O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão | Estudos Espíritas

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ESDE — Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita — Programa Fundamental

Módulo I — Introdução ao Estudo do Espiritismo

Roteiro 1


O contexto histórico do século XIX na Europa


Objetivo Geral: Propiciar conhecimentos gerais sobre a Doutrina Espírita.

Objetivo Específico: Identificar o contexto histórico do século XIX na Europa, por ocasião do surgimento da Doutrina Espírita.



CONTEÚDO BÁSICO


  • O século XIX desenrolava uma torrente de claridades na face do mundo, encaminhando todos os países para reformas úteis e preciosas […]. Emmanuel: A Caminho da Luz. Capítulo 23.

  • Esse século, por direito, pode ser chamado o século das revoluções, porque nenhum — até agora — foi tão fértil em levantes, insurreições, guerras civis, ora vitoriosas, ora esmagadas. Essas revoluções têm como ponto comum o fato de serem quase todas dirigidas contra a ordem estabelecida […], quase todas feitas em favor da liberdade, da democracia política ou social, da independência ou unidade nacionais. René Rémond: O Século 19 — Introdução.

  • No século XIX as […] lições sagradas do Espiritismo iam ser ouvidas pela Humanidade sofredora. Jesus, na sua magnanimidade, repartiria o pão sagrado da esperança e da crença com todos os corações. Emmanuel: A Caminho da Luz. Capítulo 23.




SUGESTÕES DIDÁTICAS


Introdução:

  • Iniciar a reunião fazendo uma apresentação geral do tema, por meio da técnica expositiva, destacando as ideias introdutórias dos subsídios deste Roteiro. Utilizar projeções ou cartazes.


Desenvolvimento:

  • Pedir aos participantes que formem grupos para a realização das seguintes atividades, tendo como base os subsídios:


Grupo 1 — Leitura, comentários e resumo escrito do item 1.1 — A Revolução Francesa e suas consequências.


Grupo 2 — Leitura, comentários e resumo escrito do item 1.2 — A Revolução Industrial e as suas repercussões.


Grupo 3 — Leitura, comentários e resumo escrito do item 1.3 — Manifestações artísticas e culturais do século XIX.

  • Solicitar aos relatores dos grupos que façam a leitura do resumo, em plenária.

  • Destacar pontos fundamentais da apresentação dos relatores., esclarecendo possíveis dúvidas.


Conclusão:

  • Fazer o fechamento do assunto, destacando os principais pontos constantes do item 1.4 dos subsídios (manifestações filosóficas, científicas, políticas e sociais do século XIX), os quais tiveram o poder de influenciar as gerações posteriores.


Avaliação:

  • O estudo será considerado satisfatório se os participantes demonstrarem interesse e desenvolverem as tarefas com entusiasmo.


Técnica(s):

  • Exposição; trabalho em pequenos grupos.


Recurso(s):

  • Cartazes ou transparências; subsídios deste Roteiro; lápis, papel.



 

SUBSÍDIOS


O século XIX representou uma dessas épocas em que fomos especialmente abençoados pela bondade superior, a despeito de todas as dificuldades assinaladas nesse período. Além das enormes contribuições culturais recebidas, fomos imensamente distinguidos pelo advento do Espiritismo, materializado no mundo físico pelo trabalho inestimável do professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail que, ao codificar a Doutrina Espírita, adotou o pseudônimo de Allan Kardec.

Entretanto, é o século que dá início aos grandes movimentos revolucionários europeus, que derrubaram o absolutismo, implantaram a economia liberal e extinguiram o antigo sistema colonial, movimentos esses apoiados nas ideias renovadoras da Filosofia e da Ciência, divulgadas no século XVIII por Espíritos reformadores, denominados iluministas e enciclopedistas. Tais ideias, de acordo com o Espírito Emmanuel, constituíram a base para que fossem combatidos, no século XIX, os […] erros da sociedade e da política, fazendo soçobrar os princípios do direito divino, em nome do qual se cometiam todas as barbaridades. Vamos encontrar nessa plêiade de reformadores os vultos veneráveis de Voltaire [1694-1778], Montesquieu [1689-1755], Rousseau [1712-1778], D’Alembert [1717-1783], Diderot [1713-1784], Quesnay [1694-1774]. Suas lições generosas repercutem na América do Norte, como em todo o mundo. Entre cintilações do sentimento e do gênio, foram eles os instrumentos ativos do mundo espiritual, para regeneração das coletividades terrestres. (14) Enfatiza, ainda, Emmanuel que […] foi dos sacrifícios desses corações generosos que se fez a fagulha divina do pensamento e da liberdade, substância de todas as conquistas sociais de que se orgulham os povos modernos. (14)

 Os Estados Unidos foram a primeira nação a absorver efetivamente o pensamento renovador dos iluministas. Assim é que, após alguns incidentes com a metrópole — Grã-Bretanha — , os americanos proclamam a sua independência política, em 4 de julho de 1776, tendo sido organizada, posteriormente, a Constituição de Filadélfia, modelo dos códigos democráticos do futuro. (15)

A independência americana repercutiu intensamente na França, acendendo o mais vivo entusiasmo no ânimo dos franceses, humilhados pelas mais prementes dificuldades, depois do extravagante reinado de Luís XV. (16) Em consequência, desencadeou-se um poderoso movimento revolucionário em 1789 — a Revolução Francesa — , considerada o marco que separa a Idade Moderna da atual, a Contemporânea. Os sucessivos progressos culturais em todos os campos do saber humano, desencadeados pela Revolução Francesa, foram tão marcantes que o século XIX entrou para a história como sendo o Século da Razão, assim como o século XVIII é denominado o Século das Luzes.

No contexto da história da civilização ocidental europeia, […] o século XIX, tal como os historiadores o delimitam, ou seja, o período compreendido entre o fim das guerras napoleônicas e o início do primeiro conflito mundial […], é um dos séculos mais complexos […] (7), marcado por um período de profundas transformações político-sociais e econômicas, as quais tiveram o poder de influenciar gerações posteriores.


1. O contexto histórico europeu do século XIX


1. 1 — A Revolução Francesa e as suas consequências

No apagar das luzes do século XVIII, a França, uma monarquia governada por Luiz XVI, é ainda um país agrário, com industrialização incipiente. A sociedade francesa está constituída de três grupos sociais básicos: o clero, a nobreza, a burguesia. O clero, cognominado de Primeiro Estado, representa 2% da população total e é isento de impostos. Há um grande desnível entre o alto clero, de origem nobre e possuidor de grandes rendimentos originários das rendas eclesiásticas, e o baixo clero, de origem plebeia, reduzido à própria subsistência. A nobreza, conhecida como Segundo Estado, faz parte dos 2,5% de uma população de 23 milhões de habitantes. Não paga impostos e tem acesso aos cargos públicos. Subdivide-se em alta nobreza, cujos rendimentos provêm dos tributos senhoriais, das pensões reais e dos cargos na corte; em nobreza rural, que possui direitos de senhorio e de exploração agrícola, e em nobreza burocrática, de origem burguesa, que ocupa os altos postos administrativos. Cerca de 95% da população-que inclui desde ricos comerciantes até camponeses formam o Terceiro Estado, que engloba a burguesia (fabricantes, banqueiros, comerciantes, advogados, médicos), os artesãos, o proletariado industrial e os camponeses. Os burgueses têm poder econômico, devido, principalmente, às atividades industriais e financeiras. No entanto, igualada ao povo, a burguesia não tem direito de participação política nem de ascensão social. Foi essa situação que desencadeou uma série de conflitos, que culminaram com a Revolução Francesa, de 14 de julho de 1789. (3)

A despeito dos inegáveis benefícios sociais e políticos produzidos pela Revolução Francesa, entre eles a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, seguiram-se anos de terror, que favoreceram o golpe de estado executado por Napoleão Bonaparte, no final do século dezoito. Os sublimes ideais da Revolução Francesa foram desvirtuados, em razão do abuso do poder exercido por aqueles que assumiram o governo do país. Segundo Emmanuel, naqueles anos de terror, a […] França atraía para si as mais dolorosas provações coletivas nessa corrente de desatinos. Com a influência inglesa, organiza-se a primeira coligação europeia contra o nobre país [França]. […] Também no mundo espiritual reúnem-se os gênios da latinidade, sob a bênção de Jesus, implorando a sua proteção e misericórdia para a grande nação transviada. Aquela que fora a corajosa e singela filha de Domrémy [Joanna D’Arc] volta ao ambiente da antiga pátria, à frente de grandes exércitos de Espíritos consoladores, confortando as almas aflitas e aclarando novos caminhos. Numerosas caravanas de seres flagelados, fora do cárcere material, são por ela conduzidos às plagas da América, para as reencarnações regeneradoras, de paz e de liberdade. (17)

Entre o final do século dezoito e o início do século dezenove (1799 a 1815), a política europeia,está centrada na figura carismática de Napoleão Bonaparte, um dos grandes chefes militares da História; administrador talentoso, que, entre outras reformas civis, promulga uma nova Constituição; reestrutura o aparelho burocrático, cria o ensino controlado pelo Estado (ensino publico), declara leigo o Estado, separando o, assim, da religião, promulga o Código Napoleônico que garante a liberdade, individual, a igualdade perante a lei, o direito a propriedade privada, o divórcio — e adota o primeiro Código Comercial (3).

No que diz respeito as ações deste imperador francês, lembra nos Emmanuel que […] as atividades de Napoleão pouco se aproximaram das ideias generosas que haviam conduzido o povo francês a revolução Sua história esta igualmente cheia de traços brilhantes e escuros, demonstrando que a sua personalidade de general manteve se oscilante entre as forças do mal e do bem. Com as suas vitórias, garantia a integridade do solo francês, mas espalhava a miséria e a ruína no meio de outros povos. No cumprimento da sua tarefa, organizava se o Código Civil; estabelecendo as mais belas fórmulas do direito, mas difundiam-se a pilhagem e a insulto a sagrada emancipação de outros, com o movimento dos seus exércitos na absorção e anexação de vários povos: Sua fronte de soldado pode ficar laureada; para o mundo, de tradições gloriosas, é verdade é que ele foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças […]. (18)

Após Napoleão, a França passa por um novo período de transformações históricas, uma vez que […] vários princípios liberais da Revolução foram adotados, tais como a igualdade dos cidadãos perante a lei, a liberdade de cultos, estabelecendo-se, a par de todas as conquistas políticas e sociais, um regime de responsabilidade individual no mecanismo de todos os departamentos do Estado. A própria Igreja; habituada a todas as arbitrariedades na sua feição dogmática; reconheceu a limitação dos seus poderes junto das massas, resignando-se com a nova situação (19)

O movimento democrático na França mistura política e literatura: Assim, numerosos escritores se engajam na luta política e social, através de suas obras e ação. Desse modo, Lamartine e Vítor Hugo são eleitos deputados, tornando se o próprio Lamartine que muito contribuiu para o advento da República — chefe do governo provisório. Muitos desses escritores, como Zola, militam na causa republicana ou socialista. (8)

Sob o regime da Restauração, as questões mais importantes são as de ordem política o partido liberal exige a aplicação da Carta (Constituição) e um alargamento da liberdade que ela garante: Os liberais, como Stendhal e Paul-Louis Couner, são anticlericais. Chateaubriand torna-se liberal, e prevê o advento da Democracia. (9)


1.2 — A Revolução Industrial é as suas repercussões

Outra revolução, iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII, a Revolução Industrial, acarretou profundas transformações ria sociedade, modificando a feição das relações humanas dentro e fora dos países: Serviu de alavanca para o progresso tecnológico que presenciamos nos dias atuais, pela invenção de máquinas e de equipamentos cada vez mais sofisticados. Propiciou o desenvolvimento das relações internacionais, em especial nas áreas econômicas, comerciais e políticas, transformando o mundo numa aldeia global. Conduziu à urbanização de ajuntamentos humanos e à construção de modernos cercamentos (propriedades rurais). Desenvolveu a rede de comunicações de curta e de longa distância, principalmente pelo emprego inteligente da energia elétrica e da eletrônica. Ampliou os meios de transportes, em especial o marítimo e o aéreo. Favoreceu as pesquisas médico-sanitárias voltadas para o controle das doenças epidêmicas, resultando aumento das faixas da sobrevida humana. (4)

A Revolução Industrial, no entanto, produziu igualmente várias distorções e alguns malefícios, de certa forma esperados, se se considerar o relativo atraso moral da nossa Humanidade. Os principais malefícios produzidos pela Revolução Industrial são, essencialmente, decorrentes das relações trabalhistas, infelizmente caracterizadas pela exploração do trabalho e pelas deficientes condições de segurança e higiene laborais, ocorridas em gradações diversas. (4)

É oportuno considerar que os ideais da Revolução Francesa e os princípios da Revolução Industrial se espalharam, como um rastilho de pólvora, por todo o continente europeu, estimulando revoluções liberais, que incitavam a burguesia e os trabalhadores a ações contra o poder constituído. A Europa do século XIX assemelha-se a um caldeirão em constante ebulição, afetando o cotidiano das pessoas, em decorrência das contínuas mudanças no campo das ideias, na organização das instituições, na definição das formas de governo, e em virtude dos embates político-sociais, das conquistas científicas e tecnológicas, das planificações educativas, dos questionamentos religiosos e filosóficos.


1.3 — Manifestações artísticas e culturais do século XIX

As atividades artísticas e culturais do século XIX revelam uma preferência predominantemente romântica. O romantismo influencia as ideias políticas e sociais abraçadas pela burguesia revolucionária da primeira metade do século, associando as manifestações românticas aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. A inspiração do artista romântico era buscada junto das pessoas simples, numa manifestação antielitista e antiaristocrática. Pesquisava-se a cultura popular e o folclore para a produção de pinturas, esculturas e peças musicais. As obras românticas de caráter épico destacam o heroísmo. O ideário artístico estava diretamente relacionado à realidade das lutas políticas e sociais da época: os sacrifícios da população, o sangue derramado nas batalhas e até as dificuldades encontradas nas disputas amorosas. (5)

No que diz respeito à produção literária, sobressai, na Alemanha, o poeta Goethe (1749-1832), que, em Fausto — uma de suas mais importantes obras — , enaltece a liberdade individual, tema repetido em seus demais trabalhos. (5)

Na França, destaca-se a figura de Vítor Hugo, que ocupa lugar excepcional na história das letras francesas. Grande parte de sua obra é popular pelas ideias sociais que difunde, e pelos sentimentos humanos, nobres e simples que ela canta. No livro Napoleão, o Pequeno, Vítor Hugo critica o governo de Napoleão III. Em Os Miseráveis, denuncia, como ninguém até então fizera, o estado de penúria dos pobres. (13)

As artes plásticas, inspiradas no classicismo greco-romano, têm como exemplos mais importantes o Arco do Triunfo e as colunas existentes em Paris, construídas por ordem de Napoleão. Jacques-Louis David (1746-1828) legou à posteridade famoso quadro sobre o assassinato de Jean-Paul Marat, um dos líderes da Revolução Francesa.

O pintor francês Eugène Delacroix (1798-1863) — líder do movimento romântico na pintura francesa — retrata no quadro A Liberdade uma mulher que, segurando a bandeira tricolor francesa, guia o povo nas dramáticas jornadas revolucionárias. (5)

No campo das composições musicais, ocorre uma reviravolta, o virtuosismo do século anterior é substituído por interpretações musicais de forte colorido emocional. A música para os românticos não era só uma obra de arte; mas um meio de comunicação com o estado de alma. Os grandes compositores românticos captam e executam peças musicais que destacam o momento político. Um dos compositores que demonstra de forma notável essa relação é Richard Wagner (1813-1883): A composição musical Lohengrin revela a forte influência dos socialistas utópicos e dos revolucionários da época. Beethoven (1770-1827) homenageia Napoleão Bonaparte em sua Nona Sinfonia: A Rapsódia Húngara, de Liszt (1811-1886), e as Polonaises; de Chopin (1810-1849), são verdadeiros panfletos de manifestações nacionalistas. O nacionalismo, na produção das óperas de Rossini (1792-1868), Bellini (1801-1835) e Verdi (1813-1901), transmite um apelo pungente à unificação da Itália. O surgimento dessa forma de ópera determina a passagem da música de câmara para a música dos grandes teatros; onde um grande número de pessoas poderia ter acesso aos espetáculos artísticos. (5)

Ao idealismo romântico contrapõe-se o Realismo, que professa o respeito pelos fatos materiais, e estuda o homem segundo o seu comportamento e em seu meio, à luz das teorias sociais ou fisiológicas. Escritores realistas, como Stendhal; Balzac, Flaubert, e naturalistas, como Zola, escreveram romances com pretensões científicas. Zola imita o método científico experimental do biólogo Claude Bernard. (10) (12)

Na segunda metade do século XIX, a pintura europeia passa por uma verdadeira transformação, desencadeada pelo movimento chamado impressionismo. Os pintores impressionistas procuram captar o cotidiano da vida urbana e do campo, buscando registrar nas telas as impressões dos efeitos da luz sobre a cena desejada. Os pintores mais importantes desse movimento foram Édouard Manet (1832-1883), Claude Monet (1840-1926), Renoir (1841-1920), Cézanne (1839-1906), Degas (1834-1917). (5)


1. 4 — Manifestações filosóficas, científicas, políticas, religiosas e sociais do século XIX

Para Emmanuel, o […] campo da Filosofia não escapou a essa torrente renovadora. Aliando-se às ciências físicas, não toleraram as ciências da alma o ascendente dos dogmas absurdos da Igreja. As confissões cristãs, atormentadas e divididas, viviam nos seus templos um combate de morte. Longe de exemplificarem aquela fraternidade do Divino Mestre, entregavam-se a todos os excessos do espírito de seita. A Filosofia recolheu-se, então, no seu negativismo transcendente, aplicando às suas manifestações os mesmos princípios da ciência racional e materialista. Schopenhauer, [1788-1860] é uma demonstração eloquente do seu pessimismo e as teorias de Spencer [1820-1903] e de Comte [1798-1857] esclarecem as nossas assertivas, não obstante a sinceridade com que foram lançadas no vasto campo das ideias. (21) De acordo com o Positivismo de Auguste Comte, a humanidade ultrapassou o estado teológico e o estado metafísico ao penetrar ó estado positivo, caracterizado pelo sucesso dos conhecimentos positivos, fundados numa certeza racional e científica. Tais ideias conduzem aos exageros do cientificismo, em que a fé na Ciência se torna a verdadeira fé. Acredita-se que ela vá resolver todos os problemas, elucidar todos os mistérios do mundo; tornar inúteis a religião e a metafísica. Este entusiasmo é revelado na conhecida obra literária de Renan: L’Avenir de la Science (O Futuro da Ciência). (12)

Em relação às ideias anarquistas e às ideologias socialistas da sociedade da época, essas concepções ainda repercutem nos dias atuais. O Anarquismo, como sabemos, representa um conjunto de doutrinas que preconizam a organização da sociedade sem nenhuma forma de autoridade imposta. Considera o Estado uma força coercitiva, que impede os indivíduos de usufruir liberdade plena. A concepção moderna de anarquismo nasce com a Revolução Industrial e com a Revolução Francesa. Em fins do século XVIII, William Godwin (1756-1836) desenvolve o pensamento anárquico, na obra Enquiry Concerning Political Justice. No século XIX surgem duas correntes principais do Anarquismo, de ação marcante na mentalidade dos povos. A primeira, encabeçada pelo francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), afirma que a sociedade deve estruturar sua produção e seu consumo em pequenas associações baseadas no auxílio mútuo entre as pessoas. Segundo essa teoria, as mudanças sociais são feitas com base na fraternidade e na cooperação. O russo Mikhail Bakunin (1814-1876) é um dos principais pensadores da outra corrente, também chamada de coletivismo. Defende a utilização de meios mais violentos nos processos de transformação da sociedade, e propõe a revolução universal sustentada pelos camponeses (campesinato). Afirma que as reformas só podem ocorrer depois que o sistema social existente for destruído. Os trabalhadores espanhóis e italianos são bastante influenciados por Bakunin, mas o movimento anarquista nesses países é esmagado pelo surgimento do Fascismo. O russo Peter Kropotkin (1842-1876) é considerado o sucessor de Bakunin. Sua tese é conhecida como anarco-comunismo e se fundamenta na abolição de todas as formas de governo, em favor de uma sociedade comunista regulada pela cooperação mútua dos indivíduos, em vez da oriunda das instituições governamentais. Essas ideias resultaram no surgimento do comunismo marxista, que, de socialismo científico, transforma-se em crítico do regime capitalista, tendo como base o materialismo histórico. (8) Assim, em 1848, o Manifesto dc Partido Comunista, de autoria dos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), afirma que o comunismo seria a etapa final da organização político-econômica humana. A sociedade viveria em um coletivismo, sem divisão de classes e sem a presença de um Estado coercitivo. Para chegar ao Comunismo, no entanto, os marxistas preveem um estágio intermediário de organização, o Socialismo, que instauraria uma ditadura do proletariado para garantir a transição.

Esses movimentos políticos também confrontam as práticas religiosas conduzidas pela Igreja,Católica que, desviada dos princípios morais do estabelecimento de um império espiritual no coração dos homens, aproxima-se em demasia das necessidades políticas da nobreza reinante na Europa. Essa aproximação com o poder real trouxe consequências desastrosas, abrindo espaço a discussões sobre o papel desempenhado pela Igreja em particular, e pela religião, considerada como sinônimo de movimento religioso de igreja — católica ou reformada — , equívoco que ainda norteia o pensamento religioso da maioria dos europeus dos dias atuais. Nesse contexto, surge o catolicismo social, movimento criado por Lamennais, que buscava um ideal de caridade e de justiça, conforme os ensinos do Evangelho. Lamennais rompe com a Igreja e se torna abertamente socialista. Lacordaire e Montalembert se submetem sem abandonar a ação generosa (caridade e justiça). (11) A fragilidade demonstrada pela Igreja Católica, frente aos contumazes ataques que recebia, abriu espaço à expansão das doutrinas divulgadas pelas igrejas reformadas. Na verdade, a propagação do Protestantismo na Europa e na América — da mesma forma que a multiplicidade de interpretações doutrinárias surgidas ao longo de sua evolução histórica — , estava ocorrendo desde o século XVI. Os questionamentos levantados sobre o papel da religião, num período em que a sociedade estava submetida a um racionalismo dominante, conduziram teólogos e intelectuais protestantes do século XIX a um reexame dos textos bíblicos, e até a um estudo crítico da razão de ser do Cristianismo. Nasciam, a partir daquele momento histórico, as teorias sobre a salvação pela fé, dogma considerado imprescindível à experiência religiosa de cada pessoa e à necessidade social que o homem tem de crer em Deus e de senti-lo.

No campo da Ciência as mudanças foram significativas, fundamentais ao progresso científico e tecnológico dos dias futuros: a descoberta do planeta Netuno por Leverrier; os trabalhos de Louis Pasteur sobre microbiologia; os estudos de Pierre e Marie Curie no campo das energias emitidas pelo rádio, e a teoria da origem e evolução das espécies, de Charles Darwin. O surgimento da máquina a vapor revoluciona os meios de transportes. O desenvolvimento da indústria e sua concentração progressiva levam a um aumento considerável do proletariado urbano e da acuidade das questões sociais. O movimento industrial necessita de operações bancárias e permite a edificação de novas fortunas. A burguesia rica acelera sua ascensão e torna-se a classe dominante, força política e social. O dinheiro é tema literário de primeiro plano, com cuja inspiração os autores pintam a insolência de seus privilegiados ou a miséria de suas vítimas. (12) Em […] confronto com todas as épocas precedentes, o período que vai de 1830 a 1914 assinala o apogeu do progresso científico. As conquistas desse período não só foram mais numerosas, mas também devassaram mais profundamente os segredos das coisas e revelaram a natureza do mundo e do homem, projetando sobre ela uma luz até então insuspeitada […]. O fenomenal progresso científico dessa época resultou de vários fatores. Deveu-se, até certo ponto, ao estímulo da Revolução Industrial, à elevação do padrão de vida e ao desejo de conforto e prazer. (6)

Todavia, é importante assinalar que uma revolução diferente marcou, também, esse período. Falamos da revolução moral proposta pelo Espiritismo nascente: O século XIX desenrolava uma torrente de claridades na face do mundo, encaminhando todos os países para as reformas úteis e preciosas. As lições sagradas do Espiritismo iam ser ouvidas pela Humanidade sofredora. Jesus, na sua magnanimidade, repartiria o pão sagrado da esperança e da crença com todos os corações. Allan Kardec, todavia, na sua missão de esclarecimento e consolação, fazia-se acompanhar de uma plêiade de companheiros e colaboradores, cuja ação regeneradora não se manifestaria tão somente nos problemas de ordem doutrinária, mas em todos os departamentos da atividade intelectual do século XIX. (20)



Referências Bibliográficas:

1. AMORIM, Deolindo. O Espiritismo e os Problemas Humanos. Rio de Janeiro: Gráfica Mundo Espírita, 1948. Capítulo 34, p. 170.

2. Idem - Transição Inevitável. O Espiritismo e os Problemas Humanos. São Paulo: USE Editora, 1985, p. 23.

3. AMARAL, Jesus S. F. [et al.]. Enciclopédia Mirador Internacional. São Paulo: 1995. (Revolução Francesa), vol. 18. Item III, p. 9852-9859.

4. Idem - (Revolução Industrial), p. 9877-9881.

5. BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. 3. ed. Porto Alegre: Editora Globo, 1975. Progresso intelectual e artístico durante a época da democracia e do nacionalismo, p. 661.

6. Idem, ibidem - p. 792.

7. RÉMOND, René. O Século XIX. Tradução de Frederico Pessoa de Barros. 12. ed. São Paulo: Editora Cultrix. Os Componentes Sucessivos, p. 13.

8. LAGARDE, André et MICHARD, Laurent. XIX e Siècle. Les grands auteurs Français Du Programme. Paris: Editions Bordas, 1964. Introduction (Le Mouvement Démocratique), vol. V, p. 7-8.

9. Idem, ibidem - p. 8.

10. Idem, ibidem - (Le Réalisme), p. 11.

11. Idem, ibidem - (Le Socialisme), p. 8.

12. Idem, ibidem - (Le progrès scientifique et industriel), p. 9.

13. Idem - Victor Hugo, p. 153.

14. XAVIER, Francisco Cândido. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 33. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 21 (Época de transição), item: Os Enciclopedistas, p. 185.

15. Idem - (A Independência Americana), p. 186.

16. Id. -  Capítulo 22 (A Revolução Francesa), p. 187.

17. Id. - (Contra os Excessos da Revolução), p. 190.

18. Id. - (Napoleão Bonaparte) p. 192-193.

19. Id. - Capítulo 23 (Depois da Revolução), p. 196.

20. Id. - (Allan Kardec e os seus Colaboradores), p. 197.

21 Id. - (As Ciências Sociais), p. 198-199.


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