torre, vindo despedaçar-se sobre as pedras. Era um velho puxador de sirga, cujo pendor à embriaguez o arrastara ao suicídio. Chamava-se François Victor-Simon Louvet. O corpo foi transportado para a casa de uma das suas filhas, à rua de la Corderie. Tinha 67 anos de idade.”

Comentário de Kardec: Seis anos fazia que esse homem morrera e ele se via ainda cair da torre, despedaçando-se nas pedras… Aterra-o o vácuo, horroriza-o a perspectiva da queda… e isso há 6 anos! Quanto tempo durará tal estado? Ele não o sabe, e essa incerteza lhe aumenta as angústias.



Referências Bibliográficas:

1. KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Tradução de Manuel Justiniano Quintão. 56. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Primeira parte, Capítulo VII: Código penal da vida futura, 23º, p. 97.

2. Idem, ibidem - 24º, p.97.

3. Idem - Segunda parte. Capítulo I (O passamento), item 14, p. 172-173.

4. Idem - O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 85. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004, questão 164, p. 117-118.

5. Id. - Questão 165 - comentário, p. 118-119.

6. Idem, ibidem - p. 119.

7. Id. - Questão 957 - comentário, p. 443-444.

8. Idem - O Livro dos Médiuns. Tradução de Guillon Ribeiro. 74. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Segunda parte, Capítulo I, item 53, p. 76-77.

9. Idem - O Que é o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 50. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004. Capítulo III (Solução de alguns problemas pela Doutrina Espírita), item 144 (O homem depois da morte), p. 207.

10. Id. - Item 145 (O homem depois da morte), p. 207-208.

11. Item 152 - p. 208.

12. Idem - O Céu e o Inferno. Tradução de Manuel Justiniano Quintão. 56. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Segunda parte, capítulo II, p. 175-181.

13. Id. - Capítulo III, p. 246-247.

14. Id. - Capítulo IV, p. 265-266.

15. Id. - Capítulo V, p. 301-302.


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