O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VI — Fevereiro de 1863.

(Idioma francês)

Círculo espírita de Tours.

DISCURSO PRONUNCIADO PELO PRESIDENTE NA SESSÃO DE ABERTURA.
Terça-feira, 12 de novembro de 1862.
(Sumário)

1. — Senhores,

“Antes de mais, devo agradecer aos Espíritos protetores da nossa pequena sociedade nascente por me haverem designado para presidi-la. Tratarei de justificar a escolha, que me honra, velando escrupulosamente para que os trabalhos de nossas reuniões tenham sempre um caráter sério e moral, objetivo que jamais devemos perder de vista, sob pena de nos expormos a muitas decepções.

“Que viemos buscar aqui, senhores, longe do tumulto dos negócios mundanos? A ciência de nossos destinos. Sim, todos quantos estamos neste modesto recinto que, espero, crescerá e se elevará pela grandeza e magnanimidade do objetivo que perseguimos, cedemos ao desejo muito natural de levantar o véu espesso que oculta aos pobres humanos o temível mistério da morte, e saber se é verdade, como ensina uma falsa ciência – e como infelizmente creem tantos Espíritos inditosos e extraviados -que o túmulo fecha o livro dos destinos do homem.

“Bem sei que Deus colocou um facho no coração de cada um, destinado a clarear seus passos pelos rudes atalhos da vida: a razão; e uma balança para pesar todas as coisas de acordo com o justo valor: a justiça. Mas quando a viva e pura luz desse facho diretor, cada vez mais enfraquecido pelo sopro impuro das paixões pervertidas, está a ponto de extinguir-se; quando essa balança da justiça é falseada pelo erro, pela mentira; quando o cancro do materialismo, depois de ter invadido tudo, até as religiões, ameaça tudo devorar, é necessário que o Supremo Juiz venha enfim, por prodígios de sua onipotência, por manifestações insólitas, capazes de chamar a atenção violentamente, retificar os caminhos da Humanidade e retirá-la do abismo.

“Ao ponto de degradação moral em que caíram as sociedades modernas, sob a influência de falsas e perniciosas doutrinas, toleradas, se não encorajadas, pelos próprios que têm a missão especial de as reprimir; no meio desse indiferentismo geral por tudo quanto não é matéria, desse sensualismo escandaloso, exclusivo, desse furor, até agora desconhecido, de enriquecimento a qualquer preço, desse culto desenfreado do bezerro de ouro, dessa paixão desordenada do lucro, que engendra o egoísmo, congela todos os corações, falseando todas as inteligências, e tende à dissolução dos laços sociais, as comunicações de além-túmulo podem ser consideradas como uma revelação divina, tornada necessária para a chamada da ordem por parte da Providência, que não pode deixar perecer sem socorro sua criatura de predileção. E, com a rapidez com que se espalham em todos os pontos do globo os ensinamentos da Doutrina Espírita, fácil é prever que se aproxima a hora em que a Humanidade, depois de uma pausa, vai transpor nova etapa, sujeitar-se a uma nova fase de desenvolvimento na sua progressão intermitente através dos séculos.

“Quanto a nós, senhores, agradecemos à Providência por nos haver escolhido para espalhar e fazer frutificar neste pequeno recanto da Terra a semente espírita, e assim cooperar, na medida de nossas forças, na grande obra de regeneração moral que se prepara.

“A propósito de uma questão médica, neste momento eu me ocupo, como alguns dentre vós o sabeis, de um trabalho filosófico importante, no qual tento explicar, racionalmente, os fenômenos fisiológicos do Espiritismo e os correlacionar à filosofia geral. Antes de publicar esse trabalho, essencialmente antimaterialista, que ainda não passa de um esboço, proponho-me vo-lo comunicar, a fim de que possais opinar quanto à oportunidade de submeter, à aprovação dos Espíritos elevados que nos honram com a sua assistência, os principais pontos de doutrina que ele encerra. Aliás, ali poderíamos encontrar, previamente preparadas e dispostas metodicamente, a maioria das questões que devem constituir o objeto de nossas conversas espíritas.

“Jamais devemos perder de vista, senhores, a meta essencial do Espiritismo, que é a destruição do materialismo pela prova experimental da sobrevivência da alma humana. Se os mortos respondem ao nosso apelo, se se põem em comunicação conosco, é que de fato não estão mortos; é que o último estertor da agonia não lhes marcou o termo definitivo da existência. Todos os sermões do mundo, a tal respeito, não valem um argumento como este.

“Eis por que é dever nosso, de crentes, espalhar a luz à nossa volta e não a encerrar sob o alqueire, isto é, neste pequeno recinto que, ao contrário, deve tornar-se, por nosso zelo, um foco de irradiação. Isto significa que devemos convidar todo o mundo às nossas reuniões, acolher o primeiro que chegar manifestando curiosidade de nos ver à obra, como se se tratasse de enxergar como opera um prestidigitador? Seria expor ao ridículo, de forma desastrada, a coisa mais séria do mundo, e nós mesmos nos comprometermos. Mas sempre que uma pessoa, da qual nenhum motivo tivermos para suspeitar de sua boa-fé, houver adquirido noções de Espiritismo na leitura de obras especiais e desejar testemunhar os fatos, devemos aquiescer ao seu pedido. Somente será bom regular essas modalidades de admissão e não admitir em nossas sessões nenhuma pessoa estranha sem que a sociedade, consultada, tenha dado previamente a sua autorização.

“Senhores, quando há dois anos apenas constatávamos, com um dos nossos secretários, em casa de um amigo comum, os fenômenos espíritas de ordem mecânica e intelectual mais surpreendentes, não obstante a evidência dos fatos de que éramos testemunhas e apesar de nossa profunda convicção de que essas manifestações extraordinárias se passavam fora das leis naturais conhecidas, apenas ousáramos externar timidamente os nossos conhecimentos íntimos, tamanho era o receio que pusessem em dúvida a integridade de nossa razão. O Livro dos Espíritos, então pouco conhecido em Tours, ainda estava na primeira ou, quando muito, na sua segunda edição; numa palavra, quase não havia transposto, naquela época, os limites da capital. Pois bem! vede que imenso progresso no espaço de três anos! Hoje o Espiritismo penetrou em toda parte, tem adeptos em todas as classes da sociedade; reuniões e grupos mais ou menos numerosos organizam-se em todas as cidades, grandes ou pequenas, esperando a vez dos vilarejos. Hoje as obras espíritas são expostas em todas as livrarias, que têm dificuldades em satisfazer à demanda da clientela, ávida de iniciar-se nos grandes mistérios das evocações. Hoje, enfim, vulgarizado, mais ou menos conhecido de todos, o Espiritismo já não é um espantalho, um sinal de reprovação ou de desdém, e podemos corajosamente, sem temor de passar por loucos, confessar a finalidade de nossas reuniões. Podemos desafiar a zombaria e o sarcasmo e dizer aos escarnecedores: “Antes de nos ridicularizar, dignai-vos ao menos nos contar e pesar.”

“Quanto ao anátema de um partido, consideramos muito frágil o seu alcance para nos inquietarmos. Dizem que pactuamos com o diabo. Seja. Mas, então, é preciso convir que nem todos os diabos são maus. Aos seus olhos, o nosso verdadeiro crime é a nossa pretensão, por certo muito legítima, de nos comunicarmos com Deus e seus santos, sem a sua intermediação compulsória. Provemos-lhe que, graças aos ensinamentos dos que eles chamam demônios, compreendemos a moral sublime do Evangelho, que se resume .no amor de Deus e dos nossos semelhantes, e na caridade universal. Abracemos a Humanidade inteira, sem distinção de culto, de raça, de origem e, com mais forte razão, de família, de fortuna e de condição social. Que saibam que nosso Deus, o Deus dos espíritas, não é um tirano cruel e vingativo, que pune um instante de desvario com torturas eternas, mas um pai bom e misericordioso, que vela por seus filhos extraviados com uma solicitude incessante, procurando atraí-los a si por uma série de provas destinadas a lavá-los de todas as máculas. Não está escrito que Deus não quer a morte do pecador, mas a sua conversão ( † )

“Quanto ao mais, nós nos reservamos expressamente, aqui como em toda parte, os direitos imprescritíveis da razão, que deve tudo dominar, tudo julgar em última instância. Não dizemos aos recalcitrantes, conduzindo-os ao pé da fogueira: Crê ou morre, mas, crê, se tua razão o quer.

“Ainda uma palavra para terminar, senhores, pois não quero abusar de vossa atenção. Não tendo, nem podendo ter a instituição de nossa sociedade outro fim senão a nossa instrução e o nosso melhoramento moral, devemos afastar de nossas sessões, com o maior cuidado, toda questão ligada direta ou indiretamente, seja a pessoas, à política e aos interesses materiais. Estudo do homem em relação ao seu destino futuro, tal o nosso programa, ao qual jamais devemos renunciar.”


Chauvet, Doutor em Medicina.


2. — Este discurso é seguido de uma comunicação obtida espontaneamente por um médium da sociedade:

“Meus amigos, o fim de vossa sociedade é de vos instruirdes e de reconduzir o homem transviado à luz, há tanto tempo obscurecida pelas trevas que reinam neste século. Não deveis olhar esta instrução como vindo esclarecer-vos sobre questões de direito ou de ciência; ela vem simplesmente vos predispor a entrar na nova via da regeneração, que deveis percorrer sem medo, pondo vossa confiança nas instruções que recebeis. Nada deveis temer, porque Deus vela pelo homem que faz o bem e não o abandona.

“Eu vos ouvi discutir a propósito de um artigo do regulamento sobre a admissão de pessoas estranhas à vossa sociedade. Escutai um pouco os conselhos de um amigo, ou, antes, de um irmão que vos fala, não da boca, mas do coração, não materialmente, mas espiritualmente; porque, crede-o, quando transpus, para vir a vós, todos os degraus dos Espíritos impuros, o espaço a percorrer não me pareceu penoso, pois via o vosso coração animado de sentimentos do bem.

“Quando uma pessoa estranha pedir para assistir às vossas reuniões, antes de admiti-la fazei-a vir em particular ao vosso gabinete e, na conversa, sondai os seus sentimentos e vede se está instruída na nova doutrina. Se nela descobrirdes o desejo do bem e não simples curiosidade; se vem animada de intenções sérias, então podeis admiti-la sem receio. Mas repeli quem quer que venha com o pensamento de perturbar as sessões e desprezar os vossos ensinos. Pensai também que os espiões se insinuam por toda parte; o próprio Jesus teve os seus.

“Se alguém se apresenta dizendo-se espírita ou médium, não o recebais sem saber com quem estais tratando. Não ignorais que existem médiuns cheios de frivolidades e de orgulho e que, por isso mesmo, só atraem Espíritos levianos. Diz-se muitas vezes: cada ovelha com sua parelha. Um verdadeiro espírita não deve ter outro sentimento senão o do bem e da caridade, sem o que não pode ser assistido pelos Espíritos esclarecidos.

“Por certo a perda de um médium pode deixar um vazio entre vós, mas, por isso, não se deve crer que não tereis mais instruções nossas; estaremos sempre prontos a vir assistir-vos nos vossos trabalhos, enquanto Deus o permitir. Se um bom médium vos é tirado, é que certamente Deus o destina a outra missão, que julga mais útil. Quem sabe o que o espera? Há coisas que o homem não pode compreender e que, no entanto, precisa aceitar.

“O caminho que ides percorrer, meus amigos, é difícil de subir, mas, com a ajuda dos vossos irmãos, que estão acima de vós, conseguireis.

“Em outra oportunidade espero vos instruir sobre questões mais graves.”


Assinado: Fénelon. n



[1] [v. Fénelon.]


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